O autor faz uma releitura temática do quadro normativo-doutrinário que rege a narrativa dos atos terroristas e dos crimes contra as instituições democráticas. Ao contrário do golpe militar de 1964, procede-se com as garantias do estado democrático brasileiro, observado o devido processo legal, com a transparência absoluta. Repete-se: a pena justa é a necessária, oportuna e proporcional
1. O conceito de consumação é jurídico, dizendo-se que um delito é consumado quando todos os elementos integrantes, segundo o modelo legal, se encontram reunidos no fato realizado. O legislador brasileiro diz que o delito está consumado “quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal”. Através da realização destes elementos constitutivos do modelo legal, reproduz-se totalmente o fato concreto. Em síntese, o fato consumado se caracteriza pela adequação direta e perfeita à figura legal. A consumação configura a completa realização do tipo penal. A regra geral é que não é o momento da consumação formal o mesmo do exaurimento material, sendo frequente a distância entre estes dois instantes, dando lugar a um período em que o crime está consumado, mas ainda não exaurido. O exemplo mais flagrante é no crime continuado em que o exaurimento se separa cronologicamente da consumação. A consumação é a realização do fim planejado através das ferramentas operadas pelo autor. Uma parte da doutrina faz distinção entre o crime consumado e o exaurido (ou esgotado), baseando-se em que há exaurimento quando um crime produz todos os efeitos lesivos que são a consequência de sua violação, sendo, portanto, um período posterior à consumação, pois, nesta, só há a simples realização dos elementos integrativos essenciais do tipo legal. Realmente, não interessa ao Direito que o ilícito produza todos os seus efeitos lesivos que estavam no querer do autor e que não formam parte de sua estrutura, motivo pelo qual deixa de ter relevância tal distinção. Distingue-se a consumação do esgotamento do delito. A importância do esgotamento é relativa. O planejamento e os atos preparatórios podem ser realizados simultaneamente, pois até nos tipos de ímpeto encontra-se um breve momento de preparação (a. se durante uma discussão um dos participantes se exalta e saca um revólver, mas é contido e desarmado pelos debatedores antes de fazer qualquer disparo, o ato é meramente preparatório; b. se A se precipita sobre uma jovem com o intuito de manter uma relação sexual, mas é detido por seus colegas no instante em que se projeta para rasgar as vestes da vítima, a execução também não se iniciou). O exaurimento é irrelevante para a configuração, apenas servindo de indicador para o merecimento da pena.
2. Autores são os que dominam a realização do fato típico. A autoria direta individual se caracteriza por uma pessoa realizar todo o fato típico e não apenas uma parte. O desvalor de todas as espécies de atuação nos casos de autoria é observado na medição de sua reprovabilidade na medida do merecimento da pena. Só podem ter o domínio do fato os autores diretos, os coautores diretos ou executivos, os cooperadores necessários e os autores mediatos. Autor direto é o que possui o domínio do fato (Tätherschaft) na modalidade do domínio da ação (Handlungsherrschaft), através do atuar pessoal e doloso da realização típica. O conceito unitário de autor define-se como todo aquele que contribui casualmente para a realização do fato típico, com independência da maior ou menor importância de sua contribuição causal, bem como de se realizar ou não a figura típica. Já o conceito restritivo de autor entende que não basta para ser autor apresentar uma contribuição causal ao fato típico, mas só identifica a descrição típica quem realiza por si a ação típica.
3. A cumplicidade é uma contribuição causal punível, mas atípica. Tal conceito possui como patamar a causalidade e contribui para a teoria da tipicidade penal (realizar a ação típica equivale a executar toda ou parte da ação). O critério seguro para a verificação e prova da figura do autor não pode ficar reduzido à realização do tipo no sentido objetivo-formal (execução física e pessoal). Todavia, nos tipos comuns dolosos há que dominar o curso ou realização do fato típico. Tal postura contempla a realização típica com pertinência objetiva do fato a seu autor, supera a concepção objetivo-formal que responde tão só à execução formal do verbo típico.
4. A instigação é uma forma de corromper a pessoa livre, ao passo que a autoria mediata é o abuso da pessoa livre, pois só quem tem o domínio pode abusar do outro para a realização do fato típico. Observa-se que o autor mediato controla do início ao fim o curso dos acontecimentos causais. Se o próprio instigador provoca a situação de necessidade do autor direto, há autoria mediata e não participação. A autoria mediata é uma espécie de autoria, devendo o autor estar qualificado para cometer o fato. Inexiste nos tipos de mão própria e nos tipos especiais próprios. Igualmente, afasta-se a possibilidade de autoria mediata culposa, pela ausência de uma vontade dirigida ao fato típico. Para a afirmação do domínio do fato, aquele que se esconde atrás, o seu instrumento, deve se encontrar em relação de subordinação, que pode ocorrer por coação, incapacidade de culpabilidade, ou mesmo por se tratar de fato que só pode ser cometido por ele próprio, por ausência de qualificação ou intenção.
5. Há coautoria quando dois ou mais partícipes atuam conjuntamente na realização típica, sendo que cada um executa uma conduta em sua totalidade e, em conjunto, reúnem os requisitos para serem autores. Há vertente que sustenta que a coautoria tem como pedra basilar a divisão de trabalho. O fundamento reside no domínio do fato, a que Roxin etiquetou de “domínio funcional do fato”. É coautor quem detenha o domínio funcional do fato, cuja ausência poderá conduzir à participação nas modalidades de instigação ou cumplicidade. Para a existência de coautoria há necessidade do acordo recíproco de vontades (expresso ou tácito), pois a anuência unilateral é autoria colateral. A resolução comum para o fato importa na consciência e vontade de comungar na conduta comum. Sabe-se que o acordo de vontade pode ocorrer antes ou durante a execução do fato (coautoria sucessiva). Na coautoria não se exige o conhecimento da pessoa do partícipe, basta que objetivem o mesmo fim reprovável. Considera-se como coautores aqueles que: a) ofendem o bem jurídico mediante acordo de condutas; b) mandam, promovem, organizam e dirigem o crime ou praticam outra conduta indispensável para ofensa do bem jurídico; c) usam como instrumento para a execução do crime, pessoa que age de forma atípica, justificada ou não culpável; d) usam aparatos organizados de poder para ofensa ao bem jurídico. Só pode ser coautor aquele que detenha o domínio funcional do fato, e, utilizando o expressar welzeliano, a coautoria é autoria e, segundo Roxin, com certeza, cada coautor tem a sorte do fato em suas mãos. Há possibilidade da coautoria por omissão na proporção da exigibilidade de cada coautor ter o dever jurídico de evitar o resultado. Há coautoria sucessiva quando uma ação, iniciada em autoria única, consuma-se, atrás da intervenção de outrem, com esforços concentrados, sem necessidade de especial acordo. O que assiste à atividade executiva, sem ser organizador ou vigia, poderá dar ensejo à participação por omissão. No que tange à cooperação necessária entre os coautores, a doutrina majoritária considera que só sejam partícipes no fato realizado pelo autor ou autores. O cooperador necessário não realiza uma fatia da ação típica, pois na verdade se trata de atos necessários à realização da ação típica sem somar a parte integrativa. É o domínio funcional do fato que conduz ao estabelecimento de um nível valorativo de quem coopera na fase executiva e também realiza atos estritamente ligados à ação típica e, consequentemente, realiza o tipo como autor.
6. Participação (instigação e cumplicidade) é a dolosa cooperação no delito doloso de outrem, sendo a condição essencial que o partícipe não tenha realizado a ação típica. A questão da dependência do dolo do fato do autor principal é polêmica, sendo independente do conceito de ação. Na instigação ou indução, a dependência resulta de provocar no outro a decisão de realizar o delito. A participação de menor importância está normatizada em nossa legislação penal (se a participação for de menor importância, a pena deve ser diminuída de um sexto a um terço). A adoção do planejamento delitivo será o termômetro para a medida da pena e não tão só a sua capacidade de delinquir O item da variação deverá ser observado pelo magistrado em razão da maior ou menor distância em que o atuar contributivo operou diante da realização do delito. Maior desvalor, maior distância, menor resposta penal. Trata-se de diferenciação quanto ao injusto e não referencial da culpabilidade. Dentro do princípio do domínio do fato deve-se notar a graduação do desvalor da conduta típica.
7. O autor não necessita cumprir com suas próprias mãos os atos, em cada uma de suas fases, apenas colocar seus fins no atuar de outrem (domínio funcional e final do fato). A empreitada delitiva cada vez mais é realizada por meio da associação de vários indivíduos que se unem antes ou durante a execução, objetivando o sucesso do planejamento realizado, que envolve: a) o êxito da produção; b) a garantia da impunidade; c) o maior proveito no objetivo colimado (exaurimento). A teoria do domínio do fato não permite uma solução igualitária para os problemas de distinção entre autor e partícipes na totalidade do injusto. O conceito admite distinguir: a) domínio da ação, realização per se da ação típica; b) domínio da vontade, que é próprio da autoria mediata, emanada da coação exercida sobre o autor direto, aproveitando-se do erro deste e da utilização do “aparato organizado de poder”; c) domínio funcional do fato, com base na divisão de trabalho, fundamento da coautoria. O conceito de autor corresponde ao domínio final do fato. Só quem toma parte na execução pode ter o domínio do fato como coautor.
8. Os atos podem ser comissivos ou omissivos dolosos. Contemporaneamente, os delitos omissivos experimentam notável desenvolvimento, do ponto de vista teórico e prático, pela exigência dos deveres de cidadania de cada um ou de solidariedade com os demais. Como existe uma estrutura típica dolosa e uma estrutura típica culposa, há uma estrutura típica omissiva. A estrutura dos tipos omissivos é edificada sobre o patamar da não execução de uma ação determinada pela norma jurídica. A omissão é a violação de uma norma imperativa, o poder agir, diante de um dever de evitar o resultado, tendo o especial dever de impedi-lo. O obrigado pela norma imperativa se incumbe de garantir a integridade dos bens tutelados. Há uma ação dupla na atitude psíquica do autor que possibilita distinguir: a) omissão própria; b) omissão imprópria. Adota-se a classificação bipartida (omissivos próprios e impróprios), inclusive quando o tipo legal abarca em sua esfera de âmbito ações e omissões. Nos crimes omissivos próprios, a legitimidade da incriminação fica subordinada à exposição jurídica referida no tipo legal e a criação do dever de agir. Nos tipos de omissão imprópria, o conteúdo do dever de agir é determinado, segundo a doutrina dominante, por forças das circunstâncias fáticas. A posição doutrinária majoritária é no sentido de que os tipos omissivos impróprios não estão todos escritos, impondo-se a individualização do agir, diante dos limites do modelo do caso concreto e, nesta direção, seriam tipos abertos, como os culposos. Os tipos omissivos impróprios não escritos implicam em violação do princípio da legalidade. A participação deve ser observada em duas formas distintas: a) mediante um comportamento omissivo; b) participação ativa em um delito de omissão. A teoria dominante não aceita a possibilidade de indução por omissão. O indutor deve criar o dolo do delito no autor, isto é, a decisão do fato. Mediante omissão não se cria a decisão. No compasso da melhor doutrina, é inadmissível aceitar-se a possibilidade do reconhecimento da coautoria nos crimes omissivos puros, visto que o omitente do dever jurídico de atuar é o autor típico, que não se encontra na posição de garante. Infere-se que tão só é possível a participação nos crimes impropriamente omissivos, na forma de cumplicidade, pois em tal situação típica o cúmplice é garantidor. A questão da possibilidade de uma cumplicidade omissiva em delito de comissão é discutível. Parte da doutrina defende que existiria cumplicidade na hipótese do omitente ter o dever de garante. Kaufmann, na Dogmática de los crimes de omissión, sustenta que “o homem não pode ser causal e, portanto não é possível favorecer por omissão em delito de comissão”. Se o garante omite impedir o resultado será autor na hipótese de ter podido evitar o resultado, jamais cúmplice. Bacigalupo posiciona que a cumplicidade por omissão é possível quando a omissão do garante não é equivalente à autoria de um crime omissivo, e, portanto, não fundamentaria uma autoria por omissão.
9. Após o exame temático, diante da construção do sistema jurídico, observado o devido processo legal, e do estado de direito, aguarda-se a justa, necessária, oportuna e proporcional resposta punitiva para o desafio à democracia brasileira.
Álvaro Mayrink da Costa
Doutorado (UEG). Professor Emérito da EMERJ. Desembargador (aposentado) do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
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