O autor revisita o tema diante da ótica constitucional, salientando as posições da Corte Suprema, sustentando a ‘inadmissibilidade de antecipação ficta do trânsito em julgado, que constitui noção inequívoca em matéria processual’ e ‘a impossibilidade constitucional de execução provisória da pena, contudo não impede o Judiciário, com apoio em seu poder geral de cautela, de decretar a prisão cautelar do investigado ou do réu, seja no âmbito do inquérito policial, seja no curso do processo judicial, seja ainda após sentença condenatória recorrível – a utilização da prisão cautelar sempre é possível
1. Gize-se que, em época de convulsões sociais, aflora o aumento das taxas de criminalidade e, em consequência de um discurso punitivista pelo clamor público exacerbado pelos meios midiáticos de comunicação. Registre-se que o culpado é o indivíduo declarado por decisão judicial transitada em julgado, e no ponto referencial, dentre os elementos estruturantes do Estado Democrático de Direito situa-se o princípio da presunção de inocência.
2. Como já registrei, em 5.10.2016, foi indeferida a medida cautelar nas ADCs nºs. 43 e 44, tendo a maioria dos ministros da Corte Suprema optado por atribuir interpretação conforme a Constituição, dando admissibilidade à execução provisória da pena após decisão condenatória de segundo grau e a repercussão geral, através do Plenário Virtual, em 11.11.2016 (ARE nº 964.246), na análise de mérito das ADCs. A tese vencedora firmou o entendimento que não foi revogada vedação conferida ao art. 283 do CPP, pertinente às modalidades de prisão não contempladas na norma penal, como também inexiste autonomia entre a regra, objeto das ADCs, e a norma do art. 637 do CPP, conjugado com os arts. 995 e 1029, § 5º, ambos do Código de Processo Civil, que determinam que os recursos especial e extraordinário, como regra, no efeito meramente devolutivo. Assim, a Corte Suprema admitiu que o art. 283 do Código de Processo Penal e a possibilidade da execução provisória da pena, sem afetar o princípio da presunção de inocência. A excepcionalidade só ocorreria quando do abuso de poder ou teratologia, permitindo o efeito suspensivo aos recursos extraordinários.
3. Reverte-se a decisão em 2019. É cediço que o sistema constitucional consagra a liberdade como regra e a prisão como exceção. A execução da pena não transitada em julgado configura violação, e não restrição ao princípio da presunção de inocência, além de incrementar a vulnerabilidade da superlotação carcerária. Inexiste vínculo entre o estado de inocência garantido erga omnes e a morosidade do sistema punitivo brasileiro que leva ao descrédito o sistema de justiça.
4. Pontua-se que o Direito Penal de um Estado Democrático de Direito caracteriza-se pela limitação do direito de punir. O Estado de Direito não pode ceder ao estado policial. A presunção de inocência vai do inquérito até a decisão transitada em julgado. Ressalte-se que o sistema jurídico é dotado de instrumentos aptos a combater recursos protelatórios (abuso do direito de recorrer) evitando o risco da prescrição (STF, RE 465.383/ES AgR-EDv-ED, Pleno, rel. Min. Min. Dias Toffoli, j. 2.3.2011: “Admite-se, em material penal, a imposição de multa por litigância de má fé e o risco de iminente consumação da prescrição da pretensão punitiva, quando caracterizada a procrastinação, legitima a baixa dos autos ao juízo de origem para a imediata execução da pena, independentemente do trânsito em julgado” – abuso do direito de recorrer).
5. A decisão (2016) da Corte Suprema em admitir a execução provisória representa um retrocesso na salvaguarda dos direitos fundamentais e pretende suprimir a ineficiência estatal de garantir a paz pública e a segurança social. Há violação do princípio de inocência. Certa a decisão da Corte Suprema em 7.11.2019 que firmou: “a execução da pena antes do trânsito em julgado da decisão condenatória é incompatível com o art. 283 do CPP, resguardada a competência de instâncias ordinárias reconhecerem a necessidade de constrição cautelar da liberdade do condenado e determinar a prisão provisória, nos termos do art. 312 do CPP” (STF, ADC 43, Pleno, rel. Min. Marco Aurélio, j. 7.11.2019, e STF, HC 174.335 AgR – ED, 1ª T., rel. Min. Luiz Fux, j. 6.3.2020).
6. Pontua-se, na mesma direção, da impossibilidade da execução provisória da pena constituindo flagrante legalidade à posição do Superior Tribunal de Justiça que, referindo-se aos julgamentos das ADCs 43, 44 e 54, do Supremo Tribunal Federal, refere-se ao efeito vinculante e de aplicação imediata, nos termos do art. 102, § 2º, III, § 2º, tem-se como manifestamente ilegal a determinação do recolhimento provisório pelo simples esgotamento das instâncias ordinárias (STJ, AgRg no AREsp 1.775.860/SP, 5ª T., rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 17.8.2021). Há projeto legislativo na Câmara dos Deputados no sentido da modificação da decisão.
7. Cogita-se da proposta de emenda à Constituição, PEC nº 199/2029, que altera os arts. 102 e 105, transformando os recursos extraordinário e especial em ações revisionais de competência originária do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Cita-se que a ação revisional extraordinária será ajuizada contra decisão transitada em julgado proferida em única ou última instância que: a) contrariar dispositivo desta Constituição; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado federal; c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição; d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal. O projeto propõe que, na ação revisional extraordinária, o autor deve demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a sua admissibilidade, somente podendo recusá-la por ausência de repercussão geral, pelo voto de dois terços de seus membros.
8. De outro lado, propõe que a ação revisional especial seja ajuizada contra decisão transitada em julgado, proferida em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais, pelos Tribunais de Justiça dos estados ou pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e territórios: a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência; b) julgar válido ato de governo local em face de lei federal; c) dar a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal. Na ação revisional especial, o autor deverá demonstrar o interesse geral das questões infraconstitucionais nela discutidas, nos termos da lei, a fim de que o tribunal examine a sua admissibilidade, somente podendo recusá-la por ausência de interesse geral, pelo voto unânime do órgão julgador, nos termos da legislação ordinária. Finalmente, conclui que a lei estabelecerá os casos de admissibilidade da ação revisional especial.
Álvaro Mayrink da Costa
Doutorado (UEG). Professor Emérito da EMERJ. Desembargador (aposentado) do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
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