Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença condenatória. Transitada em julgado, a sentença que aplicar a pena privativa de liberdade, se o réu não estiver preso ou vier a ser preso o Juízo ordenará a expedição de guia de seu recolhimento para a execução
1. Na decisão de 2019, foi salientado o desvirtuamento da decisão de 2016 sobre o tema pelas instâncias inferiores, que passaram a adotar a medida como regra. Assim, “decidiu-se que a execução da pena após a condenação em segunda instância seria possível, mas não impositiva” (Gilmar Mendes), e que não há impedimento para que os investigados sejam detidos antes da condenação, desde que a prisão antecipada esteja sustentada, isto é, pela previsão da prisão em flagrante, temporária ou preventiva – “não é um problema judiciário, é um problema da lei” (Celso de Mello). O que se decidiu em 2016 é que a prisão em segunda instância seria possível, mas não impositiva (automática). O Supremo Tribunal Federal, nas três Ações Declaratórias de Inconstitucionalidade, declarou a inconstitucionalidade do art. 283 do Código de Processo Penal (com a redação dada pela Lei nº 12.403/2011), julgando procedentes os pedidos, voltando ao posicionamento de 2009 da necessidade de aguardar o trânsito em julgado.
2. Em síntese, registram-se as idas e vindas do Supremo Tribunal Federal sobre a prisão após a condenação em segunda instância: I - fevereiro/2009 (no julgamento do habeas corpus o réu tinha sido condenado em segunda instância, mas pediu o direito de recorrer em liberdade, por sete a quatro a execução da pena ficou condicionada ao trânsito em julgado); II - fevereiro/2016 (mudou o entendimento por entender que impedir a execução da pena em segunda instância favoreceria a impunidade); III - outubro/2016 (o Plenário confirmou a jurisprudência, desta vez, por seis a cinco, em julgamento de novo habeas corpus); IV - abril/2018 (no julgamento do habeas corpus do ex-presidente Lula, o STF confirmou, mais uma vez, a jurisprudência em favor da prisão em segunda instância); V - novembro/2019 (a Corte volta novamente ao tema, desta vez, no julgamento de três Ações Direta de Constitucionalidade. Por seis votos a cinco decide pela prisão após o trânsito em julgado).
3. Princípio da presunção de inocência: cogita-se de um princípio de natureza penal, auxiliar de interpretação das normas penais. Sua adoção como norma cogente de natureza constitucional requer que a responsabilidade pelo cometimento de um fato criminoso se subordine ao juízo de culpabilidade, em outras palavras, que a responsabilidade só seja atribuída com patamar na demonstração de que o fato fora executado por vontade livre, que decorre do princípio de liberdade reflexiva e da dignidade da pessoa humana. Registre-se que a base é o juízo de certeza e não de probabilidade. A interpretação das normas incriminadoras está dirigida para limitar o exercício do poder punitivo. Daí, o princípio não pode ser relativizado e deve ser tomado como um verdadeiro poder normativo, firmada a obrigatoriedade, não podendo ser flexibilizado por decisão judicial. Os tribunais não podem efetivar um juízo de ponderação sobre a presunção de inocência, quando inserida como regra de legitimação ordinária (arts. 283 do CPC e 105 da LEP). A declaração definitiva de culpabilidade só poderá ser proclamada depois do trânsito em julgado da sentença condenatória. Ressalta Juarez Tavares (Fundamentos, 7, p. 82/84) que a culpabilidade é um conceito jurídico, que só pode estar completo após o exame de todos os seus elementos.
4. Diante das PECs propostas na Câmara dos Deputados e no Senado Federal para novamente reverter a última decisão do Supremo Tribunal Federal, aguardemos o próximo capítulo.
5. Em tempo: na discussão plenária de 2019, o Presidente do Supremo Tribunal Federal, no seu voto de desempate, voltou a defender a execução imediata quando a decisão emanasse do Tribunal do Júri. Sobre o tema o Supremo já havia debatido em 2018, através do HC 140.449, redator para o acórdão ministro Roberto Barroso, julgado em 6.11.2018. Destaca-se do voto do ministro Roberto Barroso: “Em primeiro lugar - e já há mais de um precedente da Turma -, nas condenações pelo Tribunal do Júri, sequer é necessário aguardar o julgamento de recurso em segundo grau de jurisdição, até porque o Júri é soberano e, consequentemente, o Tribunal de Justiça não tem como substituir a decisão do Júri. Eventualmente pode anulá-lo, como aliás foi o caso aqui relatado da tribuna, mas as estatísticas documentam que é irrisório o número de condenações pelo Júri anuladas pelos tribunais de justiça. O contrário até acontece com mais frequência, absolvições que venham a ser anuladas, mas condenações que venham a ser anuladas é um número irrisório. Portanto, diante do princípio da soberania do Tribunal do Júri, o meu entendimento - aqui já esposado pelo Ministro Alexandre, acompanhado pelos demais, e também a posição do Ministro Dias Toffoli, hoje Presidente, que a defendeu publicamente - é de que a condenação pelo Tribunal do Júri já significa a possibilidade de execução da pena. Até porque imagino poucas coisas mais constrangedoras para a Justiça do que uma condenação pelo Tribunal do Júri, como acontecia regularmente, e depois o homicida, já reconhecido, saía livre do tribunal juntamente com a família da vítima, numa desmoralização para o sistema de Justiça Penal. Aqui, pedindo todas as vênias ao eminente Relator, por se tratar de condenação pelo Tribunal do Júri e por considerar o Júri soberano, considero que não se aplica sequer a exigência do julgamento pelo segundo grau de jurisdição”.
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