O autor revisa a necessidade da realização do exame criminológico, que sempre defendeu, desde a edição de seu livro Exame Criminológico (1ª ed., São Paulo, Editora Jurídica Universitária, 1972), e que se tornou facultativa e depois atenuada por súmulas do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Com a edição da Lei nº 14.843, de 11 de abril de 2024, retorna a obrigatoriedade da realização do exame criminológico ao ordenamento jurídico para haver a progressão do regime fechado para o semiaberto
Álvaro Mayrink da Costa[1]
1. Nos tempos contemporâneos, o exame criminológico, em um enfoque crítico e não etiológico, passa a se constituir em uma ferramenta pericial do Estado para avaliar em tempo próximo o grau de risco potencial de violência na antecipação de liberdade daqueles protagonistas de graves lesões aos bens jurídicos, objetivando a garantia da segurança pública, diante de intoleráveis desvios de conduta, sem manipular a personalidade e invadir a privacidade, respeitando a opção de ser diferente, bem como adequando na seleção de ingresso os perfis do condenado e do estabelecimento penal de cumprimento. Assim, não se trata do modelo do século passado formulado por Lacassagne e Lombroso para a classificação dos delinquentes (1890). No espírito da Lei de Execução Penal, o exame criminológico de ingresso é peça fundamental para a difícil seleção prévia de condenados em regime fechado (obrigatória) ou semiaberto (facultativo) para uma proposta de individualização executória. A reforma trazida pela Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019, perdeu a grande oportunidade de corrigir o erro dado pela Lei nº 10.792, de 1º de dezembro de 2003, que substituiu o exame criminológico pelo “bom comportamento carcerário comprovado pelo diretor do estabelecimento”. Agravou a questão pelo alongado tempo de permanência no regime fechado, criando óbices pela reclusão severa que obstaria a progressão de regime menos grave pelo tempo e mérito do condenado durante a execução da pena, criando um gargalo na superlotação carcerária.
2. Já o exame criminológico específico para a progressão de regime e livramento condicional, por condenados no cumprimento de pena por crime hediondo ou equiparado, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, requisitos objetivos e subjetivos do benefício, segundo a dicção da Súmula Vinculante nº 26 do Supremo Tribunal Federal, o magistrado poderá determinar para tal fim, de modo fundamentado, a sua realização. Diante do princípio da jurisdicionalidade, não seria admissível a substituição do juiz da execução pelo diretor da unidade penitenciária (administração penal). Em síntese, é a avaliação do perfil do condenado por uma comissão técnica através da análise de sua biografia na vida carcerária e repercussões no coletivo urbano, em razão do risco social de antecipação reintegratória à macrossociedade. Os condenados por crime praticado dolosamente, com violência de natureza grave contra a pessoa, ou por qualquer dos crimes previstos no art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, serão submetidos, obrigatoriamente, à identificação de perfil genético, mediante extração de DNA por técnica adotada e ficará em banco de dados sigiloso (art. 9º-A da LEP). Se o condenado não tiver sido submetido no ingresso no estabelecimento prisional, o será durante o cumprimento da pena (Lei nº 13.964/2019). Realiza-se por meio de uma entrevista em conjunto pela equipe multidisciplinar, constituída por diretor, chefe de segurança da unidade prisional, psicólogo, psiquiatra e assistente social. Não se pode deixar de utilizar tal ferramenta legal e importantíssima para o programa individualizador contribuindo para a seleção ou curriculum do condenado como referência fundamental para estabelecer a construção do perfil, atendendo-se à individualização da pena preconizada pela Lei de Execução Penal, com a finalidade de um melhor processo inicial de reconstrução da pessoa do condenado. O condenado que ingressa em uma unidade prisional adapta-se à nova cultura (não difere, na maioria das vezes, do habitat miserável ou pobre de onde proveio). O processo de adaptação à vida prisional (microssociedade) é exatamente inverso do pretendido pelo mito ressocializador, que se denomina desculturação, caracterizado pela perda de capacidades vitais e sociais mínimas exigíveis para uma vida normal na macrossociedade. Esta falta de orientação ditada pela contaminação e expressada no chamado processo de prisionalização, por via do qual o apenado adquire e adota usos, costumes, tradição e cultura da unidade prisional. Objetiva-se, com patamar no perfil, traçar o programa individualizador, procurando estimular novos valores, abrir expectativas e vencer dificuldades próprias do processo de encarceramento.
3. Contemporaneamente, não se fala mais em classificação de delinquentes, mas em processo de seleção para facilitar o processo de socialização com patamar no princípio da dignidade da pessoa humana. Realiza-se a justiça, conhecendo o homem. Assim, impõe-se separar os apenados que, pela vida pregressa ou perfil de risco conflitivo, possam exercer uma liderança negativa, criando e mantendo associações criminosas, destruindo qualquer proposta de individualização executória, bem como proporcionando a quantidade de perfis para efetivo processo de socialização. É necessário que se conheça o apenado e, para tanto, se impõe investigar o seu perfil, aptidões, valores, interesses e opção de conduta normativa. A prisão, instituição total, caracteriza-se pela aparição de uma cultura específica, a sociedade criminógena. O objetivo ressocializador mínimo tem por escopo gerar condições para dar oportunidades ao apenado de poder no futuro comportar-se sem conflito normativo. O cárcere não pode ser um instrumento para transformar a consciência do condenado.
4. Na prisão, coexistem dois sistemas de vida diferentes: a) oficial representado pelas normas legais, que disciplinam a vida no cárcere; b) não oficial, o que rege a vida dos reclusos e suas relações entre si (o que nasce na prisão, morre na prisão). O recluso se adapta às formas de vida, usos e costumes que são impostos no estabelecimento prisional. Na realidade, o que a sociedade persegue é a socialização do condenado para viver na prisão. Visa-se à inserção social futura e harmônica, respeitados os limites normativos para a garantia do exercício dos direitos de todos em um Estado de direito, democrático, laico e pluralista. A exigência da realização do exame criminológico de natureza interdisciplinar por comissão especializada para a avaliação do perfil do apenado (história de vida) tem por escopo também instrumentalizar o juiz da execução penal para o deferimento ou não do pedido antecipatório para regime menos rigoroso, é medida imperativa para a aferição da adequação ao novo regime prisional ou de liberdade antecipada. A função criminológica do legislador e do magistrado deve levar em conta seu papel político, jurídico e social, diante de uma crítica realística, pois não mais se podem pretender ações de políticas penitenciárias que nada têm a ver com a realidade social.
5. Há forte resistência à realização do exame criminológico por parte dos psicólogos que operam no sistema penitenciário: a) quer em relação ao exame de ingresso (classificação), sob o fundamento de que o programa individualizador de tratamento perdeu sua finalidade deixando de ser realizado diante do ceder do Estado às organizações criminosas; b) quer mantendo no que tange à progressão de regime e ao livramento condicional, rejeitando sob a alegação de que não deve ser o trabalho do psicólogo delinear um perfil da pessoa presa e o grau de risco para a sociedade no momento em que deixa o cárcere, mas sim, o de poder vê-la de frente e acompanhá-la por meio de práticas durante o cumprimento da pena. Saulo de Carvalho, em Práticas Inquisitivas na Execução Penal, defende que “quanto ao prognóstico de não delinquência, mas importante ressaltar que a emissão do parecer tem como mérito ‘probabilidades’, o que por si só em nada poderia justificar a negação de direitos públicos subjetivos, visto serem hipóteses inverificáveis empiricamente”. Esquece-se que é missão do psicólogo, no momento de ingresso no sistema prisional, traçar a reengenharia do tempo de adaptação ao regime imposto na decisão judicial perante o estabelecimento próprio e acompanhar a sua evolução para a futura progressão do regime e no livramento condicional dar suporte a nova adaptação e integração social, analisando o grau de risco social (há sempre uma luz no final do túnel do tempo de cumprimento de pena que é alimentado pela esperança na liberdade). Não há que se falar em violação da intimidade da pessoa privada de liberdade, porque não está obrigada a se submeter à perícia criminológica, pois não está obrigada a fazer prova contra si mesmo. Defende-se a avaliação do risco para a antecipação de liberdade (progressão de regime, saídas temporárias, livramento condicional) para que se evitem os altos índices de reincidência. Aduza-se que o custo operacional da implantação das equipes multidisciplinares ou a substituição proposital do laudo pericial por “rudimentares papeletas” informam o caos gerencial do sistema penitenciário brasileiro. O Ministro Luís Roberto Barroso registra “o descumprimento do dever estatal de garantir condições dignas de encarceramento encontra-se diretamente relacionada a uma deficiência crônica de políticas públicas prisionais, que atingem boa parte da população carcerária e cuja superação é complexa e custosa” (STF, RE 580.252/MS, Pleno, rel. Min. Teori Zavaski, voto-vista do Min. Luís Roberto Barroso, j. 3.12.2014).
6. O Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante nº 26, possibilitando (faculdade) a avaliação pelo Juízo da Execução, inclusive mediante a realização do exame criminológico, do preenchimento dos requisitos objetivos e subjetivos para o deferimento da progressão do regime de cumprimento de pena imposta pela prática de crime hediondo ou equiparado.
7. É importante salientar que a avaliação criminológica obrigatória para a progressão de regime constitui condição fundamental para a moralização do regime semiaberto repondo a confiança necessária para o deferimento das saídas temporárias. O voto do Min. Napoleão Nunes Maia Filho, no Superior Tribunal de Justiça, transcrita parte da ementa com grifos introduzidos, resume nossa opinião sobre o tema: “Em que pese a nova redação dada pela Lei nº 10.792, de 1º de dezembro de 2003, ao art. 112 da LEP, ter eliminado a obrigatoriedade do exame criminológico para verificação do mérito do apenado no procedimento de progressão do regime carcerário, seu verdadeiro intuito não foi o de abolir referida perícia, que continua sendo para aferição do requisito subjetivo do apenado. O bom comportamento a que alude a novel legislação, pressupõe avaliação individualizada das condições pessoais do condenado, abrangendo, além da constatação de sua adaptação às regras do regime carcerário, atestada pelo diretor do presídio, o juízo acerca da conveniência de transferi-lo para regime menos gravoso, o que somente poderá ser efetivamente obtido por meio dos elementos fornecidos pelo exame criminológico. É procedimento que não constrange quem a ele se submete, pois se trata de avaliação não invasiva da pessoa, já que se efetiva por meio de entrevista com técnico ou especialista, não produzindo qualquer ofensa física ou moral, respeitando a sua opção de ser diferente. A perícia em questão constitui um instrumento necessário para a formação da convicção do magistrado, de maneira que deve sempre ser realizada como forma de se obter avaliação mais aprofundada acerca da provável capacidade do sentenciado de adaptação ao regime menos severo. Se assim não fosse, a competência para conceder o benefício ao encarcerado passaria a ser do diretor do estabelecimento prisional em que se encontrasse, e não mais do Juiz da execução, uma vez que, diante de um atestado favorável, somente restaria ao julgador homologá-lo, sem proceder a uma análise mais criteriosa a respeito da capacidade provável de adaptação do condenado ao regime menos severo” (STJ, HC 93.402/SP, 5ª T., rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 11.3.2008). É entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça e pela Súmula nº 439 que o juízo de primeiro grau e o Tribunal de origem podem determinar, excepcionalmente, a realização do exame criminológico, diante das peculiaridades da causa, desde que o façam em decisão concretamente fundamentada (STJ, HC 210.692/SP, 6ª T., rel. Min. Og Fernandes, j. 21.3.2013).
8. No Supremo Tribunal Federal, prevalece o entendimento no sentido de que a alteração do artigo 112 da LEP pela Lei 10.792, de 1º de dezembro de 2003, não proibiu a realização do exame criminológico, quando necessário para a avaliação do condenado, tampouco proibiu a sua utilização para a formação do convencimento do magistrado sobre o direito de promoção para regime mais brando (STF, HC 110.029/RS, 2ª T., rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 18.10.2011). A regra do art. 196, § 2º, da LEP, continua inalterada (“entendendo indispensável a realização de prova pericial ou oral, o juiz ordenará, decidindo após a produção daquela ou na audiência designada”). Assim fundamentado, pois a gravidade abstrata do delito não configura motivação fundamentadora, poderá o juiz da execução ou o tribunal determinar o exame criminológico, não ficando vinculado ao seu resultado. Não se fala em periculosidade (inimputáveis), mas em alto risco transgressor para a segurança e a paz pública. Reafirmou a Corte Suprema que é facultado ao juiz da execução determinar a realização do exame criminológico antes de examinar os requerimentos de progressão de regime prisional ou logo determinar a sua realização no caso de crimes graves com fundamentação padronizada e utilizá-lo como fundamento da progressão ou não de regime prisional. Gizou que a adoção de textos semelhantes em despachos relacionados a procedimentos idênticos não viola o princípio da individualização das penas, nem gera nulidade por falta de fundamentação, quando o conteúdo tratar de especificidades do caso concreto sob análise judicial. Cogitava-se de crime hediondo (STF, Rcl 27.616 no AgR/SP, 2ª T., rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 9.11.2018, Info 919).
9. Em síntese, o mérito do apenado deve ser avaliado também através do seu perfil compatível com o regime prisional que objetiva ser progredido e, para tanto, torna-se relevante, diante do caso concreto. O “bom comportamento carcerário” não substitui o exame criminológico, pois o apenado que detém liderança no coletivo carcerário sempre demonstra ser respeitoso e subserviente, diante dos inspetores penitenciários objetivando adquirir a confiança para alcançar futuro benefício. Manuel Pedro Pimentel, em Prisões Fechadas Prisões Abertas, dizia que “o bom preso não significa ser um homem regenerado”. O que se avalia é o quadro de situação individual de conflito de difícil adaptabilidade às exigências normativas postas e o risco em grau intolerável de retroalimentação da violência macrossocial pela opção de vida do apenado, vigindo o princípio do in dubio pro societate. Diante da natureza multidisciplinar, abarca o comportamento satisfatório durante a execução da pena imposta, o desempenho de tarefas atribuídas e cursos realizados e a compatibilidade com as regras do novo regime. Deve ser realizado, principalmente nos casos de cometimento de crime hediondo ou equiparado, com emprego de violência ou grave ameaça à pessoa, e reincidência. A única exigência para a sua realização é a determinação legal fundamentada na sua necessidade com patamar no princípio da razoabilidade.
10. A Súmula nº 716 do Supremo Tribunal Federal garante ao preso provisório a progressão de regime de cumprimento de pena ou a aplicação imediata do regime menos severo nela determinado antes do trânsito em julgado da sentença. Assim, pela orientação da Reforma de 1984, é defesa a realização do exame criminológico antes da prolação da sentença, o que exclui os presos provisórios.
11. O magistrado que possui consciência sensível aos valores de seu tempo e utiliza o arsenal fático como guia às regras de convivência de vida, não pode incidir no absurdo lógico.
12. A não realização do exame criminológico, realizado por uma equipe interdisciplinar, contribui para a situação caótica do sistema prisional, pois se vê que os apenados são selecionados previamente pela facção criminosa a que pertencem ou em razão dos lugares onde residem, dominados pelas organizações criminosas, tudo diante da complacência do poder público, que objetiva evitar conflitos e diminuir gastos com a contratação de profissionais da área de saúde (psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais). Reafirma-se a existência da tentativa de desjurisdicionalização da execução, substituindo o magistrado, com o poder de determinar, desde que fundamentada a decisão, a perícia criminológica, pelo atestado de bom comportamento carcerário emitido pelo diretor da unidade prisional.
13. Com a edição da Lei nº 13.167, de 6 de outubro de 2015, que estabelece critérios para a separação de presos nos estabelecimentos penais, dando nova redação ao art. 84 da Lei de Execução Penal, objetiva-se, no ingresso no sistema penitenciário fazer a separação entre presos provisórios e definitivos (primários ou reincidentes), utilizando tão só o critério da gravidade do delito praticado, se não vejamos: a) prática dos crimes hediondos e equiparados; b) prática de crimes cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa; c) prática de outros crimes ou contravenções. O preso que tiver sua integridade física, moral ou psicológica ameaçada pela convivência com os demais presos ficará segregado em local próprio.
14. A modificação busca fazer uma seleção de ingresso puramente objetiva, sem observar o perfil do apenado, considerando tão só o tipo penal violado. E, para tanto, os entes federativos terão que redimensionar as unidades penitenciárias. Tal seleção retroalimenta o poder das organizações criminosas, não isoladas, mas agrupadas, limitando o poder jurisdicional da execução. O Ministro Luís Roberto Barroso, ao chamar a atenção para a “Necessária Tomada de Consciência por Parte da Sociedade Brasileira Acerca da Questão Penitenciária”, enfatiza: “A sociedade brasileira tem vivido, ao longo dos últimos anos, a aflição do aumento progressivo da criminalidade, associada a uma sensação difusa de impunidade. Nada obstante, o país apresenta uma das maiores populações carcerárias do mundo, em curva ascendente. As más condições da maior parte dos presídios do país trazem consequências que saltam aos olhos, dentre as quais é possível destacar (i) a retroalimentação da criminalidade e da violência, por serem as prisões escolas do crime; e (ii) as estatísticas impressionantes da reincidência, pela incapacidade de o sistema promover a ressocialização dos presos” (STF, RE 580.252/MS, Pleno, rel. Min. Teori Zavaski, voto-vista do Min. Luís Roberto Barroso, j. 3.12.2014).
15. Neste desenho, não se pode perder de vista que o processo de execução, formado pelo título executório, é um conjunto de atos jurisdicionais necessários à execução das penas e das medidas de segurança impostas, como última etapa do processo penal, constituindo-se em uma atividade multifacetada e complexa. A execução da pena privativa de liberdade deve ter por objetivo efetivar as disposições da sentença ou da decisão criminal condenatória e proporcionar condições, observados os princípios da legalidade executória e da proporcionalidade criando condições para estimular e capacitar o apenado para que se adeque ao sistema normativo vigente, a fim de oportunizar a sua futura inserção e adaptação social, observada a dignidade da pessoa humana e sob o escopo da redução de danos, preservada a paz social e a segurança pública. Assim, diante do inferno do cárcere, sob um olhar realístico, a pena privativa de liberdade passa a ter por finalidade a proteção dos bens jurídicos e a contenção dos conflitos sociais, colocando-se um ponto final ao mito da ressocialização.
16. Para concluir, com a edição da Lei nº 14.843, de 11 de abril de 2024, a obrigatoriedade da realização do exame criminológico retorna ao ordenamento jurídico para a progressão do regime fechado para o semiaberto. Assim, para a progressão de regime, o apenado, em todos os casos, somente terá direito à progressão de regime prisional, se ostentar boa conduta carcerária, comprovada pelo diretor do estabelecimento penal, pelos resultados do exame criminológico e por seus antecedentes penais – fundada em indícios de que irá ajustar-se com a autodisciplina, a baixa periculosidade, ao novo regime carcerário. Evita-se a regressão de regime. No regime aberto, o magistrado poderá estabelecer condições especiais para a concessão do regime, entre as quais a fiscalização por monitoramento eletrônico, em prejuízo das punições legais e obrigatórias. Sabe-se da grande resistência dos governadores dos entes federativos na contratação de psicólogos e psiquiatras para o sistema penitenciário e a resistência da classe dos psicólogos. Não se pode admitir transformar a perícia do perfil do condenado em uma mera “papeleta” informativa. O Conselho Nacional de Justiça deverá fiscalizar o descumprimento. Só assim poderá ser exercida a sua atuação do sistema carcerário para a fiel finalidade da execução da pena.
17. Pode-se fazer remontar o juiz de garantias a figura do juiz de instrução, tão comum na Europa, em países como França, Espanha e Portugal. O juiz de instrução investiga, mas não julga, remetendo as provas obtidas para outros juízes que, de fato, decidirão o caso. Esse sistema garantiria maior imparcialidade no julgamento final e tem sido referendado pela Corte Europeia de Direitos Humanos. O juiz de garantias não fará investigação, que continuará a cargo da polícia e do Ministério Público, mas será responsável por deferir medidas pré-processuais, como a prisão preventiva e a quebra do sigilo telefônico ou bancário dos investigados. O modelo assemelha-se ao GPI italiano e ao JLD francês. O exame criminológico de ingresso deverá ser observado pelo juiz de garantias, ao passo que ao juiz da sentença poderá realizar o exame criminológico para a aplicação do regime prisional na sentença.
[1] Doutorado (UEG). Professor Emérito da EMERJ. Desembargador (aposentado) do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
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