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Releitura temática das penas e sua razão existencial, diante do Estado contemporâneo



A temática é complexa e finca raízes estruturais e históricas nos fins e funções da pena. Na evolução dos povos civilizados surge o garantismo para assegurar o cumprimento da Carta Política e das leis. Destaca-se o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade na reação e caráter pedagógico da função estatal. O Estado não tem por escopo a vingança, mas garantir a tutela dos bens jurídicos, da segurança pública e da paz social

1. Desde os inícios teóricos, nos fins do século XVIII, uma das questões mais relevantes foi a da pena, problema ligado ao caráter público do Direito Penal. Por tal razão, se unem as teorias da pena à concepção de Estado, pois não tem o mesmo significado a concepção da pena sob um Estado absoluto ou diante de um Estado democrático e as diversas formas evolutivas que teve em um Estado de Direito. Roxin defende uma teoria unitária ou unificadora dialética para a superação das críticas às teorias absolutas ou relativas, fazendo distinguir cada uma das três fases essenciais (criminalização, aplicação e execução), observando que o Estado tem o dever de garantir a vida em comum de todos os cidadãos, destacando-se a natureza subsidiária do Direito Penal. É pacífico que, do ponto de vista jurídico, o Direito Penal constitui um sistema pelo qual se regula o delito, como pressuposto, e a pena, como consequência, sendo a questão central, que se inicia e se esgota no fundamento e no fim da pena. As denominadas teorias da pena são pontos de vista que buscam explicar, legitimando ou justificando, a sua existência. Foucault, em Vigiar e Punir, enfoca os protestos ao sistema pré-moderno rebelando-se contra os suplícios generalizados na metade do século XIII, sustentando que as penas sejam moderadas e proporcionais e que os castigos sejam abolidos, pois revoltam a humanidade. Ressalta que o castigo é sempre uma questão de poder, não só poder social, religioso ou econômico, mas também poder político. Figueiredo Dias/Costa Andrade, em Criminologia, ressaltam que o conceito de dignidade penal implica em um princípio de imanência social e um princípio de consenso. O primeiro significa que não se deve assegurar através de sanções penais a prossecução de finalidades socialmente transcendentes, designadamente moralistas ou ideológicas. O segundo postula a redução do Direito Penal, dos valores ou interesses que contam com o apoio generalizado da comunidade.


2. A pena era definida por Ulpiano como noxal vindicta, sem que se deva ver na palavra vindicta um conceito vulgar de vingança individual. Sua fórmula traduz em um indicador de convivência social contra o delito, com fato de vim dicere noxal, razão pela qual considera a pena como atividade jurídica da sociedade humana que se contrapõe ao fato ilícito do indivíduo. Nos tempos modernos, Hugo Grocio, em De iure belli ac pacis (1625), sustentava que poena est malum passionis quod infligitur ob malum actionis; questiona-se se o publicista holandês teria visto ou não o caráter da pena como retribuição do mal pelo mal. Ao fazer um paralelo entre Ulpiano e Grocio, observa-se que o primeiro relacionava-a com o delito sem indicar o seu conteúdo, ao passo que o segundo dá a noção de conteúdo (malum passionis). Não seria o sofrimento de um mal, senão o mal de um sofrimento que tem como razão de ser o fato delitivo. Grocio não menciona o fim da pena, a locução malum actionis designa a razão nos casos singulares (o delinquir representa um ato rebelde ao império do Direito), sem fixar o fim certo do malum passionis. É com Beccaria que se passa a investigar com amplitude o aspecto teleológico (fim da pena). Direciona-se, então, que deve negar a negação do Direito contida no delito (quod factum est infectum fieri nequit). Era vista como produtora de um sofrimento, devendo constituir-se em um pati quiddam, para que a justiça fosse satisfeita.


3. Há basicamente três doutrinas que procuram explicar a razão existencial das penas: a) as teorias absolutas (retribuição penal e jurídica); b) as relativas (prevenção geral, positiva e negativa; prevenção especial, positiva e negativa); c) de união ou ecléticas (aditiva e dialética). Tais denominadores, trazidos pela classificação de Becker, não obstante o tempo, completados por conceitos de Bentham, de prevenção geral e especial e com a distinção atual elaborada por modernos penalistas, de prevenção geral negativa e prevenção geral positiva, são grupos de teorias numerosas e convivem em certos pontos fundamentais e se separam de forma profunda em outros. Nas teorias absolutas, globalizam-se as ideias liberais, individualistas e idealistas, impregnadas de uma forte ordem ética que chega quase ao divino. Seneca sustenta que a pena não é um meio extrínseco, alheio à sua própria noção, mas mera resposta ao delito, transpassando os limites da intimidade caracterizada: punitur, quia precatum est (punido porque pecou). É a retribuição do delito no sentido religioso (expiação) ou jurídico (compensação) da culpabilidade, necessária para realizar a justiça ou restabelecer o Direito. As teorias absolutas (retribuição, expiação ou compensação da culpa) defendem que a pena é unicamente castigo ao violador da norma pelo delito cometido e não persegue outra função (preventiva ou social) posterior. Na doutrina, é tradicional explicar as teorias da justiça (com a expiação moral se libera o culpável de sua culpa alcançando sua dignidade pessoal) e da expiação (restabelecendo a ordem e alcançando a justiça) equiparando-as às absolutas ou retributivas. Portanto, o retributivismo gira em torno da ideia de que o malvado seja castigado, sendo justo, porque o homem é responsável por seu ato e deve receber o que merece (teorias da vingança e da expiação). Hebert Packer, em I limiti sanzioni penale, sustenta que a vingança, como justificação da pena, está ligada ao cotidiano da vida e se concreta na lei de Talião; já como expiação do pecado, realiza-se pelo sofrimento, um dos temas do pensamento religioso. Daí, historicamente, a retribuição é plurifacetada: divina, moral e jurídica.


4. Há basicamente três doutrinas que procuram explicar a razão existencial das penas: (a) as teorias absolutas (retribuição penal e jurídica), (b) as relativas (prevenção geral, positiva e negativa; prevenção especial, positiva e negativa) e (c) de união ou ecléticas (aditiva e dialética). Tais denominadores, trazidos pela classificação de Anton Becker (1772-1843), não obstante o tempo, completados por conceitos de Bentham (1748-1832), de prevenção geral e especial e com a distinção atual elaborada por modernos penalistas, de prevenção geral negativa e prevenção geral positiva, são grupos de teorias numerosas e convivem em certos pontos fundamentais e se separam de forma profunda em outros. Nas (a) teorias absolutas, globalizam-se as idéias liberais, individualistas e idealistas, impregnadas de uma forte ordem ética que chega quase ao divino. Sustenta que a pena não é um meio extrínseco, alheio à sua própria noção, mas mera resposta ao injusto penal, transpassando os limites da intimidade caracterizada: punitur, quia precatum est (punido porque pecou). É a retribuição do injusto no sentido religioso (expiação) ou jurídico (compensação) da culpabilidade, necessária para realizar a justiça ou restabelecer o Direito (mal justo contra o injusto). As teorias absolutas (retribuição, expiação ou justiça) defendem que a pena é unicamente castigo ao delinqüente pelo injusto penal cometido e não persegue outra função (preventiva ou social) posterior. Na doutrina, é tradicional explicar as teorias da justiça (com a expiação moral se libera o culpável de sua culpa alcançando sua dignidade pessoal) e da expiação (restabelecendo a ordem e alcançando a justiça) equiparando-as às absolutas ou retributivas.


5. As teorias absolutas ou de retribuição foram estudadas inicialmente pelos filósofos Kant e Hegel e, modernamente, por Binding (1841-1920). Kant (1724-1804) em sua Metaphysik der Sitten parte da distinção entre pena judicial (poena forensii) e pena natural (poena naturalis) e diz que se exige um digno castigo, pois a lei penal é um imperativo categórico, e só impondo-se a pena em sua concreta medida a justiça poderá ser alcançada. Seu pensamento, resume-se: a) a pena deverá ser efetivamente imposta; b) a pena deverá ser justa ao injusto penal cometido. As teorias absolutas ou de retribuição foram estudadas inicialmente pelos filósofos Kant e Hegel e, modernamente, por Binding. Kant, filósofo do iluminismo, previu as consequências da globalização, e em sua Metaphysik der Sitten parte da distinção entre pena judicial (poena forensii) e pena natural (poena naturalis) e diz que se exige um digno castigo, pois a lei penal é um imperativo categórico, e só impondo-se em sua concreta medida a justiça poderá ser alcançada. Entre os precursores das teses absolutistas e retribucionistas, ao lado de Kant, alinha-se Hegel com seus Princípios da Filosofia do Direito, sem olvidar a vetusta ética cristã. De um lado, com Kant, encontra-se que a fundamentação temática é de ordem ética, ao passo que com Hegel é de ordem jurídica: a pena é a negação do Direito, cumprindo um papel restaurador ou retributivo. Para Kant, o autor do delito deve ser punido por tê-lo praticado, não questionando a utilidade da pena, negando a função prescritiva. A postura de Hegel é inversa, pois para ele a pena se justifica pela necessidade do restabelecimento da vontade geral, estratificada no ordenamento jurídico (o delito é a negação do Direito e a pena é a negação da negação, isto é, a reafirmação do Direito). A maior contribuição dada por Kant para o estudo do problema da pena consistiu na aplicação da segunda formulação do imperativo categórico, do princípio da dignidade do homem com fim em si mesmo, que está ligado à questão da legitimidade do direito de punir. Aduza-se a retribuição moral de Kant, expressa em seus Princípios Metafísicos do Direito, e a postura de Hegel, em sua Filosofia do Direito, que a retribuição jurídicarepresenta a direção dialética da retribuição”. A Alemanha seguiu Hegel com maior ou menor fidelidade. Pessina, hegeliano puro, em Manuale del diritto penale italiano (1895), sustentava que o delito era a negação do Direito e que o fim da pena seria anular o delito.


6. Contemporaneamente, é impossível a sustentação de posições puramente absolutas, que considerem a pena exclusivamente como fim em si mesma. Aliás, já se encontravam contradições no próprio Kant ao introduzir de forma sub-reptícia elementos empíricos e utilitaristas em sua teoria penal. Bockelmann, em seu Strafrecht, Allgemeiner Teil, aponta que os partidários das teorias absolutas ensinam que poena absoluta es ab effectu, ao passo que os das teorias relativas, que poena relata est ad effectum, punitur ne peccetur. A união entre a noção peccatum est com a ideia de ne peccetur é incontornável. Roxin, em seu artigo “Sentido e Limites da Pena Estatal”, ao abordar a chamada teoria da retribuição, diz que seu patamar é a culpabilidade do autor compensada através da imposição de um mal pessoal, buscando tão só a realização da justiça. Conclui com três argumentos contrários: a) deixa na obscuridade os pressupostos da punibilidade, porque não estão comprovados os seus fundamentos e como profissão de fé é irracional e contestável, não sendo vinculante; b) fracassa perante a tarefa de estabelecer um limite, quanto ao conteúdo, ao poder punitivo do Estado; c) revela não só uma debilidade teórica, mas também um perigo prático. Aduz que os fins da pena só têm relevância para a vida societária, anotando que as teorias absolutas pecam pela ausência de cientificidade, arrematando que deixam na obscuridade os pressupostos da punibilidade, uma vez que os seus fundamentos não estão comprovados. A pena punia a violação da norma como garante de segurança da liberdade da comunidade social. Aníbal Bruno, em Direito Penal. Parte Geral, dizia que os fins da pena é a defesa social (por meio da prevenção geral, atuando sobre a coletividade, ou da prevenção especial, diretamente sobre o indivíduo) pela proteção de bens jurídicos considerados à manutenção da convivência social. Hassemer, em Fundamentos del Derecho Penal, observa que, nos tempos contemporâneos, não se pode advogar pura teoria retributiva, o que levaria a renunciar a uma justificação da pena do ponto de vista de seus efeitos práticos (diante do infrator e da sociedade), teorizando que a justificação pelas consequências desejadas é uma parte de nossa racionalidade. Para Silva Sánches, em Normas y Acciones en Derecho Penal, no caso de retribuição, as razões de sua superação como fundamento básico da intervenção jurídico-penal sobre pessoas e bens dos cidadãos são claramente culturais (ou ideológicas).


7. O Estado Social e Democrático de Direito garante o bem dos cidadãos, respeitando a dignidade do condenado como pessoa humana, pois o Direito Penal não possui o escopo de realizar vingança; tutelando os bens jurídicos, objetiva-se integrar o condenado dentro de mútuas possibilidades de razoabilidade de intervenção estatal. O moderno pensamento jurídico-penal de orientação preventista abandonou a ideia de retribuição. As teorias retributivas confundem o meio com o fim, pois a retribuição não é o fim da pena. No século XIX, a atitude de Feuerbach se constitui em uma exceção, ao defender uma teoria pragmática de presunção geral, identificando a concepção final de pena, segundo sua teoria da coação psicológica, com a denominada “pena justa” kantiana, aproveitando, pois, o critério de Kant porque se adequava à pena-fim de sua proposta. Em seu Lehrbuch, sustenta que “o fim da aplicação é fundamentar a eficácia da ameaça legal, na medida em que sem ela tal ameaça seria ineficaz”. Para ele, o fim último da aplicação da pena é a “mera intimidação dos cidadãos através da lei”. Seguindo a crítica de Naucke, se o injusto é a lesão do Direito como instituição final, a reação diante do delito não deve ser a retribuição no sentido kantiano, mas uma atividade final que evite futuras lesões do Direito. A união da teoria absoluta de Kant com as teorias utilitaristas dominantes à época serviu para que o conceito de pena-fim se destinasse à tutela da paz entre os cidadãos.


8. As teorias positivas da pena se dividem em absolutas e relativas, sendo que estas se dividem em de prevenção geral e prevenção especial; as de prevenção geral, por sua vez, se subdividem em positivas (mantêm a fidelidade ao direito) e negativas (atemorizam a população vulnerável); as de prevenção especial também se subdividem em positivas (socialização) e negativas (inoculação, eliminação). Entre as teorias absolutas encontram-se: a) as teorias da retribuição divina (Stahl); b) as teorias da retribuição ética (Herbart); c) as teorias da retribuição jurídica (Kant, Hegel, Köstlin); e d) as teorias da expiação (Köhler). Já as teorias relativas, que consideram a pena como um meio para fins sociais (ne peccetur), classificam-se em teorias de prevenção, que se subdividem em teorias de prevenção geral, onde se situam: a) teoria da intimidação para a execução da pena (Filangieri); b) teoria da coação psíquica (Feuerbach); c) teoria da advertência (Bauer). Nas teorias de prevenção especial, estão: a) a teoria da prevenção (Grolmann); b) a teoria de correção (Ahrens); c) a teoria da legítima defesa do Estado (Romagnosi); d) as teorias de compensação substitutiva (Welcker); e, finalmente, e) as teorias contratuais (Rousseau e Beccaria). O “retorno” a Von Liszt, ressuscitando a ideia da ressocialização e reeducação do apenado, bem como a intimidação daqueles que não necessitam ser intimidados e a neutralização dos incorrigíveis, situa-se no tripé: a) intimidação; b) correção; c)i noculação. Salienta-se que outras teses retribucionistas foram lançadas, como de Carrara, em seu Programma, ao assinalar que “o fim-princípio da pena é o restabelecimento da ordem externa da sociedade”, enquanto Mezger, no Strafrecht, sustentava que a pena se constitui na “irrogação de um mal que se adapta à gravidade do fato cometido contra a ordem jurídica”.


9. Mais recentemente, têm-se as posições retribucionistas dos finalistas como Welzel e Maurach. Para Stahl (teoria da retribuição divina), o mais destacado representante das teorias absolutas, a justiça constitui a ideia do mundo moral e, como tal, “é a inviolável conservação de uma ordem ética dada”; desta forma, a sociedade disporia do poder de reparação e do castigo para anular o rebelde no sistema dominante ou fazê-lo sofrer e restaurar a ordem ética. Ora, a imoralidade e o pecado não integram o ilícito da ação censurada e a pena não é uma dor moral nem uma condenação eterna, mas sim a perda da liberdade com as suas múltiplas consequências. Como a meta não é a vingança, não se aplica a pena ao autor reprovável com o objetivo do sofrimento (necessidade religiosa), tão só se pune o seu atuar desvalorado. A ideia de retribuição estética remonta a Leibniz e veio a ser desenvolvida por Herbart e depois continuada por Geyer. A pena convertia-se em uma necessidade estética. Finaliza dizendo que o infrator é obrigado a suportar a pena em atenção à sociedade e quem não desejar aceitar a justificativa da pena, de que todos têm que responder por seus atos na medida de sua culpa, coassumir responsabilidades por seu destino (princípio da igualdade), terá que negar a existência de valores públicos e, com eles, o sentido e missão do Estado. No que tange às teorias relativas, diferem das absolutas, em razão do objetivo-fim preventivo, objetivando a necessidade de compor a tranquilidade e o equilíbrio da vida social. Advogam a imposição da pena ut ne peccatur, imaginando que o autor do fato típico não volte a repeti-lo. Com Feuerbach, tem-se a coação psicológica, isto é, a ameaça da pena faria com que o indivíduo ficasse inibido a cometer delitos. Assim, as teorias relativas são punitivas: punitur ne preccetur. Cumpre, pois, uma função de caráter punitivo e de alcance individual ou especial. Tais ideias tiveram seu período próspero no Iluminismo, na transição entre o Estado absoluto e o liberal. Caracteriza-se pelas vertentes da intimidação ou da utilização do medo.


10. Cria-se o temor da perda da liberdade e de todos os direitos relativos à cidadania, o que é incompatível com o Estado Democrático de Direito. Porém, não se pode dizer que a pena não tenha seu efeito intimidativo para a maioria de seus destinatários (a classe social que por excepcionalidade viola a norma posta), pois o que se combate é a generalização de penas rigorosas para a garantia do efeito intimidatório, o que cria um contraefeito. Zaffaroni, no Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal, escreve que “Se o sistema penal é um mero fato do poder, a pena não pode pretender nenhuma razoabilidade, ou seja, não pode ser explicada, a não ser como manifestação do poder” e, conclui que “A falta de razoabilidade da pena deriva de não ser um instrumento idôneo para a solução de conflitos”. A pena, como instrumento estatal de contenção, estimula o atuar nos limites normativos. Todavia, o controle dos índices de conflito não se realiza pelo aumento do rigor das penas, mas pelo estímulo dos valores que devem presidir o comportamento do cidadão perante seu grupamento social. Observa-se a busca de um modelo pedagógico-corretivo, pelas exigências ético-político-criminais, a objetivar a proteção dos bens jurídicos e a paz e tranquilidade social.


11. A pena deveria constituir-se em um instrumento de defesa da sociedade, sob uma visão pragmática e humanizadora. Muñoz Conde ataca a questão da ressocialização do infrator, priorizando o questionamento da estrutura social, pois, diante do quadro da atualidade, consistiria na grande farsa montada por nossa hipocrisia, isto é, “reeducar” e “ressocializar” (discurso oficial) o condenado para o reingresso (nunca foi socialmente inserido) na sociedade; com o sistema prisional da maioria de nossos países, constitui uma flagrante contradição. O criminólogo americano, Robert Martinson, em “What Works”, critica o “tratamento ressocializador” quando resume com a frase “Nothing works”. Na visão de Jakobs, no Tratado de Direito Penal, a pena garantidora das expectativas sociais teria como finalidade o restabelecimento da ordem externa da sociedade, objetivando a confirmação da vigência da norma. Baratta, na Criminologia crítica e crítica do direito penal, escreve que a pena persegue a confiança e a consolidação da fidelidade jurídica. Em síntese, o núcleo da polêmica, resume-se em três vetores: a) em uma interpretação ampla, a ressocialização é um processo em que se fomenta a responsabilidade social do apenado; b) em uma tese consequente com as ciências do comportamento, há o perigo da elitização do Direito Penal; c) em uma interpretação estrita, buscando a responsabilidade legal do apenado, opta-se por uma atitude pacífica para com o Direito Penal, mas inoperante, diante de uma perspectiva das ciências sociais.


12. Uma concepção liberal do sistema penal não satisfaz as exigências de um Estado Social de Direito. Mir Puig, na Introducción a las bases del Derecho Penal, escreve que, com a execução da pena, cumpre-se uma “função social de criação de possibilidades de participação nos sistemas sociais, ofertando-se alternativas ao comportamento humano”. As teorias unitárias consistem genericamente na luta contra a criminalidade, expressadas por noções de prevenção geral e especial. A pena deve proteger a sociedade, e sua aplicação deve contribuir para evitar novas infrações realizadas por outras pessoas (princípio da exemplaridade). É o sentido básico da prevenção geral. Controle mínimo, mas autoritário. Como escreve Michel Foucault, os iluministas que descobriram as liberdades também inventaram a disciplina. Roxin salienta que o ponto débil da doutrina da prevenção geral é o compartilhamento com as teorias da retribuição e da correção, sem aclarar o âmbito do punível. Bustos Ramírez, em Introducción al derecho penal, defende que a teoria da prevenção geral ou cai na utilização do terror e na transformação dos indivíduos em animais, ou na suposição de uma racionalidade absoluta do homem no balanceamento entre o bem e o mal, na sua capacidade de motivação, na qual é uma ficção como é o livre-arbítrio. Já a prevenção especial consiste em que a pena aplicada deve evitar a comissão de novos delitos por parte do condenado. A prevenção especial possui como ponto referencial o fato de o autor do delito ser portador de um desvio comportamental social, impondo correção, que incumbe à pena diante das plúrimas características. Registre-se que as chamadas teorias unificadoras acolhem o princípio da retribuição e da culpabilidade como estratégias limitadoras no sentido jurídico, buscando nos limites do delito os fins de prevenção geral e especial.


13. As teorias mistas ou ecléticas são marcadas pelo endereço retributivo, sendo concomitantemente um meio de educação e correção. Compreendem ambos os critérios, defendendo que a pena deve observar o passado e o futuro, retribuindo o delito perpetrado e prevendo em seu próprio tempo a realização de outras ilicitudes. Nos segmentos modernos busca-se a melhora do condenado, que constitui o objetivo mais elevado de política criminal. Para os seus defensores a pena deve ter uma função educativa, a fim de transformar o infrator em um novo homem, respeitador da ordem social e da lei. Embora a harmônica reintegração social esteja escrita em vários diplomas legais, normativos e constitucionais, certa a crítica de que “é inimaginável que a prisão possa produzir cidadãos domesticados pela disciplina punitiva para conviverem nos padrões ditados pela sociedade dominante” depois de estigmatizados e desqualificados para o labor produtivo. René Ariel Dotti coloca que os fins da reintegração social devem ser entendidos como a “criação de possibilidades de participação nos sistemas sociais”, repudia a ideologia do tratamento, apanágio da execução do modelo autoritário. O discurso oficial legitimador das funções objetivas da pena não resiste à avaliação crítica.


14. As teorias unificadoras ou mistas, que se denominam de ecléticas, buscam a conciliação pela via unitária, isto é, o injusto é o fundamento da pena pela qual se persegue um fim que está fora de sua própria órbita. Com o fracasso das teorias retributivas surgem as teorias mistas. Seu maior mérito estava na conciliação das exigências retributivas e preventivas, dominantes ainda no debate atual do início do século XXI unindo o fundamento e o fim da pena, deixando de lado a prevenção especial com a (re)socialização. As teorias de união (Spielraumtheorie e Rahmentheorie) procuram equacionar os princípios da culpabilidade e da prevenção, perdendo espaço a intimidação e a inoculação, propostas por Von Liszt, dando lugar a Schmidhäuser (teoria da diferenciação) e a Roxin (teoria dialética da união). As teorias mistas ou de união podem ser anotadas: a) a teoria neo-retributiva-preventiva; b) a teoria diferenciadora; c) a teoria dialética da união; d) a teoria modificadora da união. A teoria mista retributiva-preventiva defende que a pena busca ao mesmo tempo punir o infrator e prevenir novos delitos. As teorias ecléticas são o produto da longa controvérsia científica que objetiva unificar os fins na busca de uma solução pacificadora de equilíbrio. Critica-se na direção de que ao procurar agradar a todos não consegue agradar a ninguém. Notam-se as múltiplas vertentes dentro do ecletismo das teorias (teorias ecléticas próximas do retribucionismo e teorias ecléticas próximas a propósitos preventistas). A teoria diferenciadora (Entwicklung einer differenzierenden Straftheorie) é advogada por Schmidhäuser, que sustenta que o comportamento desviante pertence também à sociedade e, por isso, um fim só pode ser alcançado para conter a comissão de delitos dentro dos limites que permitam uma próspera convivência social. A teoria unificadora dialética é desenvolvida por Roxin, sustentando que são fins da pena, simultaneamente, a prevenção geral e a especial, excluindo a retribuição. Para ele, a teoria unificadora dialética busca evitar exageros unilaterais e dirigi-la para vias construtivas, conseguindo o equilíbrio de todos os princípios, mediante restrições recíprocas. Diz que pode denominar-se dialética quando acentua o caráter antitético dos diversos pontos de vista reunidos em uma síntese. Uma teoria da pena deve ter por objetivo corresponder à realidade. Em Direito Penal só poderá fortalecer a consciência jurídica da generalidade no sentido da prevenção geral, se preservar a individualidade de quem está sujeito. A pena serve aos fins da prevenção geral e da prevenção especial, limitada na medida da culpabilidade.


15. A reeducação e a reinserção se movem em dois planos diferentes: a) a primeira, aspira que o apenado não interrompa o processo de desenvolvimento da personalidade, garantido os direitos fundamentais explicitados na Carta Política; b) a segunda, atenua a nocividade da pena privativa de liberdade no âmbito da esfera das relações materiais no binômio indivíduo-sociedade. O fim da execução penal é lograr a reincorporação do apenado na comunidade jurídica. As tentativas conciliatórias em torno da função da pena (retributiva, preventiva, ressocializadora e reintegradora) traduzem a incoerência teórica e a realidade prática do discurso político e arbitrário. A doutrina se dedica a procurar encontrar alternativas para a teoria dos fins da pena. Encontram-se na teoria da prevenção geral positiva duas vertentes: a) a fundamentadora; b) a limitadora. No que tange à teoria da prevenção geral positiva fundamentadora, não se pode olvidar o papel de Welzel ao afirmar que o Direito Penal, marcado pela natureza eticossocial, cumpre neste campo papel mais relevante do que o da tutela dos bens jurídicos. Aponta, na Teoria de la Acción Finalista, que a mera defesa dos bens jurídicos de caráter policial e negativo é insuficiente para justificar a missão do Direito Penal. Atuaria com a função de garantir a orientação das normas jurídicas, as quais procuram estabilizar as experiências sociais; enfim, uma orientação ao atuar do cidadão no campo do que deve observar em suas interrelações sociais. Na formulação da tese da prevenção geral positiva fundamentadora, Jakobs utiliza a teoria do sistema social de Nicklas Luhman e do pensamento de Talcott Parson da “domesticação do cidadão”. O modelo preventivo geral de Jakobs descarta uma prevenção a qualquer custo. Busca conciliar a proteção das potenciais vítimas com garantias para todos – potenciais autores –, configurando um modelo de Direito Penal do cidadão. Já no que tange à prevenção geral positiva limitadora, seus defensores expressam-se pelo limitar o poder punitivo do Estado. Para tal vertente, o Direito Penal atuaria como uma forma de controle social, caracterizado pela sua formalização. A pena deveria manter-se nos limites do Direito Penal do fato e da proporcionalidade e tão só ser composta através de um procedimento presidido pelas garantias constitucionais.


16. Para Roxin, na aplicação da pena está inscrita a ideia de prevenção geral (positiva ou negativa) e especial, pois intimidará o apenado diante da possibilidade de reincidir e manterá a sociedade mais segura durante o cumprimento da pena. Hassemer vê que a prevenção geral positiva seria a reação estatal diante dos fatos puníveis, protegendo, ao mesmo tempo, a consciência social da norma. Abandona uma prevenção geral intimidadora (prevenção geral negativa) e se inclina por uma prevenção geral ampla (prevenção geral positiva ou integradora) que só venha a perseguir a estabilidade da consciência do Direito, buscando converter o Direito Penal no último dos controles sociais. Recorde-se que a prevenção negativa ou “medo da pena” não tem reflexos positivos sequer perante o extrato de atores do white collor crime. Construída por Feuerbach, defendia o aviso do legislador a coletividade da imposição da pena pela violação da norma, imaginando uma sociedade robotizada. A prevenção geral positiva limitadora ou integradora geraria um efeito de pacificação, diante da aplicação e execução da pena, tranquilizando a sociedade pela realização do direito com o término do conflito. Jakobs defende que a pena tem como única missão confirmar contrafactamente a vigência da norma violada pelo delito, fortalecendo “a fidelidade e a confiança dos cidadãos no Direito” (prevenção geral positiva fundamentadora), enfim, “garantir a identidade da sociedade”. Tal vetor doutrinário advoga que a ameaça da aplicação da pena atua com eficácia para reforçar e consolidar o sentimento de confiança estatal. Assim, o destinatário seria a coletividade e não o infrator normativo. O critério de proporcionalidade entre o delito e a pena, embora historicamente sempre tenha sido a justiça, passa a aproximar a retribuição da prevenção especial e geral. O fim da prevenção especial perdeu o seu conteúdo puramente naturalístico. As propostas buscam uma estabilização social da norma e a confiança na mesma. Tal postura não adota propostas retribucionistas, na reafirmação das regras de convivência, sem perder sua função limitadora ou integradora, que se desenvolve com a prevenção especial e com a culpabilidade como limite da pena. A intimidação ainda está presente dentre as estratégias universais, bem como o exercício da exemplaridade. Entende-se que o Direito Penal contemporâneo deverá abandonar a estratégia pura da intimidação, por ser injusta e inumana a medição das penas que devem sofrer uns para temor de outros. A pena deve ser sempre aplicada na medida da culpabilidade, evitando os exageros (proporcionalidade) e objetivando vias sociais construtivas, buscando o equilíbrio de todos os princípios por meio de restrições recíprocas. Repete-se na nova modelagem da teoria da prevenção por intimidação a velha formulação feita por Feuerbach no início do século.


17. O Direito Penal ofereceria, então, contribuição para o aperfeiçoamento da sociedade através do fornecimento da resposta penal para os violadores do direito, previamente anunciada, a fim de impor o desencorajamento. A pessoa humana é colocada em todos os momentos em situações potencialmente ambíguas, indefinidas e conflitantes em sua identidade integral, tornando-se sensíveis aos apelos positivos ou negativos. Na releitura temática, permeia o intercâmbio entre pessoas colocadas em posições estruturalmente diferentes, ou seja, diferentes por força de posições culturais, políticas, familiares, ou econômicas, produto de processos culturais distorcidos no intercâmbio institucional. Hassemer, ao analisar de forma crítica, diz que a intimidação como forma de prevenção viola a dignidade humana, pois converte uma pessoa em instrumento de intimidação do grupo, cujos efeitos são duvidosos, pelas categorias imprecisas, como o inequívoco conhecimento por parte de todos das penas cominadas e das condenações e a obediência dos cidadãos vassalos à ordem e à lei em decorrência da cominação de penas. Conclui que, para a relativa eficácia da prevenção geral, seriam necessárias que as citadas condições estivessem presentes e interdependentes. Seria uma posição ilusória, pois a teoria da prevenção por intimidação não ultrapassou a etapa do chamado direito penal das consequências. A pena, se possuir o fim de prevenção geral, será intimidativa, pois deve possuir eficácia de afastar todos da futura ação delitiva. É inadequada por sua generalidade, mesmo que o Estado tenha especial interesse na intervenção dos processos sociais como única maneira de remediar o conflito, pois o que se cuida é de diferenciar os processos e controlá-los em sua especificidade.


18. O princípio da intimidação é humilhante para a sociedade. Em um Estado democrático, as normas não podem ser respeitadas pelos cidadãos pelo terror. O caráter intimidativo está na certezada aplicação e execução da pena. Não se deseja a volta a Feuerbach, nem a postura defendida por Jescheck, como preconizado na atual Reforma de 2012, que, em Lehrbuch des Strafrechts, Allgemeiner Teil, defendia que “ainda quando não existe no autor nenhum risco para a segurança, o Estado deve responder à criminalidade violenta com elevadas penas de privação de liberdade para colocar em manifesto, com isso, que compreende a necessidade de justiça que possui a coletividade e que está disposto e em situação de proteger a ordem jurídica”. A prevenção especial assumiu particular relevo delegado pelo positivismo. Possui como alvo o violador da norma e não a massa social, com uma visão antropológica, na impossibilidade de inocular, busca corrigir, emendar ou reabilitar. O fim da pena estaria ligado à prevenção futura de forma a servir de exemplo aos demais, nos limites do possível, procurando a inserção ao meio social e colocando o apenado em condições de não reincidir. Não se pode esquecer que há condenados que não necessitam ser educados, bem como há os incorrigíveis. Deve-se fazer a distinção entre a prevenção geral negativa e a prevenção geral positiva: a primeira, tradicional, que obra de forma indiscriminada sobre a sociedade como um freio inibitório à realização de delitos; e, a segunda, em que a pena exerce na sociedade seu poder, não inibidor de tendências e impulsos delitivos, mas sim de reforçamento, dando confiança e adesão social, no plano normativo, devendo os participantes conduzir-se com patamar em uma situação institucionalizada de segurança coletiva e confiança mútua. Acorda-se a consciência do indivíduo do desvalor do atuar violador da norma e se reafirma a presunção da manutenção dos bens jurídicos. Todavia, aflora a indagação de se a prisão pode melhorar alguém, cuja resposta é sabidamente negativa, por suas características e efeitos deletérios. O que sustenta a prevenção especial positiva é a legitimação de uma função positiva de melhoramento do encarcerado. O mais significativo representante da teoria da prevenção especial foi Von Liszt com seu Programa de Marburgo (1882), sustentando que a pena deveria desempenhar três aspectos essenciais (o quarto seria a prevenção especial) que corresponderiam aos tipos de delinquentes a que a pena se dirige: a) prevenção positiva especial, objetivando a correição do infrator (Besserüng der besserungsfähigen und besserungsbe düftifgen Verbrecher); b) prevenção negativa especial, intimidação para aquele que não necessita de correição (Abschreckung der nicht besserungsbe düftigen Verbrecher); c) prevenção neutralizadora especial, para inocular o delinquente (Unschädlichmachung der nicht besserungsbefähigen Verbucher).


19. Nos anos 60 e 70 do século passado, a prevenção especial perdeu significado, como se observa na França e na denominada escola da nova defesa social, de Marc Ancel. A ressocialização do autor do delito foi bem recebida pelo Código Penal alemão de 1966 (ideologia do tratamento), que dominou a doutrina até os anos 1970, quando então foi constatado não ter atingido resultados esperados. Tobias Barreto sustentava que “o conceito de pena não é um conceito jurídico, mas um conceito político” e, “quem procura o fundamento jurídico da pena, deve também procurar, se é que não o encontrou, o fundamento jurídico da guerra”. O discurso penal, diante das sociedades de risco, se resume em um discurso bélico, a “guerra contra o crime”, sendo tudo permitido para vencer o inimigo. A teoria agnóstica da pena advoga não possuir qualquer função ou justificação jurídica, sendo tão só um ato político de poder, visto que não se pode justificar o injustificável. Jakobs destaca que a pena deve ser necessária para a manutenção da ordem social, pois, sem tal necessidade, seria um mal inútil. Apregoa, em resumo, que é útil para a consecução de seus fins sociais se não perde a sua funcionalidade. Representaria a reafirmação do ordenamento jurídico e não as finalidades úteis da norma. Para tal segmento, a teoria da prevenção geral positiva fundamentadora não é relativa ou utilitarista, mas uma releitura da teoria absoluta hegeliana, punindo-se para reafirmar o conceito de justiça. De forma simbólica, o fim da pena seria o restabelecimento da ordem social. Para o funcionalismo a pena é um farol, aclara e atualiza a vigência efetiva dos valores violados, enfraquecidos pelo atuar desviante, desenvolvendo nos cidadãos a confiança no sistema penal. No modelo de Roxin, há adesão à prevenção geral positiva limitadora e não à prevenção geral integradora, que é relativa, ficando a prevenção limitada pela ideia de subsidiariedade, uma função dentre as demais funções, excluída a prevenção geral, ao passo que Jakobs legitima o ordenamento jurídico e as expectativas sociais em uma perspectiva puramente normativa.


20. Contemporaneamente, fala-se em um Direito Penal funcional para a edição de uma política criminal em contraponto com a dogmática abstrata. Nas bases mínimas, não podem deixar de constar as garantias processuais do Estado de Direito e um correto processo de execução penal desmistificando o ódio ao autor do delito, buscando a possibilidade de oportunizar futura inserção e adaptação social do egresso. A pena é um instrumento estatal de contenção, para a proteção dos bens jurídicos, asseguradas as garantias constitucionais. Não possui caráter retributivo ou ressocializante, constituindo-se em um meio de prevenção geral e especial, positiva ou negativa, objetivando a tutela dos bens jurídicos e a evitação da prática de futuros delitos, como última etapa do controle social, dando-se uma resposta à crise da impunidade. Não se imagine tratar de uma mera construção dialética, visando a procurar um ponto comum relativo à necessidade de assegurar a proteção da tutela jurídica relativa aos interesses fundamentais da vida em comunidade. A defesa do direito dos cidadãos livres deve ser justa, salientando-se que o sistema de aplicação de penas é oneroso, mas necessário ao Estado. O fundamento da pena se origina do fundamento do próprio Direito, sendo a causa final a tutela da proteção do bem jurídico, ou melhor, da ordem social juridicamente organizada, ditada pela sociedade dominante. O fim da pena como ferramenta de controle social, expressada pela intervenção mínima e como eventual e hipotética possibilidade de correção do violador da norma, não entra em conflito com a sua natureza ética, visto que a proteção dos direitos humanos se constitui em uma das missões do Direito Penal.


21. Nos modernos Estados democráticos se questiona quais os reais fins da pena, isto é, o que pode legitimar um sistema punitivo. García-Pablos de Molina, no Tratado de Criminologia, salienta que o “infrator é um homem de seu tempo, um a mais, como todos os outros homens, sua dignidade de pessoa pugna por determinados clichês e estereótipos incompatíveis com os conhecimentos científicos atuais que induzem a uma política criminal injustificável e de desmedido rigor”. Borja Caffarena, em Principios Fundamentais del Sistema Penitenciário Español, sonha com a ressocialização penitenciária, através da elaboração de um status jurídico do recluso e de um plano de execução da pena que permita que a vida na prisão se assemelhe o mais possível à vida em liberdade e com isso desapareçam as consequências daninhas da pena privativa de liberdade. A reintegração social tem como vulnerabilidade a destruição do indivíduo, em razão da contaminação deletéria do cárcere, proporcionando outros valores e rupturas de obediência normativa. Diante de uma sociedade de funcionamento dinâmico, leva a novos conflitos por absoluta ausência de adaptação à nova realidade do mundo livre. Sutherland, em Criminology, destaca com o princípio da associação diferencial, que a grande parte dos infratores teve acesso a uma subcultura delitiva, onde adquiriram hábitos, motivos e atitudes criminosas. Há um processo de transmissão cultural de hábitos, opiniões, conhecimentos e valores divergentes que são próprios da vida no cárcere. O comportamento desviante é apreendido e não herdado, criado ou inventado pelo condenado. Segundo o princípio da associação diferencial uma pessoa se torna infratora porque recebe mais definições favoráveis à violação da norma do que as definições desfavoráveis a manter-se nos limites normativos. Ferrajoli distingue entre o fim (opera no plano do dever-ser) e a função da pena (atua no plano do ser): o primeiroresponde à indagação “de que serve a pena?”; e, a segunda, ataca a análise empírico-social descritiva sobre os efeitos da pena na sociedade. Registrava no II Encontro Nacional de Execução Penal, na conferência de abertura, “Os 15 anos da Lei de Execução Penal: Questões Críticas”, que é cediço que a relação entre o Direito Penal e a Execução Penal é deveras conflitiva e cada vez mais difícil de solução, pois na prática o sistema penitenciário é custodial e fica distante do ideal ressocializante “proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado ou do apenado”. São colocadas diferentes perspectivas críticas, do ponto de vista historiográfico, sociológico e da teoria do direito, compatível como orientação prática garantista da justiça e dos direitos.


22. No desenho crítico, desmistitficando-se os mitos das leituras acadêmicas, mantém-se o foco na contenção da explosão da violência urbana e rural pela exigibilidade existencial da segurança pública e da paz social, exigidos como premissas do Estado contemporâneo. Diante de tal problema complexo e multifacetado, gritam os princípios da proporcionalidade e da proibição de excesso, devendo ser observado no seu conjunto o perfil do condenado, avaliado por exame criminológico de ingresso no sistema penal para imaginar a possibilidade de futuro reingresso, equilibrado às normas vigentes ditadas pela sociedade dominante.


 

Álvaro Mayrink da Costa

Doutorado (UEG). Professor Emérito da EMERJ. Desembargador (aposentado) do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

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