A imputabilidade é condição pessoal de maturidade e sanidade mental e a capacidade de entender o caráter criminoso do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento
I – Imputabilidade
1. É a capacidade psíquica de ser sujeito da reprovação de compreender o injusto do fato e de determinar-se conforme esse entendimento. É, em síntese, ter a capacidade para conhecer e valorar o dever de não violar a norma e de atuar ou autodeterminar-se em um juízo de autorresponsabilidade. Para que haja culpabilidade do autor do fato reprovável é imperativo que seja imputável. A capacidade de culpabilidade compreende dois planos: a) cognitivo ou intelectivo (capacidade de compreender a ilicitude do fato); b)volitivo ou de determinação da vontade, atuação conforme o Direito. A capacidade de reconhecimento do injusto e de atuar em consequência pressupõe a integridade mental do autor. Fala-se em incapacidade de compreensão da ilicitude A terminologia tradicional é muito generalizante, devendo ser substituída pela expressão “capacidade de motivação” ou “capacidade de culpabilidade”, colocando o núcleo do problema dentro da sistemática contemporânea. Quando estas funções mentais ficam eliminadas por processos causais diferentes ao sentido, desaparece a capacidade de culpabilidade diante da: a) perturbação da consciência, transtorno transitório de curta ou longa duração, de natureza fisiológica ou patológica, podendo exemplificar com a sonolência, o desmaio, a hipnose, os delírios de febre, a embriaguez; b) perturbação patológica da atividade mental, isto é, as psicoses em sentido amplo. A imputabilidade tem sua base no fato de a possibilidade de determinação de acordo com o sentido da vida anímica resultar destroçada por processo alheios; c) debilidade mental, como oligofrenia, idiotice, imbecilidade e debilidade. Para o momento intelectual requer normas em relação ao erro, no sentido de ficar eliminada a culpabilidade, quando o autor do fato típico objetivo não se encontrava em condições de reconhecer o injusto penal; d)actio libera in causa, o autor se coloca em estado de incapacidade de culpabilidade (embriaguez), com o dolo de cometimento do delito, ou sem tal dolo, quando podia prever a realização do delito-tipo determinado. O autor utilizaria a si próprio como instrumento para o fato. Welzel exemplifica: A deseja golpear B e bebe para dar-se coragem. Comete-se a lesão corporal em estado de incapacidade de culpabilidade, é punido por lesão corporal dolosa, visto que utiliza a si mesmo culpavelmente como instrumento para a realização do injusto penal. O conceito de capacidade de motivação não traz dificuldades às codificações que adotam o critério biológico-normativo.
2. O Código Penal de 1940 adotou o critério biopsicológico. O Superior Tribunal de Justiça firmou que “não basta simplesmente que o agente padeça de alguma enfermidade mental (critério biológico), faz-se mister, ainda, que exista prova (v.g. perícia) de que este transtorno realmente afetou a capacidade de compreensão do caráter ilícito do fato (requisito intelectual) ou de determinação segundo esse conhecimento (requisito volitivo) à época do fato, i.e., no momento da ação criminosa” (STJ, AgRg no HC 237.695/MS, 5ª T., rel. Min. Marco Aurelio Bellizze, j. 27.8.2013). Podem-se citar três métodos principais: a) o sistema biológico ou etiológico, que tem como espelho o art. 64 do Código Penal francês de 1810: “Não haverá nem crime, nem delito, quando o sujeito se encontra em estado de demência, ou quando se encontrar submetido a uma força que não possa resistir”; b) o sistema psicológico ou psiquiátrico, que só leva em conta as condições psicológicas do agente à época do fato, refere-se às consequências psicológicas dos estados anormais do autor (a fórmula do Código canônico: delicti sunt incapazes qui actu catent usu rationis). Registre-se que Von Liszt, já nos primórdios do século XX, passa a defender que a imputabilidade é a “capacidade para uma conduta social”, fluindo os conceitos biológicos e psicológicos na nova orientação normativa do Código Penal alemão, § 51, de 1871, e no art. 88 do Código Penal italiano, de 1932 (“Vizio total di mente – Non è imputabile chi, nel momento in cui ha commesso di fatto, era per infernità, in tale stato di mente da excludere la capacitá d’intendere o di volare”). O nosso Código Penal de 1830, no art. 10, estatuía: “também não se julgarão criminosos: 2º os loucos de todo o gênero, salvo se tiverem lúcidos intervallos e nelles commeterem crime”; c) o sistema biopsicológico ou misto, que resulta da combinação dos anteriores diplomas, requerendo a presença de anomalias mentais e/ou a completa incapacidade de entendimento. O critério psicológico era suplantado, já no início do século XIX, pelo positivismo naturalístico.
3. Questões importantes estão ligadas ao estudo da culpabilidade e da personalidade. A culpabilidade não é um fato de livre autodeterminação, mas sim a falta de determinação de acordo com o autor responsável; não pode, pois, ter em sua raiz uma construção deficiente do estrato da personalidade como fundamento determinante da ação antijurídica individual. São inúmeras as teorias aventadas: a) teoria da vontade, segundo a qual retroage a culpa inconsciente a um fato de lesão consciente do dever; b) teoria do sentimento, reconhecendo que em certos casos, no dizer de Welzel, não se pode comprovar um ato de lesão consciente do dever, mas sim uma orientação defeituosa do caráter. Aquele que sabe dirigir, por óbvio, familiariza-se com os mecanismos de direção, tendo por imposição legal o conhecimento das regras de trânsito de veículos, mas sobre todo o aprendizado está a adequação à sua forma de atuar no ritmo da circulação do tráfego na via pública. Há uma constante repetição que chega a uma disposição inconsciente automática.
II - Posição normativa
1. O legislador de 1940 confundiu imputabilidade com responsabilidade, tratando a matéria na Exposição de Motivos sob a rubrica “responsabilidade”. A imputabilidade é condição pessoal de maturidade e sanidade mental e a capacidade de entender o caráter criminoso do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento; ao passo que a responsabilidade penal é o dever jurídico que incide sobre o autor imputável de responder à persecução. O momento em que deve existir a capacidade de culpabilidade é o da comissão do fato, ou seja, o momento em que o autor atua, sendo neste momento que se lhe exige a capacidade de entender o caráter criminoso do ato e de determinar-se de acordo com esse entendimento. O modelo normativo do Código Penal elenca: a) desenvolvimento incompleto ou retardado (critério biológico); b) inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (critério psicológico). Não basta que o agente padeça de alguma enfermidade mental, faz-se mister, que exista prova de que este transtorno realmente afetou a capacidade de compreensão do caráter ilícito do fato (requisito intelectual) ou de determinação segundo esse conhecimento (requisito volitivo) à época do fato, no momento da realização típica (STJ, HC 33.401/ RJ, 5ª T., rel. Min. Felix Fischer, j. 28.9.2004).
2. Ora, imputabilidade é condição pessoal de maturidade e sanidade mental e a capacidade de entender o caráter criminoso do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento; ao passo que a responsabilidade penal é o dever jurídico que incide sobre o autor imputável de responder à persecução. O momento em que deve existir a capacidade de culpabilidade é o da comissão do fato, ou seja, quando o autor atua, sendo neste momento que se lhe exige a capacidade de entender o caráter criminoso do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento. Corrige-se o equívoco do Código Penal de 1940 usando a expressão correta “da imputabilidade penal”.
III - Causas de exclusão da culpabilidade
1. O conceito de inimputabilidade é caracterizado pela incapacidade psíquica de culpabilidade do autor do injusto penal. A capacidade de culpabilidade é uma condição do autor, e a imputabilidade se constitui na característica que essa condição outorga à sua conduta típica e ilícita. É uma característica do fato que emana de uma capacidade do sujeito, que pode ser imputável em relação a um injusto e inimputável em relação a outro (A, débil mental, pode ter capacidade de pensamento abstrato que lhe permita compreender a ilicitude de um homicídio; porém, pode ocorrer que o mesmo A não possa entender a ilicitude de um delito econômico). Há determinada vertente crítica do conteúdo dogmático da culpabilidade que entende mais acertado, dentro do Direito Penal da culpa, referir-se a um juízo de imputação subjetiva de um fato a um autor em vez de falar-se de juízo de culpabilidade, que seria mais um juízo de reprovação, isto é, juízo de atribuição personalizada de um injusto a seu autor. O conteúdo do juízo de imputação subjetiva seria constituído da imputabilidade e do conhecimento potencial da ilicitude. A imputabilidade penal (capacidade de culpabilidade) significa capacidade de conhecer e valorar o dever de respeitar a norma e a capacidade de atuar ou determinar-se conforme tal compreensão. O juízo de imputabilidade significa juízo de autorresponsabilidade, entendido como pressuposto da culpabilidade a constatação de uma elementar determinação da vontade. A investigação da imputabilidade de uma pessoa deverá buscar a elucidação de sua concreta capacidade para controlar o atuar ilícito. Diante da inutilidade de punição para as pessoas não motiváveis, que teria um único escopo segregatório, as inimputáveis devem ser submetidas a um tratamento de motivação e jamais à aplicação de pena privativa de liberdade, ou em situações mais graves, a um tratamento psiquiátrico.
2. A capacidade penal é avaliada diante de determinados níveis de desenvolvimento biológico e normalidade psíquica, exigíveis ao autor do fato para a compreensão da natureza proibida de sua conduta ou de orientá-lo de acordo com essa compreensão. A capacidade psíquica de culpabilidade exige do autor do fato típico a compreensão da ilicitude do seu atuar, como também que possua a capacidade psíquica necessária para adequar a sua conduta a esta compreensão. A imputabilidade (capacidade de culpabilidade) se constitui, em síntese, na ausência de impedimento psíquico para a compreensão da ilicitude. Por conclusão, à medida que essa capacidade não se desenvolve no indivíduo, quer por falta de maturidade ou por defeito psíquico de qualquer origem, inexiste culpabilidade. A legislação brasileira lista como causas gerais de exclusão de imputabilidade penal: a) doença mental; b) desenvolvimento mental incompleto ou retardado; c) menoridade; d) embriaguez acidental completa (caso fortuito ou força maior). A capacidade de culpabilidade pode ser: a) incapacidade absoluta; b) capacidade relativa. A inimputabilidade absoluta caracteriza-se pela ausência dos requisitos mínimos de desenvolvimento biológico e de saúde mental. Para regular a inimputabilidade o legislador pode utilizar diversas fórmulas ou sistemas: a) biológico; b) psicológico; c) biopsicológico. No primeiro, condiciona-se a imputabilidade à saúde mental (se o autor é portador de uma enfermidade ou grave deficiência mental, deve ser declarado inimputável sem necessidade de avaliação psicológica); no segundo, não é indagada a existência de uma perturbação mental mórbida, declarando-se inimputável se, ao tempo do delito, estava abolida no autor, seja qual for a causa, a faculdade de apreciar a antijuridicidade do fato típico (momento intelectivo) e de determinar-se de acordo com essa apreciação (momento volitivo); e, no último, encontra-se a reunião dos critérios anteriores, estabelecendo que a imputabilidade só é excluída se o autor, em razão de enfermidade ou retardamento mental, era, ao momento da conduta, incapaz de entendimento ético-jurídico e autodeterminação.
3. Contemporaneamente, fala-se no método psíquico-normativo ou psicológico-normativo. Para Roxin, a capacidade de compreensão e de iniciação não tem base puramente normativa, possuindo um fundamento empírico-psicológico. O método biológico, que é defendido pelos psiquiatras, em geral não merece adesão: admite aprioristicamente um nexo constante de causalidade entre o estado mental patológico do agente e o delito, colocando os juízes na dependência relativa de peritos forenses. Também, faz tábula rasa do caráter ético da responsabilidade. O método puramente psicológico é, por sua vez, inaceitável, porque não evita, na prática, o arbítrio judicial ou a possibilidade de um extensivo reconhecimento da irresponsabilidade em antinomia com o interesse da defesa social. Há uma vertente na psiquiatria que sustenta a opinião de que a questão da capacidade de o autor “compreender o injusto do fato ou de atuar conforme essa compreensão não admite resposta empírica”. Observa que esta posição conduz a uma avaliação entre as funções do perito forense e do magistrado, pois o perito constata os estados ou diagnósticos de conexão biológico-psicológica, e o magistrado daí extrai conclusões para decidir sobre a capacidade de compreensão ou de inibição através de um processo avaliativo. A função do perito consiste em informar o estado psíquico do sujeito no momento da conduta, se foi ou não um destinatário idôneo da norma. A incapacidade de “compreender o injusto do fato” e a incapacidade de “atuar conforme essa compreensão” se mesclam não se podendo distinguir de maneira precisa. Roxin conclui que a menção específica da falta de compreensão é irrelevante nos casos da mesma regulamentação do erro de proibição, que conduz à exclusão da culpabilidade e, por outro lado, à subsistência da capacidade de compreensão e à existência de compreensão do injusto. A norma penal preceitua que o agente que, por doença mental, ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da conduta, inteiramente incapaz de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento é inimputável. O nosso Código Penal não abrigou os casos de grave perturbação da consciência, fixando-se apenas nos estados de anomalias psíquicas: a) por incapacidade de entender a antijuridicidade; b) ou de se determinar de acordo com tal entendimento.
IV - Doença mental
1. Pressuposto biológico da inimputabilidade engloba todas as alterações mórbidas da saúde mental independentemente da causa. No estudo do transtorno psíquico patológico, que compreendem transtornos psíquicos debitados a causas corporais-orgânicas, incluem-se as psicoses endógenas ou congênitas (esquizofrenia, paranoia, psicose maníaco-depressiva) ou exógenas (demência senil, paralisia geral progressiva, epilepsia), como também as neuroses e os transtornos psicossomáticos, sendo que estes, como formas de reação psíquico-criminal determinadas por conflitos internos ou intensas pressões motivas do exterior, dificilmente atuam sem sentido da realidade, salvo nos períodos de breve crise (histeria). A antiga questão dos intervalos de lucidez perde o destaque legislativo em razão de ser uma manifestação complexa interrompida do estado patológico. A disritmia cerebral não constitui excludente. Nos denominados transtornos psíquicos patológicos (psicoses exógenas) faz-se referência às enfermidades oriundas de transtornos exógenos (psicoses traumáticas por lesões cerebrais; psicoses por infecção, como a paralisia progressiva; as doenças convulsivas orgânico-cerebrais, como a epilepsia; casos de desintegração da personalidade com patamar orgânico-cerebral, como a arteriosclerose cerebral e a atrofia cerebral; a meningite cerebral, os tumores cerebrais e as afecções metabólicas do cérebro). Na hipótese da epilepsia, como destaca René Dotti, no Curso de Direito Penal, Parte Geral (2018), classificada como neuropsicose constitucional que acarreta graves perturbações de caráter, inteligência, consciência e sentido, segundo a orientação pretoriana, cria ao enfermo, quando agente do delito, a situação de irresponsabilidade, desde que constatada pela perícia médica. Talvane de Moraes defende a expressão clássica “doença mental” substituída em texto legal por “transtorno”, é ampla e vaga. Pelos métodos atuais para a comunicação social, pode representar um déficit grave e reduzir no caso concreto a responsabilidade penal.
2. O desenvolvimento mental incompleto abriga os menores de 18 anos, bem como os surdos-mudos não educados e os índios (“povos originários”), que ainda não se tenham adaptado ao convívio de nosso grupo social. No que tange aos surdos-mudos, se impõem na clúsula legal do “desenvolvimento mental incompleto ou retardado”, por não possuir a capacidade de entender a ilicitude, não podendo autodeterminar-se, devendo apurar-se caso a caso, mediante perícia médica. No que concerne aos índios, segundo o art. 4º da Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973 (Estatuto do Índio), os índios são considerados: “I - Isolados - Quando vivem em grupos desconhecidos ou de que se possuem poucos e vagos informes através de contatos eventuais com elementos da comunhão nacional; II - Em vias de integração - Quando, em contato intermitente ou permanente com grupos estranhos, conservam menor ou maior parte das condições de sua vida nativa, mas aceitam algumas práticas e modos de existência comuns aos demais setores da comunhão nacional, da qual vão necessitando cada vez mais para o próprio sustento; III - Integrados - Quando incorporados à comunhão nacional e reconhecidos no pleno exercício dos direitos civis, ainda que conservem usos, costumes e tradições característicos da sua cultura”. Aduza-se, que no art. 57, prescreve que “Será tolerada a aplicação, pelos grupos tribais, de acordo com as instituições próprias, de sanções penais ou disciplinares contra os seus membros, desde que não revistam caráter cruel ou infamante, proibida em qualquer caso a pena de morte”.
3. Se o índio já é aculturado e possui desenvolvimento mental, que lhe permite compreender a ilicitude de seus atos, é imputável. O fato de o índio se encontrar em processo de integração não o torna inimputável. No caso do não aldeado, que vive em grande centro urbano, só lhe é conferida a atenuante, isto é, a fixação da pena no mínimo legal e o seu cumprimento no regime semiaberto. O Projeto de Reforma de 2012 estatui que se aplique as regras do erro sobre a ilicitude ao índio, quando este o pratica um injusto penal agindo de comum acordo com os costumes, crenças e tradições de seu povo. O magistrado deverá levar em consideração, para esse fim, laudo de exame antropométrico. No parecer Vital do Rêgo (2014), “Deverão ser respitados os métodos aos quais os povos indígenas recorrem tradicionalmente para a repressão dos delitos cometidos pelos seus membros, desde que compatíveis com o sistema jurídico nacional e com os direitos humanos”. Não se pode esquecer que há índios já completamente integrados, que possuem redes sociais, participam de negócios e gerem empresas comerciais, embora vivendo em sua comunidade, com seus ritos e tradições, razão pela qual o magistrado deve avaliar caso a caso o grau de integração do índio infrator. A pena de prisão será cumprida na unidade mais próxima da habitação do índio ou local de funcionamento do órgão federal de assistência. Conforme a gravidade do fato, a culpabilidade e as sanções impostas pela respectiva comunidade indígena, o magistrado pode deixar de aplicar a pena ou reduzi-la até 2/3 terços.
4. No desenvolvimento mental retardado situam-se os oligofrênicos (idiotas, imbecis e débeis mentais), que apresentam anomalias no processo de desenvolvimento mental e déficit intelectual. Roxin conclui que o melhor paradigma é a capacidade de compreensão e de inibição. O transtorno profundo da consciência abarca deficiências de capacidade de controle que não possuem causa patológica ou psicologicamente anômala (estados hipnóticos e estados passionais graves). Os transtornos psíquicos patológicos não devem excluir a capacidade de culpabilidade de qualquer conduta (a mesma pessoa pode ser inimputável em determinado momento e não sê-lo em relação a outros fatos). A inimputabilidade é avaliada através de perícia médico-legal que será realizada sempre que existir dúvida quanto à saúde mental do imputado, não ficando o julgador adstrito às conclusões do laudo de exame de sanidade mental. Justifica-se o indeferimento da realização do incidente de sanidade mental quando ausentes quaisquer indícios mínimos razoáveis, aptos a denegrir a higidez mental do agente. O magistrado não fica adstrito à conclusão do perito, mas não pode substituir-se ao mesmo. Na hipótese de discordância sobre o laudo, deverá determinar a realização de nova perícia por junta médica.
5. Na Reforma de 1984, preferiu-se não definir a imputabilidade, conceituando-a através de critério biopsicológico-normativo. Não é suficiente o estado patológico, que é mera presunção de imputabilidade. O primeiropressuposto é a imputabilidade penal, a sanidade mental do autor do fato punível; e, o segundo, a maturidade. A expressão correta doença mental é abrangente das enfermidades que vulneram as funções intelectivas e volitivas. Os tribunais reconhecem a inimputabilidade originária de doença mental, nos casos de senilidade, epilepsia, esquizofrenia e embriaguez patológica. Extinta a punibilidade, não se impõe medida de segurança nem subsiste a que tenha sido imposta. O nosso legislador não adotou o modelo peninsular que se refere à capacità di intendere e divolere, mas parcialmente o suíço, visto que não aduziu ou d’une grave altération de la conscience. A ausência absoluta da capacidade de querer e entender retira a capacidade penal do autor do fato punível. Os clássicos e os neoclássicos partiram da ideia do livre-arbítrio, estimando que a responsabilidade penal estivesse fundada sobre a responsabilidade moral; ao passo que os positivistas, não adeptos do livre-arbítrio, declararam que a responsabilidade penal é uma responsabilidade social, uma responsabilidade legal. Evolui-se, após, para a adoção de uma atitude de neutralidade, colocando de lado a questão do livre-arbítrio. As legislações antigas são mais influenciadas pelos neoclássicos, subordinando a responsabilidade do delito à condição de que a ação seja livre. Já os modernos subordinam os fatos à consciência e à vontade. Se o autor do fato punível for mentalmente são e desenvolvido, e possuir capacidade para avaliar o caráter ilícito do fato cometido e determinar-se de acordo com esse entendimento, possuirá capacidade psíquica de culpabilidade. Com efeito, o momento de tal entendimento é o da prática do fato, isto é, na linguagem normativa, “ao tempo da ação ou omissão” (conduta). O inimputável por doença mental ou desenvolvimento incompleto ou retardado é o sujeito ativo do delito que, em razão de tal quadro de ausência de capacidade psíquica de culpabilidade, é inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento no momento da conduta. Como é também pressuposto da culpabilidade, a inimputabilidade retira a reprovação do atuar desvalorado. Sendo o réu impropriamente absolvido pela inimputabilidade, não há que se indagar para todos os efeitos da circunstância genérica pertinente à reincidência. Não se pode perder de vista que a sentença é condenatória (absolvição imprópria). Pondera em nível normativo que ao inimputável aplica-se a medida de segurança.
6. O código estabelece que o reconhecimento da inimputabilidade conduza à absolvição por ausência de culpabilidade, sendo imposta, diante da periculosidade presumida, a medida de segurança detentiva de internação obrigatória em “hospital de custódia” (sustenta-se a retirada dos hospitais psiquiátricos do sistema prisional, transferindo para o sistema de saúde) e tratamento psiquiátrico, se o tipo penal objetivamente adequado (violação normativa) for sancionado com pena de reclusão, salvo se presente causa de justificação. O Superior Tribunal de Justiça firmou que a lei de reforma psiquiátrica estatui que “Levando-se em consideração o propósito terapêutico da medida de segurança e os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, é viável a aplicação de tratamento ambulatorial, mesmo em se tratando de prática de crime punido com reclusão” (STJ, AgRg no REsp 1.056.771/SP, 6ª T., rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, j. 25.11.2014). Questiona-se a revogação do art. 97 do Código Penal, diante da reforma psiquiátrica (a Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001, estatui, em seu art. 4º, que “A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes”; e ressalta, no § 2º, que “O tratamento em regime de internação será estruturado de forma a oferecer assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, e outros”; e, no § 3º, que “É vedada a internação de pacientes portadores de transtornos mentais em instituições com características asilares, ou seja, aquelas desprovidas dos recursos mencionados no § 2º e que não assegurem aos pacientes os direitos enumerados no parágrafo único do art. 2º”. O Superior Tribunal de Justiça firmou que “Na fixação da medida de segurança - por não se vincular à gravidade do delito perpetrado, mas à periculosidade do agente -, cabível ao magistrado a opção por tratamento mais apropriado ao inimputável, independentemente de o fato ser punível com reclusão ou detenção, em homenagem aos princípios da adequação, da razoabilidade e da proporcionalidade (art. 26 e 97 do CP)” (STJ, REsp 1.266.225/PI, 6ª T., rel. Min. Sebastião Reis Junior, j. 3.9.2012). Se, ao contrário, a sanção privativa de liberdade for de detenção, o magistrado submeterá o inimputável a tratamento ambulatorial e, em qualquer fase, poderá determinar a internação (o laudo de exame de sanidade mental é que deverá indicar a espécie de medida de segurança no caso concreto), se tal providência for imperativa para fins curativos e não repressivos. Sustenta-se que o laudo pericial deverá indicar, diante do caso concreto, o estágio da doença mental, se é caso de internação ou de submissão ao regime ambulatorial, independentemente da natureza da pena em abstrato cominada ao fato típico. O Supremo Tribunal Federal já se manifestara sobre a desnecessidade de internação quando a pena era de reclusão (STF, HC 85.401/RS, 2ª T., rel. Min. Cesar Peluzo, 4.12.2009).
7. Gize-se, que as medidas de segurança são: a) de internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico; b) de tratamento ambulatorial. Têm como consequências jurídicas de caráter penal e não administrativo, ditadas pela política de prevenção especial positiva. A Lei nº 10.216, de 16 de abril de 2001, dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e abre um pálido caminho para superar o modelo hospitalcêntrico, causador da exclusão social do doente mental (desmanicomização – quebrar o hábito do hospitalismo), não pôs termo à internação involuntária mesmo sem ordem judicial. O Projeto de Reforma de 2012 se limita a doença mental o desenvolvimento mental incompleto, esquecendo-se do “ou retardado”. Já a proposta de alteração da Lei de Execuções Penais de 2013 dá um avanço à contemporaneidade desmanicomial ao extinguir os hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico colocando-os sob a égide das secretarias estaduais de saúde. O processo de fechamento de leitos e hospitais psiquiátricos seguiu a tendência que teve início na Itália dos anos de 1970 e guiou as reformas em outros países da Europa. A Organização Mundial de Saúde recomenda que o atendimento a paciente psiquiátrico e dependentes químicos seja feito em regime ambulatorial. O objetivo é evitar que sejam vitimizados por maus tratos, ou que percam laços familiares. A internação é necessária quando o paciente coloca em risco a própria vida ou de terceiros. Há um avanço com a necessidade de autorização médica e a notificação compulsória do Ministério Público, nos casos em que o internamento ocorra contra a vontade do paciente. A Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, que institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), estatui que compete ao poder público garantir a dignidade da pessoa com deficiência ao longo de toda a vida. A pessoa com deficiência não poderá ser obrigada a se submeter a intervenção clínica ou cirúrgica, a tratamento ou a institucionalização forçada. O diploma legal ressalta que o consentimento da pessoa com deficiência em situação de curatela poderá ser suprido, na forma da lei. Assim, o consentimento prévio, livre e esclarecido da pessoa com deficiência é indispensável para a realização de tratamento e hospitalização. Gize-se que, em caso de pessoa com deficiência em situação de curatela, deve ser assegurada sua participação, no maior grau possível, para a obtenção de consentimento. Finalmente, a pessoa com deficiência somente será atendida sem seu consentimento prévio, livre e esclarecido em casos de risco de morte e de emergência em saúde, resguardado seu superior interesse e adotadas as salvaguardas legais cabíveis. A legislação penal, após a Reforma de 1984, faz aplicar a medida de segurança, diante do sistema vicariante, de internação em hospital de custódia e tratamento, ou em tratamento ambulatorial no caso de inimputabilidade, e dá opção ao magistrado de diminuir a pena ou de substituí-la por uma daquelas duas medidas de segurança, se o condenado necessitar de especial tratamento curativo, na hipótese de semi-imputabilidade.
8. A psicopatia é uma das entidades clínicas mais controvertidas devido à confusão existente entre aspectos conceituais e terminológicos. Nas últimas décadas, há uma evidência clínica para definir indivíduos que, a causa de seu caráter frio, manipulador e impulsivo, de sua agressividade e violação persistente das normas sociais, entram em conflito permanente com o entorno social. Talvane de Moraes, quebrando o modelo tradicional, em uma visão evolutiva do ponto de vista sociológico, sustenta que a sociedade contemporânea passou a absorver as diferenças individuais, ao compreender o comportamento dissonante da média, não mais como uma doença mental (psicopatia), registrando a superação do modelo de Kurt Schneider (Klinische Psychopathologie). Aduz-se que na literatura do século XIX destaca-se uma variada terminologia em torno do conceito de psicopatia (sociopatia, personalidade dissocial ou transtorno antissocial da personalidade). Os principais sistemas contemporâneos de classificação psiquiátrica utilizam as denominações transtorno dissocial e transtorno antissocial da personalidade. Rafael Torrubia Beltri/Àngel Cuquerella Fuentes, no “Psycopathy: a controversial clinical entity but a forensic psychiatry nesessity”, destacam que a psicopatia não pode ser considerada como um fator causal direto da violência. Cleckley, in “The Mask of Sanity”, lembra que o psicopata não tem diminuição de valorações teóricas que abarquem questões emocionais, intelectuais e morais, não expressando sentimentos de sofrimento ou alegria, porque carece de impulsos motivacionais. Não aprende com a punição, e encontra sempre uma desculpa para sua conduta desviante. É elemento desestruturador, lidera rebeliões, manipula companheiros de cárcere. A melhor solução diante do vicariato não seria o cumprimento de pena mitigada em unidade penitenciária, mas a internação em hospital de custódia. Não se pode esquecer que, quase sempre, reincide em seu comportamento delitivo. Mesmo que o fato seja apenado com reclusão, sendo desnecessária a internação, deve o magistrado admitir a indicação médica do regime ambulatorial.
9. O diploma legal prevê o direito de acesso ao melhor tratamento consentâneo com as suas necessidades, e que pode não ser a internação, sendo a recuperação, ainda que parcial, pela reinserção à família, objetivos a ser alcançados. A expressão da legislação penal “por tempo indeterminado”, mesmo com o prazo mínimo de três anos, herança do positivismo de Garofalo com base no conceito de terribilidade, fere os princípios constitucionais de legalidade e igualdade. Não se pode deixar de mencionar neste tópico a desinternação progressiva e a progressão das medidas de segurança, diante do amparo constitucional da igualdade de todos perante a lei, e, analogicamente, da individualização de qualquer sanção-medida. Alves Garcia, em Psicopatologia Forense, sintetiza a corrente que admite que quando a psicopatia afetar a compreensão da ilicitude e da autodeterminação caberia aceitar a inimputabilidade.
10. Pela Lei de Execução Penal, o hospital de custódia e tratamento psiquiátrico destina-se aos inimputáveis e semi-imputáveis referidos no art. 26 e parágrafo único do Código Penal. Trata-se, na triste realidade brasileira, de um “hospital-presídio” que desenvolve dois objetivos: o tratamento e a custódia do internado. As medidas de segurança não são penas e por isso não são submetidas ao princípio da culpabilidade, mas sim ao princípio da proporcionalidade, diante do Estado de Direito, atendendo a gravidade dos injustos típicos cometidos pelo autor. É uma afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana submeter os pacientes psiquiátricos internados em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ao confinamento a celas e horário para o “banho de sol” sob a custódia de guardas e não de enfermeiros, em regime de prisionalização. Tal quadro, em diversos hospitais de custódia estaduais constitui flagrante violação aos direitos humanos. A internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico é uma ferramenta de proteção do internado e da sociedade. As finalidades das medidas de segurança são: a) submeter o doente mental que cometeu injusto penal, e como tal considerado presumidamente perigoso pelo Estado, observado sempre o princípio da dignidade da pessoa humana, a tratamento psiquiátrico objetivando a melhora da sua saúde mental; b) proteger a sociedade contra prática de novos injustos penais garantindo a segurança e a paz social. A medida de segurança possui duas finalidades: preventiva e assistencial. O estabelecimento penal deve apresentar características hospitalares específicas para atender ao seu objetivo primeiro e prioritário. No hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, também é internado o apenado que, no curso da execução da pena privativa de liberdade, vier a sofrer de doença mental ou apresentar perturbação da saúde mental, por conversão da pena em medida de segurança. Na primeira hipótese, a execução é regida pelas normas pertinentes às medidas de segurança; ao passo que, na segunda, ocorrerá o fenômeno da detração pela computação do tempo de internamento na duração da pena privativa de liberdade que lhe fora imposta. Entende-se que a medida de segurança não poderá ter prazo superior ao restante da pena de prisão substituída em respeito à coisa julgada. Se ao término da medida de segurança substitutiva o condenado por suas condições mentais não puder retornar ao convívio social, o juiz da execução o colocará à disposição do Juízo cível para as medidas de proteção adequadas ao caso concreto (Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015). Na hipótese de inexistência de estabelecimento adequado ou de falta de vagas, o internado deverá ser remetido para outro hospital, quer da rede pública ou particular.
11. Com a Reforma de 1984 desaparece o sistema binário e passa-se a adotar o sistema vicariante ou denominado também unitário, isto é, em rápidas palavras: a) aos imputáveis aplicam-se as penas previstas na legislação penal (reclusão, detenção, prisão simples, multa, multa substitutiva, penas restritivas de direitos e a medida de execução penal do sursis), b) ao passo que para os inimputáveis impõem-se as medidas de segurança (internação obrigatória ou regime ambulatorial) e c) aos semi-imputáveis, pena ou medida de segurança. Registre-se, que as saídas terapêuticas resultam na oportunidade de o paciente se integrar fortalecendo sua relação família e sociedade. O regime de hospital-noite, ao paciente que permanece, diretamente, fora das dependências do hospital de custódia, pernoitando na instituição, com o efetivo controle e acompanhamento do tratamento, possibilita uma concreta análise individual no processo progressivo de inserção social. Busca-se quebrar os hábitos do hospitalismo, agravando a patologia, originando um estado de dependência contínua. O tratamento ambulatorial é uma autêntica medida alternativa, substitutiva ao aprisionamento deletério do enfermo ou deficiente mental. A ausência de imputabilidade plena não mais admite o “dopo binário”, afastando a possibilidade de ser aplicada medida de segurança a imputável, pois só o semi-imputável estará sujeito em caso de especial tratamento curativo, caso contrário, aplicada a pena privativa de liberdade reduzida a um ou dois terços, em razão da ausência de capacidade plena, cumprida em estabelecimento penitenciário.
12. Por força do Estado de Direito, as medidas de segurança se limitam: a) ao princípio da legalidade; b) à proibição da retroatividade in pejus; c) ao processo de jurisdicionalização; d) a objetivar na sua aplicação a recuperação e inserção social do interno e não a sua punição; e) a garantir todos os direitos não catalogados na legislação específica (direitos em geral); f) não podem ultrapassar o tempo de conjunto limitado a 40 anos de internação. O exame psiquiátrico e os demais exames necessários ao tratamento são de natureza obrigatória para todos os internados. Deve-se fazer distinção entre exame criminológico e exame da periculosidade. Este é obrigatório a todos os internados que cumpram a medida de segurança detentiva. A periculosidade deve ser entendida como risco de conflito diante da probabilidade (reiteração) do cometimento de novos atos ilícitos. A periculosidade presumida, por seu caráter cognitivo, vincula-se estritamente a ato de lesão ao bem jurídico e à periculosidade manifesta. O autor do injusto penal deve apresentar periculosidade presumida, por força de sua inimputabilidade, ou judicial, reconhecida pelo juiz penal, quando se trata de semi-imputável. A medida de segurança, como sanção penal, não tem o caráter retributivo-preventivo, nem o patamar na culpabilidade (a imputabilidade é pressuposto da culpabilidade, visto que a sua natureza é preventiva e o seu fundamento está na periculosidade do autor, que, em razão de sua doença mental, constitui-se, na probabilidade de vir ou tornar a realizar novos injustos penais, colocando em risco a sua própria integridade e a segurança da sociedade). São pressupostos das medidas de segurança: a) a prática do injusto penal; b) a periculosidade do autor. A prática do injusto penal é o primeiro pressuposto para a aplicação da medida de segurança afastando as medidas de segurança pré-delitivas por imposição de segurança jurídica. A Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019, repete a possibilidade de instauração de incidente de sanidade mental para a realização do exame de sanidade mental juntamente com a medida cautelar de internação provisória (art. 319, VII, CPP), evitando-se que o doente mental não fique preso preventivamente em companhia de imputáveis nos xadrezes ou cadeias públicas (a competência passará a ser dos juízes das garantias).
13. O art. 175 da Lei de Execução Penal trata da cessação de periculosidade que deverá ser apreciada no fim do prazo mínimo da medida de segurança, através do exame das condições pessoais do internado. Sabe-se que a internação e o tratamento ambulatorial são executados, em regra geral, por tempo determinado, dependendo de perícia médico-psiquiátrica para a avaliação da cessação da periculosidade do internado. O prazo mínimo fixado pelo juiz da cognição é de um a três anos, conforme a gravidade do ato típico e o “grau de periculosidade” do seu autor. Na hipótese de conversão da pena em medida de segurança, em razão de superveniência de doença mental ou perturbação da saúde mental à época do cumprimento da pena privativa imposta, o prazo continua a ser de um a três anos de internação. A conversão é irreversível; já se for de conversão de tratamento ambulatorial em internação obrigatória, o prazo mínimo será de um ano. A regra geral é da remessa, pela autoridade administrativa prisional, de ofício, até um mês antes de findar o prazo de duração da medida de segurança, ao juiz da execução, através de um minucioso relatório que o habilite a decidir sobre a revogação ou permanência da medida de segurança. O relatório é obviamente instruído com o laudo psiquiátrico (laudo de exame de verificação de cessação da periculosidade). São aplicáveis à hipótese, as regras das perícias em geral. Na hipótese de antecipação do exame, a qualquer tempo, ainda no decorrer do prazo mínimo de duração da medida de segurança, poderá (deve, se tiver elementos plausíveis) o juiz da execução ordenar o adiantamento do exame para que se verifique se já ocorreu a cessação da periculosidade. Esta será avaliada no fim do prazo mínimo de duração da medida de segurança, pelo exame das condições pessoais do paciente. Ainda no decorrer do prazo mínimo, poderá o magistrado, diante de requerimento fundamentado, antecipar a perícia. Exige-se a fundamentação do pedido, cujos limites imediativos serão avaliados pelos peritos. Da decisão, cabe agravo. Na hipótese de prorrogação, a qualquer tempo, poderá o juiz da execução determinar que seja procedido novoexame de cessação de periculosidade, mesmo antes do prazo fixado, em sua prorrogação. A medida de segurança é relativamente indeterminada, perdurando enquanto o paciente demonstrar periculosidade, devendo estar sempre sendo observado no hospital de custódia (“hospital-prisão”), a fim de que não seja esquecido e nele mantido quando inexiste quadro do risco social. O Projeto de Alteração da Lei de Execução Penal de 2013 revoga o “exame de cessação da periculosidade”.
14. A desinternação hospitalar (progressiva) ou a liberação (ambulatorial) deverá ser sempre condicional, podendo ser restabelecida a situação anterior se o desinternado ou liberado, antes do decurso de um ano, pratica ato indicativo de persistência de sua periculosidade. Não se pode deixar de mencionar a denominada desinternação progressiva e a progressão de medida de segurança, diante do amparo condicional de todos perante a lei e, analogicamente, a individualização de qualquer sanção-medida. A desinternação é um procedimento de natureza provisória, na medida de segurança detentiva, diante da desnecessidade da manutenção do internado no hospital de custódia, em razão da não apresentação de periculosidade. Já a liberação, pertinente à medida restritiva de tratamento ambulatorial fica adstrita ao tratamento prescrito e à reavaliação de comportamento socialmente perigoso. Para a desinternação e a liberação definitivas, há necessidade do resultado positivo do exame de verificação de cessação da periculosidade com a satisfação dos requisitos do art. 175 da LEP (“A cessação de periculosidade será avaliada no fim do prazo mínimo de duração da medida de segurança, pelo exame das condições pessoais do agente...”). O Decreto nº 8.172/2013 concede indulto às pessoas submetidas à medida de segurança que, até 25 de dezembro, independentemente da cessação de periculosidade, tenham suportado privação de liberdade, internação ou tratamento ambulatorial por período igual ou superior ao máximo da pena cominada à infração penal correspondente à conduta praticada ou, nos casos de substituição prevista no art. 183 da Lei de Execução Penal, por período igual ao remanescente da condenação cominada. Cogita-se de questão polêmica, visto que parte da doutrina sustenta a inconstitucionalidade ao argumento de que a Carta Política autoriza o Presidente da República apenas a indultar e comutar penas e não medidas de segurança, ainda mais sem a comprovação da cessação da periculosidade avaliada através de laudo pericial.
15. Quanto à natureza jurídica da medida de segurança são sanções de gênero diferente e diante do princípio da realidade fática não se pode perder de vista o caráter humanístico do objetivo perseguido. As medidas de segurança não são penas e, por isso, não são submetidas ao princípio da culpabilidade, mas sim ao princípio da proporcionalidade, diante do estado de direito, atendendo a gravidade dos injustos típicos cometidos pelo autor. A internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico é uma ferramenta de proteção do internado e da sociedade. Na guia de internação ou de tratamento ambulatorial deverá constar a data em que terminará o prazo mínimo de internação ou de tratamento ambulatorial, sendo retificada sempre em que sobrevier modificação de prazo. A orientação pretoriana é no sentido de que o tempo máximo de duração, após a edição da Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019, fica aumentado para quarenta anos (mantida a Súmula 527 do Superior Tribunal de Justiça: “O tempo de duração da medida de segurança não deve ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado”). Foi infeliz o legislador ao fazer o aumento para a medida de segurança que não tem nenhuma justificativa com o aumento do tempo de vida dos dias atuais.
V - Capacidade psíquica reduzida:
1. Sendo semi-imputável, considerado por decisão judicial, a pena privativa de liberdade deverá (obrigatória e não facultativa) ser reduzida de um até dois terços, em virtude do grau de perturbação da saúde mental ou do desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou determinar-se de acordo com esse entendimento, ou optar por especial tratamento curativo, adotado o vicariato, objetivando evitar que não volte as praticar novos injustos penais. A imputabilidade é a capacidade psíquica de culpabilidade e a sua ausência impede que ocorram a exigibilidade e a reprovação. A capacidade de avaliar a ilicitude do fato ou de se determinar de acordo com essa avaliação diz-se a imputabilidade como capacidade de culpa. A capacidade de compreender o injusto do fato e a capacidade de atuar conforme essa compreensão não são medidas sempre de forma precisa. É necessário examinar a inimputabilidade quando não se pode negar a existência de uma ação em sentido jurídico, surgindo a delimitação entre a incapacidade de ação e a incapacidade de culpabilidade ou inimputabilidade. Roxin, no Strafrecht, lembra que a distinção não é fácil, particularmente diante dos estados passionais intensos e da embriaguez sem sentido, bem como nos estados hipnóticos e pós-hipnóticos, dependendo do conceito adotado.
2. A ação humana é manifestação da personalidade que, como regra geral, não produz nas hipóteses referidas uma exclusão da capacidade de ação, mas da capacidade de culpabilidade ou imputabilidade. Tem frequência em quadros ou diagnósticos de conexão biológico-psicológica. Zaffaroni, no Tratado de Derecho Penal, registra que se devem observar os distintos graus de culpabilidade, que não possuem conteúdo jurídico, senão ôntico. Há pessoas imputáveis, mas a imputabilidade é reduzida em relação a outras que possam ter cometido o mesmo injusto, tratando-se de caso de menor culpabilidade. Cumpre lembrar o transtorno esquizotípico, caracterizado por comportamento excêntrico e anomalias do pensamento e do afeto, os quais se assemelham aos encontrados na esquizofrenia, sem perturbação dominante ou típica que, eventualmente, possa evoluir para a esquizofrenia fraca. Devem ser cuidadosamente periciados diante do dolo do autor no momento da consumação do fato típico. A capacidade relativa ou de motivação diminuída limita a capacidade de compreender o injusto ou de agir conforme essa compreensão tendo como característica a maior dificuldade de dirigibilidade normativa (normative ansprechbarkeit).
3. Roxin salienta a capacidade de comportamento conforme a norma, determinada pelas seguintes circunstâncias: a) perturbação da saúde mental; b) desenvolvimento mental incompleto, restrito aos casos de debilidade; c) embriaguez por álcool ou substância análoga, fortuita ou de força maior; d) sob efeito de droga, fortuita ou de força maior. A perturbação da saúde mental apresenta patologias diferentes de acordo com a natureza da doença mental. Em sua graduação, demonstrando transtornos mentais patológicos, transitórios ou permanentes, os quais, diante da menor responsabilidade do autor, recebem uma resposta penal reduzida de um até dois terços. No caso do semi-imputável, pode-se proceder à substituição da pena por medida de segurança quando o condenado necessitar de especial tratamento curativo, podendo a pena privativa de liberdade ser substituída pela internação ou tratamento ambulatorial. Ao semi-imputável sempre será aplicada a pena de prisão proporcional ao delito praticado, diante da culpabilidade reduzida, só havendo substituição em caso de reconhecimento da possibilidade de “especial tratamento curativo”.
4. Visualiza-se que pelo sistema vicariante adotado, que permite que a pena privativa de liberdade, inicialmente aplicada, possa ser substituída, pelas medidas de segurança, que revoga o velho binário, o magistrado tem a opção entre reduzir a pena privativa de liberdade ou aplicar somente a medida de segurança, diante da excepcionalidade da hipótese de “especial tratamento curativo”. Aduza-se que pelo sistema a redução da pena torna-se obrigatória e não facultativa. Se a perícia psiquiátrica recomendar o especial tratamento curativo, poderá proceder-se à substituição pela medida de segurança de internação ou de tratamento ambulatorial pelo prazo mínimo de 1 (um) até 3 (três) anos, tendo como limite o quantum da pena substituída, em razão do princípio da coisa julgada. Na hipótese da substituição da pena privativa de liberdade pela medida de segurança, se tiver sido aplicada cumulativamente a pena pecuniária, a mesma deverá subsistir. Os portadores de desvios comportamentais graves, com transtornos mentais permanentes ou transitórios dotados de periculosidade real, estarão submetidos à medida de segurança em hospital de custódia para tratamento psiquiátrico.
VI – Menoridade
1. O Código de 1890 estabelecia que até aos 9 (nove) anos de idade fosse inimputável o menor infrator; porém, entre os 9 (nove) anos e os 14 (catorze) anos, o magistrado deveria verificar a presença ou não de seu discernimento na realização do atuar típico e ilícito. Tal orientação foi revogada pela Lei nº 4.242, de 5 de janeiro de 1921, que em seu art. 16, § 3º, dispunha que o menor de 14 (catorze) anos, autor de fato punível, não seria submetido a qualquer ação penal. A Consolidação das Leis Penais em seu art. 27, § 1º, dizia que “não são criminosos os menores de 14 anos”, e que de 14 (catorze) a 18 (dezoito) anos seriam submetidos a processo especial, podendo ser internados em “escola de reforma”, pelo prazo mínimo de 3 (três) anos e máximo de 7 (sete) anos. Com o Código Penal de 1940, os menores de 18 (dezoito) anos se tornaram inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial. A Lei nº 7.209, de 11 de julho de 1984, manteve a inimputabilidade ao menor de 18 (dezoito) anos de idade. Trata-se de opção apoiada em critérios de Política Criminal. É interessante reproduzir o texto do projeto pela atualidade do tema nesta primeira década do século XXI: “Os que preconizam a redução do limite, sob a justificativa da criminalidade crescente, que a cada dia recruta maior número de menores, não consideram a circunstância de que o menor, ser ainda incompleto, é naturalmente antissocial na medida em que não é socializado ou instruído. O reajustamento do processo de formação do caráter deve ser cometido à educação, não à pena criminal”. O art. 228 da Carta Republicana estatui que “são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”. A presunção de inimputabilidade do menor não admite presunção em contrário e a prova deve ser feita por certidão de nascimento ou perícia de idade. A Lei nº 8.069, de 13.7.1990, que cria o Estatuto da Criança e do Adolescente, que, para efeitos legais, considera criança, aquela até os 12 (doze) anos incompletos; e, adolescente, entre 12 (doze) e 18 (dezoito) anos de idade. Aliás, a Lei nº 8.069/90, só por excepcionalidade, é aplicável às pessoas entre 18 (dezoito) e 21 (vinte e um) anos de idade. O Estatuto estabelece a proteção integral à criança e ao adolescente, abordando no plano constitucional a questão da criança como prioridade absoluta e que a sua proteção é dever da família, da sociedade e do Estado.
2. O Estatuto reafirma que a criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, e na interpretação da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, leva-se em conta os fins sociais a que se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres sociais e coletivos e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoa em desenvolvimento. A tendência da legislação contemporânea é no sentido de fixar a capacidade de culpabilidade dos menores abaixo dos 16 (dezesseis) anos de idade. O SGtB de 1998 em seu § 19 reza que “estará isento de responsabilidade quem no momento da comissão do fato não tenha catorze anos”. O Código Penal francês de 1994 em seu art. 122-8, in fine, diz que: “Esta Lei determina também as condições em que se poderão pronunciar penas contra menores de mais de treze anos.” O Código Penal português estabelece a aceitação de que a imputabilidade de maiores de 16 (dezesseis) anos e menores de 21 (vinte e um) anos merece legislação especial, em razão da determinação de certa idade como limite formal para distinguir o imputável do inimputável. O projeto Hungria estabelecia como regra a incapacidade para o menor de 18 (dezoito) anos, exceto se, tendo completado 16 (dezesseis) anos, revelasse suficiente desenvolvimento psíquico para compreender a ilicitude do fato e determinar-se de acordo com este entendimento (a pena seria reduzida de 1/3 até a metade). O Projeto de Reforma Penal de 2012 mantém que são penalmente inimputáveis os menores de 18 (dezoito) anos, sujeitos à legislação especial. Há um vetor político que sustenta a imputabilidade a partir dos 16 (dezesseis) anos quando de crimes hediondos ou equiparados. Considera-se ato infracional a conduta descrita como delito ou contravenção penal. No plano do ato infracional, as medidas que devem ser aplicadas à criança são, em regra, diversas das destinadas ao adolescente (advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semiliberdade, internação em estabelecimento educacional). Quando o infrator tiver menos de 12 (doze) anos de idade, à época do fato, fica sujeito às medidas protetivas previstas no art. 101 do Estatuto (encaminhamento aos pais ou responsáveis; orientação, apoio e acompanhamento temporário; matrícula e frequência obrigatória em estabelecimento de ensino fundamental; inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança ou ao adolescente; requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; abrigo em entidade e colocação em família substitutiva).
3. Na legislação brasileira, as medidas socioeducativas são inaplicáveis às crianças, somente aos adolescentes. Apenas aos menores inimputáveis poderão ser impostas medidas de caráter socioeducativas previstas no Estatuto, que não objetivam a punição, mas a reeducação e a adequação comportamental ao convívio social, de exclusiva competência da autoridade judiciária. A questão de a faixa etária ser reduzida para 14 (catorze) ou 16 (dezesseis) anos é deveras discutida também em razão da natureza de nosso sistema prisional. Mas os institutos a que são recolhidos nada possuem de pedagógico, sendo, na maioria das vezes, piores que os estabelecimentos penais de adultos. Com a edição do Código de Menores em 1926, nenhum menor de 18 (dezoito) anos seria recolhido à prisão comum. A questão é complexa e multidisciplinar, devendo ser objeto de maior avaliação crítica sob os prismas científico e pragmático, respeitas as raízes da cultura brasileira. Nos dias atuais, verifica-se que parte dos infratores de maior risco de conflito na faixa dos 16 (dezesseis) anos integram organizações criminosas, com pleno desenvolvimento físico e mental, vividos na contracultura da violência no submundo da miséria de onde promanam. Não se pode olvidar, na linha de pensamento de Roxin, no Strafrecht, que aos adolescentes, embora possam ter a capacidade de compreensão do injusto, falta-lhes a capacidade inibitória. O adolescente não possui a capacidade de evitar a ruptura dos freios inibitórios diante dos instintos ou emoções nos estímulos e conflitos do cotidiano da vida. No Brasil do começo do século XXI seria maior o desastre se admitida a necessidade penal aos 16 (dezesseis) anos de idade, fazendo ingressar o adolescente no deletério e degradado “sistema penitenciário”, para gerar maior conflito no coletivo carcerário dividido em facções criminosas. Não se pode esquecer que seria criminalizar adolescentes provindos das camadas sociais mais desassistidas. Antes de tudo deve o Estado fazer cumprir o mínimo legal que está inscrito no Estatuto, modelo internacional de legislação sobre a proteção da criança e do adolescente. Há tendência contemporânea para se reduzir o limite etário, submetendo os menores de 18 (dezoito) anos à disciplina penal dos adultos, principalmente nos crimes hediondos ou equiparados. A situação do menor é uma circunstância que requer uma singular proteção jurídica, recordando-se, porém, que não se pode desvincular da realidade social e psicobiológica em um todo homogêneo no ritmo do desenvolvimento da própria personalidade.
4. A doutrina contemporânea defende que o menor de idade deve ser protegido pelo Estado, através das funções de vigilância, educação e proteção. O Estado que tem a função protetora, deve inicialmente garantir a satisfação de suas necessidades básicas substantivas, projetada no plano moral, assistencial, social, econômico e jurídico, dirigida a prevenir e corrigir os condicionantes negativos que venham a incidir na formação da personalidade ainda em evolução. A ordem jurídica referida no quadro de situação da criança ou do adolescente não pode ser desvinculada da realidade social e biopsicológica. A Carta Política de 1988, no Capítulo pertinente à família, à criança, ao adolescente, ao jovem e ao idoso, estatui, como foi citado, que “são penalmente inimputáveis os menores de 18 (dezopito) anos, sujeitos às normas da legislação especial” (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990). A inimputabilidade é um dos direitos individuais inerentes à relação elencada no art. 5º da Constituição Federativa de 1988, caracterizando-se, assim, em cláusula pétrea. A presunção de imputabilidade do menor não admite presunção em contrário e a prova deve ser feita por certidão de nascimento, batismo, ou perícia de idade. Nilo Batista, no Direito Penal Brasileiro II, II, na mesma direção, advoga “Como a Constituição da República, comprometida com o princípio da irreversibilidade, proíbe seja objeto de deliberação qualquer emenda constitucional ‘tendente a abolir os direitos e as garantias individuais’ (art. 60, § 4º, IV, CR) estamos diante de uma cláusula pétrea”. Na mesma direção, Rene Ariel Dotti, nos Comentários Hungria/Dotti, também defende que a antecipação da imputabilidade penal não pode ser efetivada por meio de emenda constitucional, pois a regra do art. 228 da Constituição da República “traduz um fenômeno jurídico de dupla face no interesse do adolescente: a) como direito social; b) como garantia individual”.
5. Registre-se que a criança e o adolescente têm o direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoa humana em processo de desenvolvimento e como sujeito de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e na legislação especial (art. 16 do ECA), sendo dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor (art. 18 do ECA). A lei penal brasileira estabelece a idade de 18 (dezoito) anos como marco do desenvolvimento biológico mínimo para a capacidade de culpabilidade. Cuida-se de critério político-criminal de absoluta falta de discernimento, por presunção absoluta, por critério de discricionariedade, tendo como base considerações biológicas e a política pragmática criminal. Entende-se, principalmente, diante da situação do sistema prisional brasileiro, que o encarceramento de jovens seria desconstruir qualquer perspectiva para a reinserção futura retroalimentando o conflito carcerário. A permanência em “reformatórios” para jovens infratores, desde Elmira, resultou falida. Igualmente, a questão não se situa na natureza típica da norma violada (crime hediondo), mas sim no perfil do autor da conduta antissocial. Pode-se, por exceção, retardar o tempo de reinserção social diante de avaliação psicossocial do jovem em conflito, desde que normativamente fixado. O Estatuto dispõe sobre a assistência, proteção e vigilância a menores: a) até 18 (dezoito) anos de idade, que se encontre em situação irregular; b) entre 18 (dezoito) e 21 (vinte e um) anos, nos casos expressos em lei. As medidas socioeducativas de caráter preventivo aplicam-se a todos os menores de 18 (dezoito) anos, independentemente de sua situação. Toda medida visará fundamentalmente à integração sociofamiliar. São medidas aplicáveis ao adolescente pelo juiz da infância e da juventude: a) advertência (admoestação verbal); b) obrigação de reparar o dano, quando se trate de ato infracional com reflexos patrimoniais; c) prestação de serviços à comunidade, por período não excedente a seis meses; d) liberdade assistida, fixada pelo prazo mínimo de seis meses; e)regime de semiliberdade, por prazo indeterminado, podendo ser aplicado o regime desde o início, ou como forma de transição para o meio aberto; f) internação, consiste em medida privativa de liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. Tal medida não comporta prazo determinado, devendo ser reavaliada de seis em seis meses no máximo, porém em nenhuma hipótese o período de internação excederá a três anos, quando o adolescente será liberado, ou colocado em regime de semiliberdade ou de liberdade assistida.
6. A liberação compulsória ocorre aos 21 anos de idade. Aqui, se situa a polêmica, defende-se o aumento da prorrogação até o prazo máximo de 6 (seis) anos de internação para a liberação definitiva. Em resumo, os regimes são: a) orientação e apoio sociofamiliar; b) apoio socioeducativo em meio aberto; c) colocação familiar; d) abrigo; e) liberdade assistida; f) semiliberdade; g) internação. A legislação prevê medidas aplicáveis aos pais ou responsáveis: a) advertência; b) perda da guarda; c) destituição da tutela; d) suspensão ou destituição do pátrio poder, bem como a apreensão de objeto ou coisa. As medidas não penais, que radicam uma política criminal alternativa, situam-se na assistência educativa, na ajuda voluntária. O momento para a contagem do prazo do termo inicial da maioridade penal (termo inicial de imputabilidade) é no dia e hora declarados exatos em que o sujeito ativo completa 18 (dezoito) anos de idade.
VII - Emoção e paixão
1. A emoção costuma-se definir como uma perturbação afetiva de breve duração, mas de forma intensa, que surge de curto-circuito, como reação a determinados atos circundantes e que, ao romper os freios inibitórios do indivíduo, predomina sobre o seu comportamento (ira, alegria, medo, coragem). Já a paixão, como estado psíquico similar, tem caráter duradouro e intenso (amor, ciúme, ódio). O vocábulo emoção (emovere), em cada uma de suas vernaculizações, adquire um sentido figurado de agitação da mente, do espírito, passando à linguagem da psicologia que lhe dá outra roupagem. O conceito não pode ser definido com precisão, referindo-se a estados como alegria, amor, orgulho e divertimento, como também à raiva, ao medo e ao ciúme. Aí se situam a aflição, a vergonha e a depressão, que não ficam separadas do comportamento humano. A emoção é um processo inteiramente distinto da motivação. Quando Watson propôs a clássica teoria da emoção, colocava a presença de três emoções inatas: o medo, o amor e a raiva. O medo seria caracterizado por uma perda súbita de apoio; o amor, pela estimulação dos genitais; e a raiva, pela restrição dos movimentos físicos. Para Jean-Paul Sartre, a emoção é um comportamento com sentido e lógica que constitui resposta significativa a uma situação. Dentro dessa ótica, dá como exemplo o desmaio, que exprime o paroxismo da emoção, que libera o indivíduo indefeso. As depressões neuróticas e psicóticas constituem exemplo de um estado exagerado e persistente.
2. O estudo da patologia da emoção noticia a possibilidade de que ocorra, apenas em estados patológicos, a maioria das respostas afetivas presentes nas desordens mentais, que são apenas exageros da experiência normal. A diferença entre emoção normal e anormal está na previsibilidade, relevância, correção de uso e duração. Sabe-se que a emoção e a paixão não excluem a capacidade psíquica da culpabilidade do autor do fato típico. Nossa legislação, contudo, admitiu converter a emoção e a paixão em circunstância atenuante comum ou em causa especial de atenuação em delito contra a vida. Há que se distinguir a “emoção-choque” da provocação injusta e quando a violência da emoção domina o autor. A influência configura a atenuante genérica. O legislador não conhece emoções privilegiadas (dor, ira, cólera), sendo que sua avaliação deverá conduzir o magistrado a avaliar a reação penal de culpabilidade do autor do fato típico. Roberto Lyra, nos Comentários, diz que o magistrado deve apurar através da prova dos autos o fenômeno da emoção, que é experimentado por toda a massa social, tendo como parâmetro o homem prudente: a) os fatos que a provocaram; b) a violência ou a influência da emoção; c) a exclusiva relação entre causa e efeito na provocação e violenta emoção; d) a influência desta na reação criminal. Finaliza, dizendo: “A emoção é a forma aguda; a paixão é a forma crônica”.
3. A paixão é a emoção permanente, profunda, cronificada, intelectualizada, de conteúdo sintético, mas não há alteração sic rebus dos processos mentais do sujeito ativo na passagem da emoção à paixão e depois à vingança. Não há que se excluir na emoção e na paixão o desvalor do atuar, podendo-se apenas graduar na individualização da pena e nas formas alternativas a culpabilidade do autor da reprovação. A emoção e a paixão não excluem a ilicitude, inexistindo na atual legislação a então denominada “perturbação de sentidos” do Código Penal de 1890. Nosso Código de 1940 não atribuiu ao “passionalismo” o efeito de exclusão da imputabilidade, declara expressamente que a emoção e a paixão não eliminam a capacidade de entender a ilicitude do fato ou de comportar-se de acordo com tal entendimento. Excluem-se as hipóteses dos estados patológicos. Podem constituir uma circunstância atenuante. Também estão previstos casos em que a paixão é causa genérica de aumento de pena ou circunstância agravante. Costuma-se repetir que a paixão é uma emoção em forma contínua e duradoura. Sabe-se que qualquer estado passional se qualifica como transtorno profundo de consciência.
4. Há vertente doutrinária que busca apoiar a exigência de um estado passional não culpável através da analogia com o erro insuperável, isto é, só o erro de proibição invencível ou inevitável exclui a culpabilidade. Para Roxin, seria correto embasar a responsabilidade (culpabilidade) do autor que obra em estado passional em princípios da actio libera in causa. Justifica ao dizer que “os fatos passionais não chegam como um raio em tempo sereno, mas são o resultado de um conflito de larga duração e na maioria das vezes possuem três etapas: origem, agravamento e descarga”. Jakobs cuida do estado passional a partir da perspectiva da exigibilidade. Admite que em determinadas circunstâncias a exculpação deva ser denegada quando o próprio autor tenha provocado culposamente o estado passional. Em conclusão, nossa legislação não permite que a emoção ou a paixão excluam a capacidade de culpabilidade, podendo tão só minorar o tipo de injusto ou atenuar a pena. Roxin, no Strafrecht, registra que as emoções representam grave perturbação psíquica não patológica, assim como a exaustão e a fadiga, que podem excluir ou reduzir a capacidade de culpabilidade.
VIII – Embriaguez
1. Entre as causas de exclusão da imputabilidade inclui-se aquele que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da conduta, inteiramente incapaz de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Trata-se da embriaguez completa ou fortuita, pelo álcool ou substâncias análogas. A embriaguez voluntária ou culposa torna o autor culpável. A imputabilidade penal do ébrio é ditada pela voluntariedade da causa. Em síntese, pode-se observar: a) embriaguez forçada (o autor é obrigado a beber); b) embriaguez fortuita (o autor bebe sem conhecer a natureza ou propriedade da bebida). Também pode ocorrer que o autor apresente uma reação anormal ao álcool, de sorte que uma ínfima quantidade lhe provoque a embriaguez. Se beber sem saber de sua anormalidade (embriaguez patológica), a embriaguez será fortuita. Na embriaguez forçada e na fortuita os efeitos são independentes da vontade do autor, não sendo aplicável qualquer medida de segurança. O alcoolismo crônico constitui hipótese de doença mental que pode excluir ou atenuar a imputabilidade. No caso de embriaguez preordenada há circunstância agravante.
2. O conceito de caso fortuito não é específico do Direito Penal, podendo ser definido no sentido jurídico ou filosófico. Seria o obstáculo ao cumprimento de uma obrigação por motivo alheio a quem devia cumpri-la. Caso fortuito e força maior são expressões sinônimas, de rigor diferente, imprevisíveis, mas, havendo possibilidade de o obstáculo ser removível, há caso fortuito; se irremovível, há força maior. Não é fortuito quando provocado o resultado ou determinado pela vontade do autor (casus dolo sine culpa determinatus). Considera-se a força maior como uma espécie do caso, presente o princípio da irresistibilidade (vis cui resisti non potest). Tanto na embriaguez proveniente de caso fortuito como na de força maior, há duas hipóteses de isenção de pena: a) quando a intoxicação anula o entendimento, torna impossível a avaliação do atuar; b) quando prejudica a vontade, impossibilita a autodeterminação.
3. O caso fortuito se encontra entre as excludentes da ilicitude, revelando a imprevisibilidade e a involuntariedade do atuar. No caso fortuito, a embriaguez ocorre por uma causa imprevista, e na força maior decorre de causa exógena que atuou sobre o querer do autor. Cinge-se, pois, a questão: a) quando a embriaguez acidental, proveniente de caso fortuito ou força maior, é completa, há exclusão da imputabilidade. É isento de pena o agente que era ao tempo da ação ou omissão inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. O autor não sofre a reação penal do delito pela ausência de culpabilidade; b) se o agente, por embriaguez, proveniente de caso fortuito ou de força maior, não possuía, ao tempo da conduta, plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, o magistrado deverá reduzir a pena imposta de um até dois terços (direito subjetivo do réu). A patológica e preordenada não exclui a imputabilidade (Zurechnungsfähigket). Pode-se ter a embriaguez: a) voluntária; b) culposa; c) acidental; d) fortuita; e) por força maior.
4. Na embriaguez voluntária, o agente quer se embriagar, mas sem a intenção de praticar o ilícito penal. Contudo, se A se embriaga para poder cometer o injusto penal, a embriaguez voluntária será preordenada, o que lhe agrava a reprovação penal. Já na embriaguez culposa o agente não quer se embriagar, mas vai ingerindo bebida alcoólica ou similar, sem os cuidados ou cautela necessários. O injusto praticado é reprovável. A embriaguez acidental por caso fortuito ocorre quando alguém coloca substância entorpecente no refrigerante sem o conhecimento da pessoa. E será acidental quando cai em um tonel de cachaça ou é coagido a beber. Em tais hipóteses, está isento de pena, ex vi do art. 28, § 1º, do Código Penal. Se a embriaguez não for completa, aplicar-se-á o art. 28, § 2º, do Código Penal. Se crônica, pode ser objeto do art. 26 do Código Penal (inimputabilidade). A embriaguez preordenada é causa de agravamento de pena por ser mais reprovável a conduta. Quando da aplicação da teoria da actio libera in causa, no tocante à embriaguez voluntária e à culposa, observa-se que em ambas as situações o agente não ingere bebida alcoólica para realizar o ato reprovável penalmente, o que vem a ocorrer no curso de seu estado de embriaguez. Não se pode aceitar a responsabilidade objetiva do ébrio colidindo com o princípio do nullum crimen sine culpa, quando juridicamente só se pode admitir se o ébrio tiver atuado a título de dolo ou culpa, observado o princípio constitucional inscrito no art. 5º, LVII, da Carta Republicana de 1988, eliminando-se a responsabilidade objetiva.
5. Perante o dispositivo do art. 28, II, do Código Penal, pune-se o ébrio que pratica um delito doloso ou culposo sem que se investigue o elemento subjetivo, bastando o mero atuar diante da intoxicação alcoólica. Alega-se, com argumento ponderável, que em estado de embriaguez plena não é possível distinguir o atuar doloso ou culposo, pois em tais limites exige-se a normalidade psicológica. A embriaguez acidental completa requer que o agente seja inteiramente incapaz de entender a ilicitude do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. A chamada embriaguez patológica, como nas hipóteses crônicas, pode concorrer com a doença mental ou a perturbação da saúde mental, ou até gerar a própria anormalidade psíquica. Em resumo, na embriaguez acidental, nosso ordenamento impõe a isenção de pena, quando proveniente de caso fortuito ou força maior, e de redução de pena, quando for incompleta. Se a embriaguez não é acidental, pune-se quando voluntária ou culposa, e, se patológica, poderá ocorrer a inimputabilidade ou a semi-imputabilidade penal. O Código de Trânsito brasileiro criou um tipo autônomo para os motoristas que conduzem veículos automotores, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência.
6. O Código Penal português (1995), no capítulo relativo aos crimes contra a ordem e a tranquilidade públicas, capitula em tipo autônomo no art. 295 “o crime praticado em estado de embriaguez e intoxicação”, seguindo os modelos alemão e suíço, no sentido de tentar superar os numerosos e complexos problemas doutrinais de difícil resposta normativa. Efetivamente estabelecida a contradição dos objetivos, a criação de um estado de impunidade e a necessidade de política criminal de não consenti-la é a solução aventada que melhor atende à questão. (“Quem, pelo menos por negligência, se colocar em estado de inimputabilidade derivado da ingestão ou consumo de bebida alcoóloca ou de substância tóxica e, nesse momento, praticar um fato ilícito típico é punido com pena de prisão...”). Nota-se que o legislador português buscou clarificar na redação que o dolo ou a culpa se referem ao colocar-se em estado de inimputabilidade e não à ingestão ou consumo de bebida alcoólica ou substância tóxica. O novo diploma penal procurou superar distinções doutrinárias que trazem controvérsias pretorianas (embriaguez completa e incompleta, fortuita, culposa, intencional, pré-intencional, preordenada, anterior ou posterior ao projeto delitivo), que, às vezes, não fornecem uma solução justa. A moderna orientação legislativa é na direção de um tipo autônomo. Portanto, exige-se: a)que o autor tenha ingerido bebida alcoólica ou consumido drogas, voluntária ou culposamente; b) que em virtude de tal ingestão se colocou em estado de completa inimputabilidade; c) que nesse estado praticou ato ilícito. Cabe ainda observar que é inegável que em um episódio agudo de intoxicação o agente fica incapacitado psiquicamente para discernir sobre a reprovação da violação da norma penal.
IX - Actiones liberae in causa
1. No século XVI, Tiraquellus, no De Poenis legum, se consuetudinum caus, sustentava que nenhum atenuante deveria acolher quem se embriagasse para facilitar a execução de um delito. Farinacio escrevia: “ebriosus punitur non ob delictum commissum sed culpam comissit se inebriando”. Os práticos foram os primeiros a acenar a punibilidade da actio libera in causa, tratando-se dos delitos cometidos em estado de inconsciência ou transitório, por aqueles que através de ingestão alcoolica buscam coragem ou preparam uma escusa. Bonifácio De Vitalinis afirmava: “ebriosus non punitur si deliquit, nisi dolose inebriaverit”. As actiones liberae in causa sive in libertatem relator são as condutas que não são conscientes e voluntárias, mas que o são em sua causa ou antecedentes (ações livres de causa). Há imputabilidade para o momento anterior. O autor previu que, ao realizar determinada conduta, poderia colocar-se na situação factual ocorrida, podendo realizar algum obrar delitivo. Segue-se que, apesar disto, realiza a conduta, quer por se tornar indiferente (culpa), quer porque deseja precisamente o resultado reprovável (dolo). Foram os autores alemães da segunda metade do século XIX que emprestaram à fórmula actiones liberae in causa uma alta expressão teórica pela aplicação múltipla, enquanto os franceses e italianos só se ocupavam dos casos de operação da responsabilidade em delitos cometidos em estado de embriaguez (ebrietas affectata ut ebrius delinqueret et delinquendo se cum ea excusaret). O desenvolvimento da fórmula deve-se ainda à construção dogmática que, por meio de interessante casuística, trilha novos caminhos para a exata compreensão dogmática. Não se podem olvidar as contribuições de grandes penalistas italianos.
2. O conceito de actio libera in causa tem como pressuposto a capacidade de culpabilidade da ação precedente, na qual o autor se coloca em estado de incapacidade de culpabilidade, tendo a intenção de realizar ou lhe sendo previsível a possibilidade de realizar fato típico posterior determinado. O autor era inimputável no momento da realização do resultado típico, embora em um momento anterior fosse imputável, estabelecendo dolosa ou culposamente uma causa do resultado. No exemplo clássico: a) A se embriaga para vencer as inibições e dar uma surra em seu inimigo B em estado de inimputabilidade; b) A, imprudentemente, emprega violência física durante a embriaguez sobre B, causando-lhe lesões corporais. Segundo a doutrina majoritária, na primeira hipótese, A será punido por delito de lesões corporais dolosas; ao passo que, na segunda, por lesões corporais culposas. Só modernamente a noção das actiones liberae in causa foi ampliada, ficando incluídas as espécies em que a abolição da consciência ou da livre volição dependesse de outras causas além das bebidas alcoólicas, embora sempre com a preordenação ao injusto. Desta forma, ingressaram: a) noção de sono comum; b) sugestão hipnótica; c) perturbação psíquica resultante de intoxicação por substâncias entorpecentes. Massari, no Il momento essecutivo d’il reato (1934), alinha como elementos identificadores das actiones liberae in causa: a) uma conduta voluntária antecedendo ao processo de produção do injusto, a qual, perturbando o ritmo das faculdades psíquicas do agente, determine o resultado; b) um consequente processo de produção do fato, que seja a manifestação de um dinamismo ideomotor, tornando incoerente por um fato de vontade do mesmo agente; c) uma relação finalística que, mesmo através da consciência crepuscular daquele que age, ligue o resultado à conduta voluntária inicial.
3. A actio libera são casos em que o autor pratica um fato punível em situação de inimputabilidade, tendo-se colocado naquele estado, ou propositadamente, com a finalidade de uma realização típica, ou sem tal finalidade, mas prevendo a sua possibilidade, ou ainda quando podia ou deveria prever. Há, pois, dois momentos básicos: a) a prática em estado de inimputabilidade de um fato penalmente reprovável; b) o autor se colocar com a finalidade de cometê-lo, ou que poderia ou deveria prevê-lo. Se A dirige seu carro consciente de estar completamente fatigado a ponto de não resistir ao sono, e continua a conduzi-lo, poderá prever que adormecerá ao volante, ocasionando o acidente. Este seria o limite mínimo da actio libera, isto é, uma conduta voluntária da qual ao autor era exigível o dever legal de cuidado. Von Bar, no Gesetz und Schuld in Strafrecht, escreve que é discutível em que grau alguém pode ser responsável por uma conduta praticada no estado de inimputabilidade, quando tomou a resolução de cometê-la no estado de imputabilidade, ou não evitou, como era de seu dever, ou, finalmente, prevendo que podia cair viesse facilmente a produzir um evento danoso, não empregou, antes de cair nesse estado, necessárias precauções. A característica da actio libera está na dualidade de graus na execução (dois atos ligados por um nexo de causalidade em que em um é livre e em outro não). O exemplo dado seria o de A, policial, a quem foi prometido dinheiro para que tolerasse um furto, que tomasse narcótico e dormisse profundamente no momento do delito. Mayer, em posição causalista, ilustra a necessidade da avaliação do nexo de causalidade com a hipótese do bêbado que no caminho de casa tem uma briga e mata seu adversário. Inexistiria uma actio libera punível, visto que, mesmo quando a embriaguez tenha motivado a morte, não há dolo ou culpa, que se referem ao momento anterior. Orientando-se pela monografia de Narcélio de Queiroz, no Brasil, afirma-se através da EM/21, ao justificar a aceitação plena da actio liberae in causa, que “modernamente não se deve limitar ao estado de inconsciência preordenado, mas a todos os casos em que o agente se deixasse arrastar ao estado de inconsciência”.
4. Não se pode deixar de citar a monografia de Ernest Timm, em Der Streit um die actiones liberae in causa im deutschen Strafrecht (1926), que admite a actione de forma dolosa ou culposa, por ação ou omissão (a. A, mãe, que sabe ter um sono muito agitado deita seu filho consigo com a intenção de sufocá-lo, e dessa maneira o mata quando ela dormia; b. A, mãe, apesar de saber que tem um sono agitado, movendo-se habitualmente, deita-se com o filho no mesmo leito e o sufoca; c. A, maquinista, embriaga-se até a inconsciência para não poder dispor convenientemente do desvio e causa assim um desastre ferroviário; d. B, maquinista, embriaga-se, apesar de saber, ou devendo, ou podendo saber que nesse estado não poderia colocar o desvio e causa, dessa forma, um desastre). O monografista não examina as hipóteses de embriaguez incompleta por entender que na imputabilidade diminuída carece de possibilidade de reconhecimento como actiones liberae in causa. A embriaguez não exclui a imputabilidade nos casos de actio libera in causa, quer seja dolosa ou preordenada, voluntária ou culposa, ou mesmo previsível. Quem se vale de outro que se encontra em estado de inconsciência para o cometimento de um ilícito é autor direto; ainda que se trate de delicta proprio ou de mão própria, será o autor da determinação do ilícito, que será reprovável juridicamente. Se o próprio autor se coloca em estado de inconsciência, há uma ação livre que causa, que difere do que ocorre na teoria das actiones liberae in causa. Observa-se que, na espécie, quem utiliza a si próprio para instrumentalizar-se desse modo não obstaculiza a tipicidade, embora caído neste estado careça de vontade e opere como um instrumento.
5. Nos delitos materiais inexiste coincidência cronológica entre a atuação e o resultado, razão pela qual há problemas relativos ao elemento subjetivo do tipo ou à imputabilidade em suas etapas. No caso de imputabilidade inicial do autor, há impossibilidade de reprovabilidade de sua conduta a título de culpabilidade. Há dificuldade quando o fato se executa dentro de um estado de imputabilidade preordenado, isto é, nas hipóteses em que o sujeito ativo procura de antemão a escusa de sua própria culpabilidade. Cita-se o cometimento de um homicídio dentro de um estado de embriaguez aguda provocada expressamente para a realização típica. Há duas vertentes que fundamentam a actio libera in causa: a) a do modelo de exceção; b) a do modelo do tipo. No que concerne ao modelo de exceção, foi Hruschka, no Strafrecht nach Cogisch-analytischer Methode, o primeiro a dar maior formulação à punibilidade da actio, que representaria uma exceção justificada pelo direito consuetudinário diante do princípio pertinente à isenção de responsabilidade por transtornos mentais, devendo o autor ser imputável “durante a comissão do ato”. É punida a conduta durante a embriaguez, ainda que não seja imputável neste momento.
6. Roxin diz, com propriedade, que o modelo de exceção é insustentável em razão do princípio universal do nullum crimen sine lege, inclusive atentando contra o princípio da culpabilidade, que prescinde da conexão causal da conduta prévia com o resultado como base da imputação. No que tange ao modelo do tipo, a imputação não se pode adequar à conduta durante a embriaguez, senão com o fato de embriagar-se ou com a conduta que de qualquer outro modo provoque a exclusão da culpabilidade. Conclui que esta conduta prévia é interpretada como causação dolosa ou culposa, razão pela qual é punível pelo resultado típico (a conduta prévia representa uma realização típica culpável no momento da comissão). Em sua crítica, afirma que as dificuldades construtivas são separáveis se forem estendidas aos princípios da imputação reconhecidos nos demais casos. Para ele, o modelo do tipo apresenta peculiaridades estruturais diante da gama de delitos culposos (A, com ciúmes de sua mulher B, embriaga-se, e, ainda que pese atos anteriores neste sentido, não repara que dá uma surra em estado de inimputabilidade, acreditando ao embriagar-se que corre um risco permitido para a integridade corporal de sua mulher, em razão da surra aplicada). Finaliza observando que os maiores problemas situam-se em relação à actio libera in causa dolosa (A se embriaga para dar uma surra em B, em estado de inimputabilidade – intenção ou propósito –, ou quando, ao beber, conta com a possibilidade de que poderá embriagar-se e realizar atos violentos com sua mulher – dolus eventualis). Cita vários questionamentos que são formulados pelas múltiplas divergências doutrinárias: a) a interposição de uma causa de um resultado não representa uma ação típica ex lege (se A se embriaga com a finalidade de cometer um estupro em B, não é necessário que seja inimputável durante a execução do fato). Há que ser imputável no começo da tentativa, de forma que o fato de colocar-se ao mesmo tempo em estado de imputabilidade, operando com o dolo de cometer posteriormente o delito, atua tipicamente, sendo responsável a sua conduta; b) na autoria mediata, a tentativa começa com a atuação sobre o instrumento e acaba com a saída deste do próprio âmbito do domínio. A tentativa se inicia com a colocação da própria pessoa em estado de imputabilidade. Na actio libera in causa, o autor se converte no próprio instrumento irresponsável e a partir deste momento (produção da inimputabilidade) não domina o ulterior acontecer; c) a construção não é viável nos tipos de puro resultado, quando não é exigida determinada forma de produção do resultado.
* Álvaro Mayrink da Costa
Doutorado (UEG). Professor Emérito da EMERJ. Desembargador (aposentado) do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
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