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A multifatorialidade na causação do delito:

redesenho do percurso histórico do endereço da criminalidade contemporânea. -



Neste artigo o autor reconstrói o percurso temático, em origens e formulações, apontando que a sociologia criminal se confunde com os conceitos da antropologia criminal. Admite a tese da multifatorialidade na causação do delito, pretendendo que causas concorram para a gênese da criminalidade no mundo social. Recorda fatores de natureza econômica, social, religiosa, biológica, cultural e moral, que concorrem na promoção da atividade delitiva

1. A Sociologia Criminal, em suas origens e formulações, se confunde com os conceitos da Antropologia Criminal.[1] Buscou a gênese da criminalidade nos fatores biológicos, nas anomalias do desenvolvimento craniano, nos processos de disjunção evolutiva. No conceito original de reversão hereditária e constitucional do delinquente, não hesitou em reconhecer a grande influência que o meio ambiental exercia e o próprio Lombroso sustentou a existência de um nexo de causalidade entre as características físicas do homem e suas ações, chegando a considerar o delinquente como parte de uma tipologia antropológica especial. Partindo da observação direta e imediata do indivíduo, acabou por constatar a importância daqueles fenômenos sociais, que demonstram que em cada sociedade existem categorias de indivíduos cuja atividade está em evidente contraste com os padrões sociais estabelecidos. Nas últimas formulações do pensamento lombrosiano, faz-se presente, não apenas a constatação das degenerações e desvios individuais, como fatores provocadores da violação da ordem social, mas também a estrutura econômica e política, que poderia modificar os indivíduos, tornando-os desajustados, indesejosos para uma ordem social.


2. Admitimos a tese da multifatorialidade na causação do delito, pretendendo que causas concorram para a gênese da criminalidade no mundo social. Fatores de natureza econômica, social, religiosa, biológica e moral concorrem, evidentemente, na promoção da atividade delitiva. Já escrevia Von Liszt em seu Tratado de Direito Penal que “A influência das circunstâncias sociais e, sobretudo, econômicas sobre a vida dos indivíduos, começa muito antes do seu nascimento. A miséria econômica e seu cortejo: o esgotamento, a doença, o alcoolismo prejudicam o germe antes de se tornar fruto. Não é a pobreza que acarreta essa circunstância, mas a desigualdade e a circunstância é que resistem à distribuição dos bens econômicos.”

Para Grispigni, a Sociologia Criminal é a ciência que estuda o fenômeno social da criminalidade. Assim, de um lado, tem por objeto um fenômeno social, indicando o genus proximum no qual se reintegra (ciência social particular), pois haveria em comum a natureza e o método; e de outro, arguindo que o fenômeno social estudado é a criminalidade, indica a diferença específica no confronto com as outras ciências sociais, visto que o objeto de estudo - criminalidade - é exclusivo ou específico desta disciplina.

Acrescenta que a Sociologia Criminal é “a ciência que estuda a sociedade do ponto de vista dos fenômenos que nela se verificam”, e, dessa forma, seu objeto é a sociedade, a qual se apresenta como um fato poliédrico, sendo estudada em vários aspectos da ciência social singular, que, por abstração, isolando os diversos aspectos entre a Sociologia geral que estuda a sociedade em sua unidade e complexidade. Portanto, o que caracterizaria a Socio­logia Criminal seria ser “scienza della Societá nelle sue mani­festazioni criminose”. Chama atenção para o conceitode sociedade e o conceito de fato social.[2]

Posteriormente, concluiu que não há pessoas delinquentes, no sentido do nascimento, ou quiçá predestinadas à delinquência, embora existam seres anormais que mais facilmente poderiam estar predispostos à conduta delitiva “como se fossem congenitalmente”. Para ele, a conduta delitiva é, como qualquer outra classe de conduta, o resultado da cooperação de fatores internos na determinação do proceder humano com forças do meio ambiente, sendo necessário estudar os fatores internos e externos do meio ambiente.

Para concluir uma primeira compreensão do fenômeno sociológico do delito, tornou-se necessário um amadurecimento do pensamento criminal, como aquele expresso, em posições colaterais, mas distintas, por Ferri e por Colajanni. O primeiro postulou os fundamentos da problemática da criminogênese, pelo estudo positivo do delito, considerado como fato social negativo e a oposição aos padrões considerados válidos pelo grupo, capaz de provocar a reação defensiva da sociedade. A posição, a postulação de Ferri, levou a um processo de revisão do conceito de responsabilidade penal dos métodos de repressão e prevenção.

Colajanni vê a Sociologia Criminal tendo como objeto o es­tudo do delinquente, do ambiente, da reação e da prevenção social. O aspecto subjetivo é mais acentuado, porque o homem criminoso, e não o delito, como esquema abstrato, é que é estudado. As contribuições de Garofalo, de Morselli e de Angiolella tendem mais a analisar o delinquente como objeto de estudo da ciência antropológica, reforçada por uma série de elementos de Etnografia e Antropologia, antecipando, de certo modo, o moderno conceito de Antropologia cultural, de Kardiner e Bene­dickt. Coube a Gerland, Bonger e Kõhler sustentar a autonomia da Sociologia Criminal, entendida mais como estudo do delito do que como fenomenologia criminal.

Grispigni estabeleceu as linhas mestras da Sociologia Criminal peninsular com sua concepção sobre a criminalidade, bem mais exata do que a de Ferri. E, se muitas de suas formulações estiverem num meio-termo entre a Biopsicologia e a Sociologia, isto se deve ao fato da ausência de uma terminologia exata, por parte de uma Psicologia, que deve ser entendida, em sua essência, como verdadeiramente social. Partindo da premissa de que os fatos sociais são resultantes de componentes positivos e negativos, Grispigni compreendeu a criminalidade como um fato de patologia social, no que tange à normalidade da filosofia de uma sociedade, concebendo, dentro deste prisma, o delito como fato de oposição às normas da convivência social estabelecida. Paralelamente, assinalou o valor sintomático do delito, quando em relação a uma série de fatores causais, sejam de origem endógena ou exógena. Pode ser considerado como a única contribuição dogmática de uma Sociologia Criminal, na Itália, visto que nele também estão presentes os delineamentos de uma metodologia própria que o liberta e o afasta das construções eminentemente psicológicas e criminais.

Gemelli escreve em La Criminologia e il Diritto Penale que a Criminologia oferece um potente subsídio ao Direito Penal e aos métodos de execução da pena, sustentando que a ação defen­siva da sociedade não deve ser só retributiva, mas reeducativa, a fim de que o delinquente venha a se tornar um novo membro ativo e válido. O Direito Penal tradicional mantém uma metodologia excessivamente dogmática, lógico-abstrata, tendo suas portas fechadas aos novos movimentos criminológicos e teológicos, que direta ou indiretamente têm uma incidência dinâmica evolutiva nas coordenadas fundamentais do Direito e da justiça.


3. Nos dias atuais, a Criminologia e o Direito Penal podem e devem contribuir para o desenvolvimento social, sem olvidar nem exagerar o respeito ao desenvolvimento individual. O Direito Penal, para contribuir para o desenvolvimento social, deve re­construir democrática e cientificamente seus mecanismos sobre a delinquência, a realidade social normal, o delinquente (sujeito de direito e não objeto ao serviço de uma classe domi­nante) e os controles sociais. Para que o Direito Penal possa obter a reconstrução radical de suas estruturas, deve intensificar seus relacionamentos científicos com a Criminologia contemporânea (crítica) e a Teologia. A relação interdisciplinar com a teologia deve evitar toda a “moralização” do Direito Penal, respeitando a unidade de cada ciência. O desenvolvimento social pode ser considerado, não somente como um but, mas igualmente como source do Direito Penal. A Criminologia e a Teologia são dois fatores, mas também dois produtos de emancipação do povo e de sua cultura. Os controles sociais devem ser instituídos em cada sistema democrático. O Direito Penal é um instrumento extremamente dócil nas mãos do poder. A realização da justiça e do bem comum é no sentido de fornecer a manifestação do grupo dominante, pela violação dos direitos fundamentais da pessoa humana nos seus domínios político, social, cultural e econômico.

O ponto central da nova defesa social é o encontro do equilíbrio entre a proteção da sociedade contra o delito e o respeito dos direitos do delinquente. Este é o traço da fronteira entre os dois pólos em que se medem os participantes e os adversários da defesa social. A nova defesa social vê a sanção penal como um meio de (res)socialização e de (re)inserção social do delinquente. Funda­mentalmente oposta à pena de morte, o sistema considera a pena privativa da liberdade como peça matriz da sanção.

Uma tendência começa a tomar vulto em todo o mundo: a proposta da redução das tipificações penais, como uma maneira de excluir do campo punitivo todo o elenco de atos antissociais, para os quais a pena privativa da liberdade não é fundamentalmente necessária. Tal endereço se coaduna com a ideia de que o Direito Penal é a ultima ratio da ordem social necessária, não devendo ser convocado senão nos casos onde se torne indispen­sável diante da inutilidade dos demais mecanismos coercitivos.

Em Veratti, encontramos a finalidade de evidenciar o conteúdo filosófico e moral do Direito Penal, enquanto as geniais pesquisas de Lombardi representam uma relevante contribuição de caráter historiográfico, em que o relacionamento analítico da civilização e das manifestações de criminalidade, especialmente coletivas, se tornam o núcleo de seu trabalho. O enfoque de Niceforo por meio de percepções psicológicas e sociais está indi­retamente voltado para o tema, visto que a análise do ambiente cósmico, dos fatores relativos à sociedade, das crises sociais, das condições econômicas, é vista como parte de uma concepção de delito, aceita como ciência unitária e sintética, englobando a totalidade e a totalização das variabilidades dos aspectos psicológicos, antropológicos e sociológicos da criminalidade e do delito.


4. Enquanto as perspectivas e as concepções sobre a Sociologia Criminal entravam em crise, na Itália, o mesmo não ocorria no pensamento americano e francês, que enriqueciam o thema, em questão, como contribuições notáveis. Parmelee, influenciado por Lombroso, lançava a hipótese da criminalidade e do delinquente, inclusive como expressão de outros subtipos, levando a solicitar reformas, endereçada na ampliação da expressão delinquente, que deveria compreender, e levar em conta todas as situações pré-criminais e antissociais. Sutherland, numa perspectiva sociológica, desenvolvia um estudo, estabelecendo relações entre a delinquência e a ausência de assimilação cultural, assim como sobre as causas do desajuste social (o estudo da associação diferencial) .

Por sua vez, Durkheim e Fauconnet utilizavam a Psicologia Social, no estudo do delinquente, e demonstravam que os fatores biológicos e sociológicos podiam coexistir ou até prevalecerem, e que, pela motivação dos atos delituosos, pode-se estabelecer fatores morais e sociais, verdadeiro “contra-instinto” imposto ao convívio humano, produzindo espontaneamente o ego social.

A posição fundamental dos Glueck coloca o fenômeno da criminalidade como produto de multiplicidade de fatores, de natureza biológica e de caráter, social e cultural, que se inter-relacionam e se multiformam. Não é possível dizer-se qual a causa da origem do delito, com uma fórmula válida para todos os casos. Percebe-se a influência do ambiente, sendo um mecanismo estritamente sociológico, mormente quando negam uma predestinação ao delito.

Uma visão-síntese dos resultados desta evolução, no pensamento sociológico geral, nos confirmará tantas lacunas e tantas incompreensões, que criarão falsas conclusões no campo da Criminologia.

A moderna Sociologia, desde o estudo concreto da complexa fenomenologia social, estabelecerá formulações fundamentadas em conceitos cuja natureza das instituições sociais, cujos sistemas, estruturas, situações, equilíbrio “estático” e dinâmico, se totaliza, se sumariza numa interpretação, necessariamente, definitiva da vida individual e coletiva. Hodiernamente, podemos falar, portanto, de um verdadeiro e contínuo contato entre os fenômenos sociais estudados e o enfoque dos fenômenos naturais, estabelecendo a real essência do desenvolvimento da vida social.

O problema entre a organização da vida individual e social é visto, nesta perspectiva, como uma coordenada, como um equilíbrio da sistemática social, como ação individual, mediante uma série de processos paralelos que acomodam o ser humano às necessidades coletivas, numa correspondência de “eu-nós”.

Cooley estabelece a noção dos grupos primários, em que as relações interpessoais são diretamente globalizadas numa ação conjunta, que é o próprio grupo. O indivíduo e a sociedade acabam sendo aspectos de uma única realidade psíquica. Elwood C. A. dirá, baseado nisto, que o espírito do homem é parte de um todo, bem mais vasto, pois, o contexto, o suporte das cons­ciências, é uma resultante da herança e do meio ambiente social. Mc Dougal usará do comportamento para determinar, como já foi dito, os instintos fundamentais da nossa espécie que, para ele, são a afirmação lógica e natural do próprio espírito, visto e entendido, como consciência.


5. A evolução do pensamento sociológico no seu acidentado caminho, apesar das diversas tendências, parece convergir para conceitos que se encaminham para concepções decisivas. Referimo-nos à reconhecida interdependência objetiva, existente entre as relações antropológicas e as estruturas sociais, assim como a fixação da dimensão, da dinâmica coletiva na totalidade dos fatos sociais, na composição da antítese homem-sociedade, na projeção dos elementos psicológicos, na visão integral do homem social com o aprofundamento das análises dos fatores de coesão social.

A posição bioorgânica e que se sintetiza em etno-antropo­logia valoriza as leis da evolução natural e valoriza, também, a heterogeneidade das etnias e os vários elementos sociais que as cercam. Tarde e Sergi criticam esta elaboração, achando que a etno-antropologia se mostra insuficiente como também o é aquela biológica, quando quer explicar a problemática da luta social, através da competição e da seleção.

Os organicistas procuram a especificação dos fatos sociais na demonstração de que o grupo social é uma realidade distinta e nunca uma simples justaposição de indivíduos. No que se refere à teoria da imitação de Tarde, constitui-se numa tentativa de incutir o sentido da Psicologia individual à Sociologia.

Insuficiente é a posição sociogeográfica, que está presente em Spencer e Montesquieu, aliada à cooperação do caráter social com o caráter do ser humano. Para a corrente tecnológica, o evoluir técnico seria o fator estrutural da essência da própria sociedade. Entretanto, a interrelação economia e socialização, riqueza monetária e distribuição comunitária, paralelas ao tecno­logismo, não são inevitáveis sintomas de influência, em virtude de uma dinâmica criada pelo sistema econômico.

A Sociologia de nossos dias, refletindo a variabilidade científica existente e a complexidade social, elaborou sociologias particulares. O estudo das estruturas somente pode ocorrer pelo exame de singulares fenômenos sociais, de uma sociologia, por­tanto, particular, cujo corpo se insere nos princípios e nas propo­sições da geral.

A Sociologia, em seu plano geral e particular, embora apele para outras ciências e disciplinas (História, Filosofia, Política, Ecologia), não consegue, com elas, discernir seus objetivos. Isto pode dar a errônea impressão dela ser uma mera ciência social síntese; porém, as formulações próprias apagam esta ideia, visto que lhe dão uma autonomia que lhe é inerente.

A Sociologia não deixa de ser, concomitantemente, uma disciplina central, coordenadora das várias ciências particulares, ligadas a sistematizações das estruturas, transformações sociais, verificação das leis sociais e terapia social.

Cria, dentro da sua autonomia, pelo relacionamento com outras ciências sociais, seu quadro sistemático de conceitos, que inclui a interação, comunicação, cooperação, integração, personalidade, estabilidade, dinâmica dos grupos, classes sociais, anomalias, comportamentos desajustados, atitudes antissociais, periculosidade e status.


6. Esta visão síntese da Sociologia Geral, no momento atual, nos permite abarcar, sob um aspecto novo, o específico problema da criminalidade. O uso dos novos conceitos da Sociologia Geral contemporânea, que recusa ser “postulado de contínuas ideias”, mas consciente aplicação de conceitos, tornará mais sólida a visão da problemática questionante.

A busca das respostas ao interrogatório etiológico, em que se coloca o delito como fenômeno social, é bem enfocada na investigação criminógena. Os primeiros trabalhos se situam no início da concepção determinista na gênese do delito e mais particularmente com os estudos realizados por Quetelet em 1820, originando-se uma atividade que se deno­minou de “físicassocial”.

Nasce a tendência de que o delito era uma manifestação típica e própria do meio social em que se produzia e também um reflexo das condições ambientais que o determinaram (estavam as de ordem natural como a geografia, clima). Ao lado iniciou-se a pesquisa das relações entre os membros do grupo global, a dos grupos sociais entre si e a incidência que teriam certos fatores econômicos. Não se pode olvidar que já Tomás More, Montesquieu, Aristóteles e Rousseau haviam feito o enfoque econômico. Por coincidência histórica, esta orientação no estudo científico do delito ocorreu contemporaneamente com as primeiras mani­festações das lutas de classe com o maquinismo e a revolução industrial. O materialismo histórico e a crítica do capitalismo como sistema de produção causando as injustiças sociais, também atribuíram ao delito uma estreita relação de dependência.

É anacrônico considerarmos o delito como fenômeno de massa em oposição ao fenômeno individual, visto que há uma adequação de fatores sociais, no que concerne à sua intensidade, em interligação com a atitude individual do autor. Uma visão da criminalidade como fenômeno exclusivo de massa cria um óbice à compreensão dos casos individuais e sem inserimento no processo social, na reciprocidade social e, consequentemente, na gênese do delito. Não olvidamos os “casos-limites” (homicí­dios, delitos sexuais por alienação psíquica ou por ação de pessoas anormais, em que os estímulos do meio circundante lhes é indiferente) ou quando as condições sociais reforçam os estí­mulos, aumentando a fragilidade do poder individual de censura, envolvendo seres normais. Se nesta hipótese buscamos a preponderância do “ato individual”, do singular sobre o coletivo, faríamos reviver a teoria do fator preponderante, inteiramente superado pela Sociologia moderna, que recusa a unidade do elemento, colhendo na variabilidade da realidade social o conjunto de componentes e os consequentes tipos de comportamento, com reflexos profundos na infra-estrutura social.

Por questões metodológicas, são admitidos três grupos de fatores: o singular (o delito relacionado com a personalidade); o de série (análise de casos singulares com relação a situações análogas) e o de massa (dados estatísticos gerais e particulares), que traduzirão indicadores na medida da criminalidade. Todavia, isoladamente, num exame etiológico, sentiríamos que a simples observação da massa, visto que o plural eliminaria o individual, seria inútil, porque não pode ser excluído em sua caracterização, no quadro geral da delinquência. Os fenômenos observados na sua multiplicidade são apenas compreensíveis quando não são incluídos no “caso individual”. Um exame singular do autor e, consequentemente, do delito não fornece dados necessários para detectar aspectos típicos, sendo necessário operarmos com a trilogia de fatores apontados sem perdermos, num método, o indicador de reciprocidade.

A Sociologia estuda o fenômeno delitivo através de dois aspectos essenciais: quantitativo (soma de singulares individuais), qualitativo (resultante nas noções intersubjetivas, exame do comportamento da massa, sua ação de contexto sobre a indivi­dualidade). Por outro lado, é impossível uma visão dos problemas delitivos sem que o analista tenha como pontos de referência: fatores psíquicos em interligação com a coesão social, que podem estimular ou não as causas ou anticausas da ação delitiva; fatores ambientais em conexão; finalmente, transformações sociais e das condições sociais com o exame do dado estatístico e dinâmico da situação delinquencial.


7. O controle social deve ser compreendido na relação de interação e nas concepções institucionais de uma sociedade. Todo comportamento é uma estrutura fundamentada num valor, que é o seu próprio ponto de partida. Sendo o controle social um reflexo integral da estrutura, o Direito, neste aspecto, se torna a pedra angular, a começar pelo fato de que o relacionamento social é regulado na medida em que o homem interfere no processo social. A causalidade e a liberdade de situação tornam a legalidade vulnerável e, se estabelecemos uma tipologia normativa da conduta enveredando por um endereço naturalístico, diluiremos o conteúdo moral. O princípio da livre vontade só faria sentido se prevalecesse o conceito de imputabilidade e antijuridicidade.

A Criminologia “impõe” a substituição do comportamento delitivo pelo ajustado, com graus e intensidade de periculosidade, incluindo as condutas antissociais. Suas propostas se fixam no estudo das motivações gerais em relação à imputabilidade e aos processos psicossociais, à insegurança do status, à personalidade e ao amadurecimento social do indivíduo. Também volta-se à ecologia social, na distribuição da criminalidade nos centros urbanos e rurais, em relação ao sexo, e aos conflitos de normas e culturas oriundas de certas situações que levam a comporta­mentos positivos, negativos ou desajustados. Não podemos esquecer as concausas da criminalidade, num critério multifatorial, condicionado o transgressor pelo desenvolvimento das exigências da vida, até a prática do injusto penal.

A extensão do delito e a variedade dos grupos sociais nele envolvidos, refutam a tese de que pode ser explicado por generalizações causais ou resolvido com o planejamento econômico. Há necessidade de encará-lo como um conjunto das transformações sociais, da estrutura da população geral, da estabilidade da organização política e dos valores políticossociais. É evidente o caráter sociopolítico. Diz López-Rey[3] que, com a nova dimensão, o injusto individual e a Criminologia clínica não podem ser encarados como pontos de partida para as generalizações criminológicas.

Quando se estuda o comportamento delitivo devem-se observar os motivos e os objetivos do autor, que não são únicos fatores, diante da proteção do ordenamento jurídico. Para o citado escritor, “o crime, e não o transgressor, é que é o ponto de partida e de retorno da política criminal, assim como da Criminologia e da Penologia”.

As manifestações de inconformismo podem gerar ou não condutas delitivas, sendo que um indivíduo que se opõe à discriminação, numa sociedade de discriminação, pode ser considerado desajustado e até autor, quando está perfeitamente ajustado a um sistema de valores políticos e sociais mais altos.

A decisão final quando se trata do problema do injusto penal não é do âmbito de um processo de causalidade, mas de avaliação em concordância com valores fundamentais incorporados à ordem legítima. Existem, para tanto, no que se refere à Criminologia, as teorias causais do delito, ainda não podendo fornecer uma explicação científica e segura do autor, quer como ato individual, quer como fenômeno geral, o caráter neutro da ciência, visto que nenhuma experiência deveria ser usada sem ser observado o respeito aos direitos humanos; o sistema de valores não é imutável, provando, historicamente, ser mais seguro do que as descobertas e teorias de Criminologia científica.

O estudo do delito, do delinquente, da vítima e do controle social, o questionamento do sistema de justiça penal é secular, e algumas de suas descobertas do passado são válidas, sendo que muito do que é apresentado como “novo” já era conhecido há muitos anos.

A teoria de que o delito é consequência da desorganização social tem em Sutherland seu maior representante, ao sustentar que a origem e a persistência dos conflitos culturais, relacionados com os valores expressos pela lei e pela associação diferencial que é baseada nos conflitos culturais, são devidas à desorganização social. O conflito cultural é um aspecto específico da desorganização social e num sentido os dois conceitos são nomes para pequenos e grandes aspectos da mesma coisa. Sem falar no tipo de organização que poderia evitar o injusto penal, sugeriu a substituição do sistema individual pelo comunismo. O problema da consciência humana é tratado por Marx, afirmando que “não é a consciência dos homens que determina sua existência, mas, pelo contrário, sua existência social lhes determina a consciência”. O fato é que o homem não produtivo não ingressa nas relações sociopolíticas. A produção de ideias, de conceitos de consciência, é, a princípio, mesclada com atividade material e as relações materiais do homem - a linguagem da vida real.


8. A doutrina materialista, ao contrário da opinião de Marx, referente à mudança das circunstâncias e da educação, esquece que as circunstâncias são modificadas pelo homem e que o próprio educador tem de ser educado. Tal doutrina tem de dividir a sociedade em duas partes, cada uma das quais é superior à sociedade.

Marx, como vários sociólogos e psicólogos contemporâneos, acreditava que houvesse algo como uma natureza do homem, que ao nascer fosse como uma folha de papel em branco na qual a cultura escrevia o texto. Partiu da ideia de que o homem como homem é uma entidade identificável e verificável, podendo ser definido não apenas biológica, anatômica e fisiologicamente, mas também psicologicamente. Diante da distinção entre uma natureza humana geral e a expressão específica desta em cada cultura, Marx reconhece dois tipos de impulsos e apetites humanos: os constantes (desejo sexual) e os relativos (têm origem em certas estruturas sociais e condicionais de produção e comunicação). Cita como exemplo as “necessidades de dinheiro”, necessidade real criada pela economia moderna, concluindo que o potencial do homem é global.

O método socialista da teoria do injusto baseia-se em que a filosofia marxista-leninista, que é uma declaração de materialismo filosófico, encara a evolução econômica como fator dominante que determina a estrutura social total. Assim, não só as condições de vida são determinadas pelos sistemas de produção, mas o progresso político, social e espiritual. Os dogmas - não a consciência que determina o homem, mas seu ego social que determina a consciência - fornecem contribuições acidentais à teoria do injusto. Para Marx e Engels o crime era uma consequência das condições econômicas competitivas da exploração que desapareceriam na estrutura socialista da sociedade. Isto ocorreria eventualmente porque não manteríamos a ilusão abolicionista. Acreditavam no controle do conflito porque sabendo que o materialismo dialético, as transformações no campo da educação, saúde e cultura, ligados ao problema delito, trariam reflexos diretos e imediatos. Marx nunca foi favorável às concepções do mecanismo psicológico e sustentou que o homem é que produz seus próprios conceitos e que a consciência é determinada pela vida. Em toda a probabilidade constitui a parte mais importante da Criminologia socialista no sentido em que opõe o desenvolvimento social aos processos naturais.

A mais sóbria definição socialista de Criminologia é encontrada em Minkowski,[4] sabendo ele que a Criminologia soviética é uma ciência complexa que avalia os resultados obtidos para o Direito Penal através da filosofia marxista-leninista. Lekscras junta a união do Direito Penal com a Criminologia, dizendo inexistir a separação entre o mundo legal e o social. Enquanto na Polônia não foi superado o campo teórico, na Hungria, Szabo advoga que o delito é um produto de condições sociais, que as características essenciais da personalidade são determinadas por tais condições e que o homem é um gestalter, origina possibilidades, acontecimentos e fatos. O homem é a “causa do desenvolvimento” de seu comportamento em geral e do delito em particular.

No enfoque sociológico, se a pobreza não é causa direta do delito, grande parte possuem inteira relação com as condições de pobreza existentes. E não é menos verdadeiro que nenhum conjunto de reformas socioeconômicas eliminará totalmente o delito e nenhum sistema econômico alternativo atingirá tal escopo, apenas servirá de panaceia.

Os autores ortodoxos marxistas há muito vêm tentando atribuir o delito ao capitalismo, no que foram seguidos por William Bonger num trabalho em que diz que “as tendências egoísticas” adotadas por tal regime geram o delito, ao contrário do que ocorreria em condições de vida sob formas cooperativas. As evidências apresentadas pelas sociedades fundadas em tal pensamento e governadas pelos princípios marxistas não demonstram que o socialismo erradica a criminalidade. Os soviéticos logo após a revolução eram otimistas em relação à extinção eventual da criminalidade, porém as condições de vida pós-revo­lucionária e a aparente necessidade da manutenção de um sistema político e social viável impeliram a revisão dos projetos. A extinta URSS jamais conseguiu fazer sequer diminuir a taxa de criminalidade.

Nos dias atuais, depois da integração e desintegração comunista, o delito na Rússia é tão grave como em qualquer outro país, principalmente o delito político, o econômico e nas organizações criminosas. A preservação de um dogmatismo ideológico origina a formação de uma série de delitos e a sua multiplicação por uma posição oficial. A tese da desorganização social é ainda usada pelos criminólogos, ignorando o fato de que nenhuma estrutura social será mais livre de contradições, desigualdades e conflitos, quaisquer que sejam os regimes. A evolução e a renovação implicam em desorganização e em despojamento social e a nova organização poderá erradicar algumas fontes de crimes, porém criará novas.[5]

Taft diz que “a mudança básica necessária à prevenção do crime seria a incorporação em nossa cultura de um ponto de vista genuinamente científico que encararia os criminosos como produtos. Tal sociedade não julgaria o criminoso individual responsável apesar de continuar a julgá-lo completamente responsável pelo próprio comportamento”. A tese atrai muitos países em desenvolvimento que presumem que logo que a organização sócio-econômica crie raízes, o delito será reduzido consideravelmente.


9. A teoria da desorganização social olvida que em qualquer estrutura social haverá contradições, desigualdades e conflitos, dando oportunidade ao surgimento de novas condutas delitivas, visto que nenhuma organização social é permanente.

Outrossim, o aspecto socioeconômico não aumenta nem diminui a criminalidade. A tese peca por ser um postulado demasiado geral, de pobre fundamento social, político, econômico e criminológico.

Diz López-Rey que os sistemas socialistas só seriam eficientes, desde que sejam livremente aceitos e mantidos; porém, como qualquer outro sistema sociopolítico, criam suas próprias formas de criminalidade.

A teoria de transformação social, observada sob o ângulo criminológico, é confusa e imprecisa, produto de uma Criminologiacausalística que procura na abstração dos conceitos empíricos toda a explicação do comportamento delitivo. Dentro das áreas de conceitos íntimos surgem a industrialização, o urbanismo, a mobilidade, a anomia, a modernização, afirmando-se a diminuição de segurança social anterior e o aumento da criminalidade. A evolução histórica abordada no primeiro capítulo demonstra que em toda época a segurança individual e coletiva foi sempre relativa; o homem grego gozava de menos segurança que o contemporâneo. Ao apogeu político e cultural segue o da corrupção. Taft vê uma correlação entre a transformação social e o delito porém elabora um equívoco no conceito subcultural: o delito está presente em todas as sociedades em funcionamento.

A sucessão de fatos traduz causalidade, laborando em erro pensar que as transformações sociais explicam a criminalidade, principalmente nos países de rápido desenvolvimento.

Di Tullio advogava que o delito é sempre um episódio, consequência da falta de adaptação às exigências da vida social. Diante da desordem psíquica efetiva com a quebra da resistência individual. Afirmava que a personalidade do delinquente seria o fundamento da aplicação da norma penal, havendo necessidade de serem adaptadas as leis penais à personalidade dos delinquentes. Desta forma, o Direito Penal seria uma instituição eficaz à defesa social e poderia contribuir para a recuperação dos transgressores de alto potencial de risco conflitivo. Na sua Criminologia clínica diz que o estudo do delinquente deve ser direcionado para uma concepção moderna de personalidade – num todo unitário - considerando os fatores meteorológicos, funcionais, psíquicos, espirituais e filosóficos. Todo o trabalho do criminólogo italiano é no sentido do delito ser produto do conflito individual, onde a constante é a personalidade do delinquente, tornando necessária a investigação da evolução física, psicológica e a capacidade de adaptação do homem ao grupo. Os críticos do grande mestre italiano sustentam a impossibilidade da personalidade do delinquente (modelo clínico) ser a pedra de toque da reforma do Direito Penal, que a concepção da profilaxia teria por objeto eliminar ou limitar todas as condições biopsicossociais do infrator e que indiretamente reforçaria vários fenômenos delitivos, o que se traduziria por irrealidade científica e pragmática. O chamado grupo de Rebibbia, seguindo o endereço da Psicologia, não olvida que a Criminologia não pode basear-se unicamente na personalidade do transgressor das normas penais.

A exigência de uma integração tem sido afirmada em diversas oportunidades, e Ferri já houvera definido nossa ciência como a disciplina “sintética” que incorporava e reunia a Antropologia e a Biologia Criminal (similarmente precedeu Inge­nieros).


10. Do ponto de vista da Criminologia prevalentemente socioló­gica (paradigma crítico), a relação com a Criminologia clínica (paradigma etiológico) foi uma etapa para o desenvolvimento de um método unificado e integrado no estudo do comportamento do delinquente e do controle social. No passado, imaginava-se que o sociólogo poderia atuar em completa “solidão”, desenvolvendo suas próprias teorias gerais e parciais sobre a estrutura social geradora de injustiças sociais, as quais por sua vez eram criminogenéticas. Com terminologias diversas se fazia referência à distribuição desigual de riqueza às diferentes classes sociais e as pressões faziam a uniformidade ou o desvio à instabilidade ecológica das “zonas de transição”, o conflito de valores, a anomia, a estrutura diferencial das oportunidades, o conflito cultural, a subcultura dos delinquentes e o sistema de valores de classe. A desorganização social e o problema do delito assumem um papel social na análise da organização geral da sociedade e pouco a pouco vai se dedicando um certo grau de interesse e discussão da criminalidade como instituição social. No thema investigação etiológica, existem áreas em que há necessidade imperiosa de incorporar a Criminologia clínica à sociológica, utilizando um modelo híbrido, contemporaneamente separado pelo paradigma crítico.

Os conceitos e as hipóteses operativas derivadas da teoria das associações diferenciais [6] implicam a utilização de conhecimentos teóricos sobre a aprendizagem e outros fatores psicológicos e sócio-psicológicos. A anomia se considera como um fenômeno baseado na ausência ou sobre o conflito de normas introduzidas como um ser da personalidade. A percepção diferencial dos estímulos externos compreende variações de personalidade, algumas das quais se encontram fora do campo da Sociologia tradicional ou das possibilidades de investigação do sociólogo. O conflito cultural e o delito podem ter lugar, porém não existem vários indivíduos que se encontrem em circunstâncias idênticas ambientais e, não obstante, só alguns são envolvidos numa situação conflitual que entre outros não alcança. A análise subcultural - ou seja, que se tenha em nível de uma classe inferior “como ambiente gerador da delinquência”, ou limitada as gangs que rechaçam os valores da classe média, ou indicadas como subculturas conflituais, criminais ou de fuga ­não tem sido tão determinante para estabelecer que todos os indivíduos compreendidos ou excluídos de sua conceituação sejam igualmente envolvidos ou igualmente contrários aos valores e às normas subculturais.

É amplo o panorama de mudanças sociais, particularmente nas chamadas “ilhas de modernismo”, permitindo um profundo exame de situações especiais de conflito entre grupos sociais que fazem presumir focos criminógenos, baseados em aparentes situações anômicas. As importantes diferenças sociais fazem pensar que a subsequente formação de subculturas autóctones dão possibilidade a outro estudo de fatores genéticos de desvio social. Poderíamos nos socorrer dos autores que expuseram com maior mérito as teorias sobre a origem da conduta de desvio a fim de ajustarmos nossa afirmação. Robert Merton expandiu a noção de anomia e introduziu um esquema de meios para um fim que ressalta a tensão e a força da estrutura social, as disparidades daquilo que era querido, e as metas que poderiam ser atingidas. As aspirações e a falta de obtenção são observadas não pelo ângulo da frustração social, mas de um nível muito mais elevado que apresentavam os sistemas culturais em conflito.[7]

Já Thorsten Sellin prestou atenção a estes conflitos culturais em termos de conflitos de normas “quando estas se chocam no limite de contíguas áreas culturais”. Falou de “conflitos entre normas de sistemas culturais ou áreas” e ajudou a transformar os interesses de investigação criminológica. Certo, quando afirma que “os conflitos de cultura são inevitáveis, quando as normas de uma cultura ou área subcultural migram ou se veem em contato com aquelas provindas de outra”.[8]

Sellin elabora de forma genética a tese do delito como ex­pressão de um conflito de cultura com determinadas normas de comportamento, cuja violação determina a reação dos participes do grupamento societário. A norma jurídico-penal seria o instrumento garantidor de interesses. Assim, o conflito entre a reação individual e as normas de conduta poderia ser evitado, segundo o autor, através de um processo de aculturação, mediante a absorção de ideias que, como elementos culturais, se incorporam na mente e se transformam em elementos da personalidade. Sustenta que a personalidade é um produto social, deliberação e hábito são respostas, sendo fator decisivo se a norma de conduta, por meio da absorção, transforma-se no seu principal elemento integrativo. Partindo do grau de absorção, desenvolve uma série de tipos que requerem investigação criminológica para efeitos preventivos e de tratamento. Tal tese apresenta um conceito limitado de cultura, tendo López-Rey, em primorosa síntese, rechaçado, objetando que a equiparação da cultura a um conjunto de ideias que se incorporam aos costumes, crenças e demais instituições sociais é carente de sistemática e conteúdo próprio. As expressões - norma de conduta, norma penal, código de conduta, regras de grupo - são repetidas por Sellin sem elaborar distinção. Considerar a personalidade como um produto social torna difícil considerar o seu conteúdo no processo de absorção, vital para a investigação criminológica. A construção do professor de Sociologia da Universidade da Pensilvânia é vulnerável e abstrata, se identifica com a elaboração norte-americana. O conceito básico de cultura formulado é vago para o conflito, principalmente quando trata na quarta parte do conflict of conduct norms após situar-se sobre a sociological approach to study of crime causation. Num todo o delito é consequência pura de um conflito social.[9]


11. Se analisarmos de que maneira na atualidade as teorias sociológicas contemporâneas sobre o delito e a delinquência surgem como manifestações de diversos sistemas de cultura, chegaríamos à posição de Cohen que aborda a subcultura do delinquente, asseverando que esta surge do conflito com a cultura da classe média, constituindo, portanto, uma série de normas, uma maneira diversa de viver, indiferente ou que está em conflito com as normas da sociedade.[10] Já Walter Miller pensou que, pelo contrário, as gangs juvenis surgiam não como uma reação às normas da classe média, senão em resposta à classe sócio­-econômica inferior.[11]

Também oferecem uma particular concepção etiológica Cloward e Ohlin, pois que ao distinguir as subculturas encontraram que tanto as oportunidades legítimas como as ilegítimas expandidas ao largo de uma estrutura social, permitem o acesso a metas desejadas e que, portanto, o delito pode ser um dos caminhos na ascensão social.[12]

Wolfgang em The Subculture of Youth sustenta que a sub­cultura é uma subdivisão da cultura, compreendendo capacidades, ideias e crenças de determinado grupo, contendo juízos valorativos ou sistemas de valores sociais. A construção do discípulo de Sellin se identifica com o todo sem nada especificar objetivamente. A tese da subcultura tem como suporte a premissa de que a cultura é desenvolvida num processo harmônico e regular, desconhecendo que mesmo nas áreas sociais uniformes há contradições. Dificilmente, pode ser afirmada a existência de um conflito com a cultura dominante ou o sistema central de valores, havendo de real, uma confusão conceitual e lógica (cultura, subcultura). Manejando, superficialmente, conceitos por identificações incorretas informam um sistema genérico e empírico. Chegam a equiparar conflito cultural ao normativo, a ano­mia e a subcultura da violência.

Certo Lópes-Rey quando critica afirmando que o desprezo pela precisão conceptual e a exigência sistemática constitui um dos pontos mais frágeis da Criminologia. Cultura há que se entender a invenção, a criação na esfera moral jurídica, científica, artística, social e política, não podendo ser confundida com o processo científico e tecnológico, adquirindo certa uniformidade na interrelação internacional. Cultura, norma e valor possuem campo próprio. O delito, a prostituição, a homossexualidade e a mendicância são aspectos normais da sociedade, sem que integrem a sua cultura, ainda que indiretamente se inter­relacionem. Há delinquentes habituais e profissionais que não caracterizam ou identificam qualquer grupo, e por outro lado os delitos financeiros e econômicos são frequentes nas classes não apontadas pelas características subculturais. A constante confusão conceptual conota parte da Criminologia e a introdução das normas de cultura (Mayer) e do conflito de normas (Sellin) no Direito Penal e na Criminologia traduzem uma limitação residual das unidades, ignorando a extensão da criminalidade convencional ou não-convencional. Diante da interdisciplinaridade, a Criminologia e o Direito Penal formam um sistema que varia em razão da estrutura socioeconômica e política da sociedade dominante ou institucionalizada.

Nos dias atuais, a violência é parte integrante da sociedade de risco, o homem médio recebe na macrossociedade aberta o estímulo integrado pela violência aceita, punindo-se a resposta, quando foge aos padrões preestabelecidos (intolerabilidade). A violência está não apenas nos injustos contra as pessoas e nos dados materiais, mas também dissimulada nos negócios comerciais, na ação política, na organização do trabalho.

A tese cultural ou subcultural carece de fundamento e politicamente implica em discriminação.

Finalmente, reclamamos em Wolfgang e Ferracuti que, mediante um cuidadoso estudo de diversas situações de interação, e de acordo com tantas realidades atuais, em determinadas circunstâncias, um sistema subcultural não só utiliza a violência por impulso de estímulos agressivos instintivos ou provocados, senão que chega a exigir o uso da violência.[13]

Entendemos que nem os fatores criminológicos individuais, nem as condições ambientais econômicas e sociais são adequadas para justificar qualquer ação individual. Podem existir algumas circunstâncias nas quais os fatores individuais possam desempenhar um papel relacionado a um meio social específico (nos psicopatas, o impulso é mais por fatores individuais do que sociais). São as desvantagens sociais e econômicas que devem ser objeto de maior atenção. A delinquência não é resultante só de fatores individuais, nem tampouco de um nocivo meio social, originando-se de uma resposta individual aos estímulos do ambiente socioeconômico que a circunda. A explicação para a ausência do sucesso de uma satisfatória explicação para a etiologia criminal ressalta da necessidade de incrementar a investigação interdisciplinar, os fatores constitucionais, psicológicos e sociais. Esta investigação multipacífica é necessária para explorar totalmente a multiplicidade de fatores individuais e sociais que conduzem à criminalidade. Nenhum indivíduo é a indireta e inevitável vítima da sociedade. É determinante a interação entre o povo, a vontade livre individual e as pressões - ou estímulos ­do meio ambiente. Quanto maior é esta pressão, maior dificuldade possui o indivíduo para lutar contra ela, o qual, por sua vez, influencia o resultado desta interação (reação mútua de dois ou mais indivíduos em contato: produz e inter-relaciona pessoas, sociedades, heranças sociais, culturais distinguindo-se da mera interestimulação). A investigação não se interessou ultimamente pela conduta criminal per se, mas pelo produto de variações sociais e econômicas, e, como uma parte da conduta social deve estudar as forças estruturais e debilidade social. O funcionamento dos grupos e o jogo de forças sociais que apare­cem são modeladores e remodeladores de exemplos entre indivíduos dessa sociedade.[14]

O comportamento criminal não pode ser estudado in vácuo como se fora um comportamento à parte, em lugar de uma conduta ser parte de uma conduta geral e um aspecto da dinâmica das diversas forças que atuam em todas as sociedades (a possibilidade da ação delitiva varia inversamente com as probabilidades abertas a um indivíduo para a satisfação de suas necessidades por meios legítimos, estabelecendo-se uma correlação entre as inferiores condições de vida, a família, o baixo nível de educação, qualificação profissional e o desemprego).


12. A Criminologia inicialmente estava condicionada ao campo de especulação teórica e da discussão acadêmica, somente após a II Grande Guerra Mundial passou a ter uma direção voltada para a realidade. A aparição da patologia social (paradigma etiológico) alargou sua es­fera de ação desde o comportamento definido legalmente como injusto penal até outras formas desviadas de convivência social e, por­tanto, a tarefa promocional, limitada a impedir o cometimento de atos tipificados, se restringe a atividades preestabelecidas pelo ordenamento jurídico.

Chegou-se ao reconhecimento de que o comportamento criminal é outra forma de desajuste social, difícil de empreender e controlar, a menos que se torne uma ampla esfera de males sociais. É sempre moroso o processo de modificação legislativa, não só pela complexidade da estrutura legal, mas também pela insuficiência informativa da investigação criminológica.

Clinard advoga em ensaio crítico sobre a criminalidade, partindo de que a Criminologia é o estudo científico do delito e que significa o emprego de métodos científicos no estudo e na análise das uniformidades, padrões, relacionamentos causais com o delito e o comportamento delinquencial posiciona-se sob o tripé: a) sociologia do Direito; b) natureza e causas do atuar criminoso; c) ­ prevenção e tratamento. Após sua exposição histórico-evolutiva sobre as teorias criminológicas, sustenta que os criminólogos que defendem uma explicação eclética ou multifatorial para o comportamento delinquencial misturam traços da personalidade, família, pobreza, associados a problemas habitacionais e outros fatores para tentar explicar o crime.[15] Aponta como vulnerabilidades da escola do fator múltiplo: a) explicações confusas por meio de fatores individuais como apenas uma teoria ou um sistema aplicável para todas as hipóteses; b) cada fator é creditado como contendo em si uma capacidade de produzir transgressões normativas, sem determinação ou poder previsível de cada fator; c) a maioria dos autores que os “maus” aspectos da sociedade, tais como a “pobreza”, “lares infelizes”, “más habitações” produzem delitos; d) o que sustento é a conjugação de fatores positivos gerados da família, educação, saúde, habitação, qualificação profissional e geração de empregos.

Sustenta que decresce o número de livros de Criminologia que encaram o comportamento criminoso sob o ponto de vista psicológico ou analítico através do modelo médico (paradigma crítico). Por sua vez os fatores culturais seriam vistos não como determinantes do comportamento criminoso conformista e sim como um contexto onde tais tendências afloram. Para o citado autor o modelo médico para o comportamento delitivo não é de maior validade porque o comportamento varia de acordo com as situações e papéis de o indivíduo continuar a desempenhar na vida social, bem como as explicações dos psiquiatras e dos psicanalistas sobre o comportamento criminal não teriam sido comprovadas cientificamente, visto que os experimentos foram sempre criminosos e não-criminosos. Repita-se, contemporaneamente, há a mudança do paradigma etiológico para o paradigma crítico.

Quando trata do controle social e da natureza do delito diz que todas as sociedades e grupos desenvolvem maneiras de lidar com todo o comportamento que sai fora da faixa de tolerância. Tanto as sanções negativas quanto positivas são medidas de controle social, que podem, por sua vez, ser classificadas como controles formais ou informais.

Controles informais de comportamento podem ser observados de maneiras específicas através de mexericos, ridicularização, reprimendas, elogios, críticas, sinais, olhares de aprovação ou desaprovação, negação ou entrega de afeto, ostracismo e outros métodos. Estes controles são extremamente importantes em qualquer sociedade por serem os baluartes dos controles mais formais da lei. São extremamente eficientes em situações onde prevalecem relacionamentos pessoais primários.

Controles formais envolvem sistemas organizados de agências especializadas e técnicas padronizadas. Existem dois tipos: a) os instituídos pelas agências não-oficiais; b) os impostos pelo Estado político.

Selecionar e cognominar uma pessoa como um criminoso depende portanto de fatores como classe social, ocupação, base étnica ou racial, idade, vida pregressa criminal, a situação em que ocorre o comportamento, pressões da opinião pública e os recursos disponíveis para aprender a lidar com os delinquentes. Muitos dos que são enviados para a cadeia, por exemplo, são os que não puderam contratar um bom advogado, os que não tinham influência sobre o poder político, ou, em alguns países, quando são indivíduos pertencentes a grupos minoritários discriminados. Indivíduos que entram ou são processados através do sistema judicial não constituem, portanto, em sua maioria, criminosos, ou nem são necessariamente os piores tipos de criminosos.

Não é necessário afirmar que a estrutura econômica de um país é de fundamental importância para a vida da coletividade e, por consequência, essencial para o estudo do atuar delinquencial, potencializado pelas crises cíclicas que sofrem as economias dos países desenvolvidos ou em processo de desenvolvimento.


13. Não há necessidade de consultarmos as estatísticas para constatarmos a taxa de criminalidade em que o bem tutelado é o patrimônio particular ou estatal. Outrossim, basta notar que a massa carcerária em todos os Estados da Federação é constituída na percentagem quase absoluta de pessoas economicamente desassistidas. Aliás, é característica de nossa microsociedade ser a população carcerária miserável social e culturalmente. Já começamos a constatar um novo perfil diante da efetiva ação do estado em relação à criminalidade organizada (pirataria marítima, material nuclear, tráfico de armas e pessoas humanas, contrabando, jogos eletrônicos, lavagem de dinheiro, evasão de divisas, pedofilia, fraude em cartões de crédito, crimes informáticos) e criminalidade sem vítimas imediatas (corrupção e tráfico de drogas).

A estreita relação com as teorias do conflito social e da análise ecológica está na denominada teoria da subcultura da violência desenvolvida principalmente nos ensaios Street Corner Society de Whyte[16] (“hierarquia de relações pessoais assentes num sistema de obrigações recíprocas”) e no livro Delinquents boys de Cohen. Sustentam em resumo que as áreas habitadas pela população pobre e marginalizada socioeconomicamente não se caracterizam pela desorganização ou falta de controle social, visto que existe um sistema de normas que as preside, que se diferenciam do sistema existente na sociedade dominante.

A satisfação de suas necessidades possibilita um maior uso de um modelo de conduta antissocial ou delitivo. Seria uma cultura própria dentro de uma cultura, isto é, uma subcultura?

A análise feita por Cohen apresenta que o ato de subtrair objetos não está diretamente só relacionado com um fim de lucro, mas é uma atividade valorada ligada à fama, ao valor e à profunda satisfação do infrator perante o grupo marginal. Poderíamos citar as investigações feitas[17] sobre a gênese da subcultura em relação e como evasão da cultura em geral.

Cohen no estudo da cultura da gang diz que um fator que não pode deixar de ser observado na construção da teoria sub­cultural é de que os problemas humanos não são distribuídos na mesma forma e intensidade pelo sistema social. Cada idade, sexo, categoria étnica, cada ocupação, estrato econômico e classe social tem seu quadro bem definido em relação e confronto com sua própria sociedade e que difere dos outros segmentos sociais. Os problemas e as preocupações do homem e da mulher são bem diferentes, seus julgamentos são distintos, seus meios de avaliação são outros, suas aspirações não são idênticas. Cohen fala em cultura do meio ambiente, em modelos próprios de cada meio, os quais estão continuadamente em mudança.

Como é possível uma inovação cultural emergir dos participantes de uma cultura tão pobre em motivações e tão conformista no já estabelecido?

Em relação ao ponto central da questão, sustenta Cohen: “... in effective interation with one another, of a number of actors with similar problems of adjustment”.[18] A transmissão do modelo cultural traz importantes diferenças aos problemas de ajustamento e de motivação adquiridos por novos comporta­mentos, em que procura mostrar como o delinquente da subcultura busca uma solução apropriada para os seus problemas em cada caso particular e para a elaboração e perpetração pelo grupo social.[19]

A sociedade contemporânea mudou, sofrendo grandes transformações sociais, políticas e econômicas com o aumento do catálogo de criminalizações, ressaltando-se o combate transnacional, em época de globalização, ao crime organizado num tratamento diferenciado com a criminalidade convencional e bagatelar.


[1] W. Chambliss, “The State, the law and the Definition of Bcharior as Criminal or Delinquent”, in D. Glaser, Handbook of Criminology, Chicago: Rand Mc’Nally College Publishing Company, 1974. [2] Grispigni, Introduzione alla Sociologia Criminale, Torino, 1928, 2-5. [3] Manuel López-Rey y Arrojo, Criminologia, Aguilar, 1978. [4] Minkowski, Questions on Research and the Pre­vention of Delinquency. Institut fur strafrecht, Humboldt Uni­versity, 1965. [5] Manuel López-Rey, Criminologia, Teoria, Delinquancia Juvenil, Prevencion, Prediccion y Tratamento, Biblioteca Juridica Aguilar, 1975. [6] Já citado. [7] Merton, Social Theory and Social Structure, New York, The Free Press, 1968. [8] T. Sellin, “Culture, Conflict and Crime, Social Research Council”, in Bulletin, n.º 41, 1938, 63. [9] López-Rey, Criminologia, Aguilar, 1975, 93/111. [10] Cohen, Delinquent Boys, Glencoe Illinois, Free Press, 1955. [11] W. Miller, “Lower Class Culture as a Generation of Gang delinquency”, in Journal of Social Issues, 1958, 14, 5 a 19. [12] R. A. Cloward y L. B. Ohlin, Delinquency and Opportunity: a Theory of Delinquent Gangs, Glencoe, Illinois, Free Press, 1960. [13] V. The Subculture of Violence: Towards an Integrated Theory in Criminology, Londres, Tavistock Publications, 1967. [14] López-Rey, “Contenido y Alcance de la Criminología”, in Revista de Criminologia y Política Científica”, no30, Santiago, Chile, 1940. [15] Sheldon & Eleonor Glueck, Ventures in Criminology, Tavistock Publication, 1964. [16] W. F. Whyte, Street Corner Society, The Social Structure of an Italian Slum, Chicago, The University of Chicago Press (1943), 1955, 269 e ss… [17] Cloward e Ohlin, Sykes, Matza, Bloch e Niederhoffer. [18] Ob. cit., 59. [19] Wolfgang e Ferracuti em seu clássico “The subculture of Violence” escrevem que para o suporte da tese há o seguinte corolário de proposições: a) No subculture can be totally different from or totally in conflict with the society of which it is a part; b) To establislt the existence of a subculture of violence does not require that the actors sharing in these basic value elements should express violence in all situations; c) The potential resort or willingness to violence in a variety of situations emphasizes the penetrating and diffusive character of this culture theme; d) The subcultural ethos of violencé may be shared all ages in a subsociety, but this ethos is most promi­nent in a limited age group, ranging from late adolescence to midle age; e) The counter-norm is no violence; f) The deve­lopment of favorable attitudes toward, and the use of violence in a subculture usually involve learned behavior and a process of differentiallearning, association, or identification; g) The use of violence in a subculture is not necessarily viewed as illicit conduct and the users therefore do not have to deal with feelings of guilt about their agression.”



 

Álvaro Mayrink da Costa

Doutorado (UEG). Professor Emérito da EMERJ. Desembargador (aposentado) do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

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