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A reincidência no Direito brasileiro



O tema ‘reincidência’ é objeto de discussão, desde o século passado. Recentemente, através da Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019, modificou-se o art. 112 da Lei de Execução Pena, no que concerne à progressão de regime pertinente a transferência para regime menos rigoroso, através de tabela tarifária. O Supremo Tribunal Federal preencheu a lacuna no que concerne à reincidência no crime comum com o crime hediondo ou equiparado

A Reforma de 1984, repetindo procurar não estigmatizar o condenado, tratou a reincidência como circunstância genérica obrigatória de aumento da pena e estabeleceu efeitos extremamente graves em relação ao regime prisional e benefícios. A moderna doutrina penal possui outra visão traduzida na frase de Munõz Conde, no Derecho Penal, Parte Especial, de que o reincidente “nem sempre é o mais perverso, nem o mais culpável, nem o mais perigoso em confronto com o primário”. Não se pode olvidar a coculpabilidade da macrossociedade na reincidência diante do processo deletério e dissocializador, desestruturando a pessoa encarcerada e impossibilitando a sua inserção macrossocial. Há uma corrente que entende ser de constitucionalidade duvidosa a agravação da pena obrigatória pela reincidência, diante do ne bis in idem, com patamar no princípio da legalidade, pois não poderia uma pessoa ser punida por mais de uma vez pelo mesmo injusto. Zugaldía Espinar, nos Fundamentos de derecho penal. Penal general, sustenta que o ato que originou a primeira condenação não pode obrigatoriamente servir de fundamento ao agravamento obrigatório pela realização de outro injusto penal, cuja pena foi ou está sendo cumprida, a não ser que se admita o Direito Penal do autor, contradição lógica com o Estado democrático de Direito. A forma de tratamento tradicional perpetuando os residuais no cárcere pela pesada carga punitiva redundou em total fracasso pelo retorno à vida marginal e criminosa (inoculização). No sistema brasileiro, a fixação das penas obedece ao que está subordinado ao princípio constitucional da individualização da pena (art. 5º, XLVI, CF/88) com a agravante prevista no art. 61, I, do Código Penal. A persistência no atuar desvalorado normativamente espelha o processo contínuo de dessocialização com efeitos deletérios para a reinserção e adaptação social do apenado, colocando em risco concreto a segurança pública e a paz social. Pode-se dizer que a reincidência é o espelho do fracasso do sistema punitivo. Há vertente doutrinária que advoga a inconstitucionalidade, diante do conflito com princípios constitucionais.


I - Conceito


Ocorre a reincidência, conceito jurídico, quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no país ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior (não contravenção). O réu pode manter a primariedade tendo sido condenado definitivamente pela prática de inúmeros crimes, desde que nenhum deles tenha sido praticado antes da primeira condenação transitada em julgado, observada a hipótese de prescrição (art. 64 do Código Penal). A noção de reincidência é legal, constituindo-se em uma circunstância agravante objetiva incomunicável. A questão pertinente à reincidência e ao afastamento do princípio da insignificância não está pacificada entre as Turmas da Corte Suprema. A 1ª Turma inadmite a aplicação do princípio da insignificância aos reincidentes, sob o fundamento de que “A reincidência, apesar de tratar-se de critério subjetivo, remete a critério objetivo e deve ser excepcionada da regra para análise do princípio da insignificância, já que não está sujeita a interpretações doutrinárias e jurisprudenciais ou a análises discricionárias. O criminoso reincidente apresenta comportamento reprovável, e sua conduta deve ser considerada materialmente típica” (STF, HC 97.772/RS, 1ª T., rel.ª Min.ª Cármen Lúcia, j. 3.11.2009). A 2ª Turma admite (STF, HC 106.510/MG, 2ª T., rel. p/ acórdão Min. Celso de Mello, j. 22.3.2011).


II - Maus antecedentes


Para efeitos judiciais, não inclui as meras anotações de inquéritos policiais registrados e as sentenças condenatórias apeladas sem trânsito em julgado. Assinale-se que, se tal fato ocorrer, o agente não será reincidente, o que constitui circunstância legal de aumento de pena, mas será possuidor de maus antecedentes, circunstância judicial para a fixação da pena-base. O conceito de primariedade e bons antecedentes não se confundem. Ser primário é não ter cometido no prazo superior a 5 (cinco) anos novo crime (para determinada corrente doutrinária, “da mesma espécie”) após o trânsito em julgado de crime anteriormente praticado, e ter bons antecedentes criminais é não ser réu ou, se condenado em ação penal que lhe foi proposta,ainda não ter transitado em julgado. Nada impede que havendo mais de uma condenação transitada em julgado, uma seja considerada para agravar a pena, como reincidência, e a outra, valorada como mau antecedente. Não há violação do princípio do ne bis in idem, uma vez que fatos utilizados para a exacerbação de pena-base não sejam os mesmos caracterizadores da reincidência (STJ, HC 91.841/MG, 5ª T., rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 3.2.2009). O Superior Tribunal de Justiça reitera que existindo registros criminais já considerados na primeira e na segunda fase da fixação da pena (maus antecedentes e reincidência) essas mesmas condenações não podem ser valoradas para concluir que o agente possui “personalidade voltada à criminalidade”. A adoção de entendimento contrário caracteriza a violação do princípio ne bis in idem (STJ, HC 165.089/DF, 5ª T., rel.ª Min.ª Laurita Vaz, j. 16.10.2012). A reincidência não pode ser considerada como circunstância agravante e, simultaneamente, como circunstância judicial (Súmula nº 241 do STJ). Não é necessária a homologação do Superior Tribunal de Justiça para o reconhecimento da sentença condenatória definitiva estrangeira.


III - Reincidência específica ou genérica


1. Não mais existe e com tratamentos normativos diferentes. Assim, ou é primário ou é reincidente (STJ, HC 61.052/DF, 5ª T., rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 24.10.2006). Tal orientação segue a linha da Reforma de ampliar os poderes discricionários do juiz penal. Não há que se falar em tecnicamente primário. A doutrina clássica dividia a reincidência em verdadeira, ficta, própria ou imprópria. A reincidência própria ou específica ocorrerá quando o novo crime for da mesma natureza do precedente, ao passo que será imprópria ou genérica quando for de natureza diversa. A reincidência será temporária ou a tempo determinado quando estabelecido um período de tempo a partir do qual não mais se constitui elemento de reincidência (prescrição da reincidência); ao contrário, será permanente ou a tempo indeterminado; quando não é estabelecido pelo legislador tempo determinado, o estado de reincidente é temporário e não perpétuo. Com a edição da Lei nº 8.072/90, que trata dos crimes denominados hediondos ou equiparados, o legislador, pela pressa da edição para atender aos reclames dos signatários da lei e da ordem, cometeu impropriedade ao falar em “reincidente específico” (com o especial fim de agir) em relação ao catálogo de tipos de injusto nela elencados. Seguindo a orientação traçada pela Lei dos Crimes Hediondos, há ressurgimento da figura do reincidente específico, como no Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/97), na Lei nº 9.714/98, que introduziu o art. 44, § 3º, no Código Penal (“[...] a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime”), e na Lei nº 11.343/2006, Lei de Drogas, no parágrafo único do art. 44 (“Nos crimes previstos no caput deste artigo, dar-se-á o livramento condicional após o cumprimento de dois terços da pena, vedada sua concessão ao reincidente específico”). A denominação reincidência específica só é cabível nos diplomas legais especiais que a ela se refere.


2. Aduza-se que, com a edição da Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019, insere-se nova tabela de progressão de regime mais severo para o regime menos rígido. Fica preservado o sistema progressivo, apenas com prazos diferentes. A matéria é tratada normativamente no art. 112, I a VIII, e seus parágrafos. Diante de falha do legislador, em relação à reincidência entre crime comum e hediondo ou equiparado, não previsto o percentual, firmou o Supremo Tribunal Federal:

A 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao agravo regimental interposto pelo ora recorrente, mediante acórdão assim ementado (eDOC 1, p. 103-111): “agravo regimental no habeas corpus. execução. progressão de regime. apenado condenado por crime hediondo e reincidente em razão de condenação anterior por delito comum. exigência de cumprimento de 3/5 (três quintos). impossibilidade em razão da entrada em vigor da lei n. 13.964/2019. omissão legislativa. analogia in bonam partem. incidência do inciso v do art. 112 da lei de execução penal. aplicável o percentual de 40% (quarenta por cento), que corresponde à fração de 2/5 (dois quintos). precedentes. agravo regimental desprovido. 1. Na hipótese dos autos, a situação do Apenado – condenado pela prática de crime hediondo e reincidente em decorrência de crime comum – não encontra previsão específica na nova lei, razão porque, diante da lacuna legislativa, deverá o julgador integrar a norma, resolvendo a controvérsia de maneira mais favorável ao Sentenciado, isto é, aplicando o percentual previsto para o Réu primário. 2. Não há como se aplicar a fração de 3/5 (três quintos), correspondente a 60% (sessenta por cento), para a progressão de regime do Agravado, tendo em vista que, de acordo com a literalidade do inciso VII do art. 112 da Lei de Execução Penal, tal fração somente é aplicável a agentes que sejam reincidentes na prática de crime hediondo ou equiparado, o que não corresponde à situação dos autos. 3. O Apenado alcançará o lapso temporal para a progressão de regime quando houver cumprido ao menos 40% (quarenta por cento) da reprimenda, segundo o disposto no art. 112, inciso V, da Lei n. 7.210/1984 (redação da Lei n. 13.964/2019). 4. Agravo regimental desprovido.” (eDOC 1, p. 106) Daí o recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público Federal (eDOC 1, p. 114-126), fundado no art. 102, III, “a”, da Constituição Federal, no qual se alegou ofensa aos arts. 5º, incisos XLVI e LIV; 6º, caput; e 144; da mesma Carta, além de ter sido ressaltada a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso. Segundo o MPF, “a prevalecer o entendimento acolhido no aresto recorrido, estar-se-ia tratando igualmente apenados desiguais, ou seja, fixando-se a mesma fração percentual de cumprimento de pena, para obtenção de benefícios prisionais, quer para os sentenciados reincidentes, quer para àqueles apenados primários, o que reforça a manifesta violação aos princípios da individualização da pena e da proibição de proteção insuficiente” (eDOC 1, p. 125-126; grifos originais). Ao final, o recorrente pede “seja o presente recurso extraordinário admitido, a fim de que seja conhecido e provido, com a cassação do acórdão vergastado e o consequente restabelecimento das decisões oriundas das instâncias originárias, que concluíram pela incidência ao caso do inciso VII do art.112 da LEP” (eDOC 1, p. 126; grifos originais) O Vice-Presidente do STJ não admitiu o RE, com fundamento no art. 1.030, inciso V, do Código de Processo Civil (eDOC 1, p. 147-149). Houve, então, a interposição do presente ARE (eDOC 1, p. 152-166). O Presidente do Supremo Tribunal Federal negou seguimento ao presente ARE (eDOC 2, p. 1-5). Após, reconsiderou citada decisão, tendo em vista agravo regimental interposto pelo MPF, bem como determinou a distribuição deste feito (eDOC 8, p. 1). O Ministério Público Federal, na condição de custos legis, opinou pelo provimento do RE (eDOC 8, p. 1-4). É o relatório. Decido. De imediato, frise-se que o Plenário Virtual/RG do Supremo Tribunal Federal, mediante julgamento finalizado em 16.9.2021, ao apreciar o ARE 1.327.963 RG/SP, por mim relatado, por unanimidade, reputou constitucional a questão, reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada e, no mérito, por maioria, reafirmou a jurisprudência dominante sobre a matéria, vencido o Ministro Luiz Fux, fixando tese jurídica. Referida manifestação possui a seguinte ementa: “Repercussão geral no recurso extraordinário com agravo. Constitucional. Processo Penal. Execução. 2. Progressão de regime prisional. Condenado por crime hediondo ou equiparado, sem resultado morte, reincidente por crime comum (não específico). Art. 112, incisos V, VI e VII, da Lei de Execução Penal, com redação dada pela Lei 13.964/2019 (Pacote Anticrime). 3. Princípio da legalidade (art. 5º, XXXIX, CF): taxatividade e interpretação mais benéfica ao réu. Retroatividade da norma mais benéfica ao réu (art. 5º, XL, CF). Repercussão geral reconhecida. 4. A leitura dos dispositivos legais (art. 112 e incisos, LEP) atinentes à progressão de regime permite constatar a existência de verdadeiro vácuo normativo. Referida legislação não disciplinou, de forma expressa, a fração para progressão do condenado por crime hediondo ou equiparado reincidente em crime comum. 5. Diante da lacuna legislativa, não se pode admitir a aplicação de norma mais gravosa a partir de interpretação prejudicial ao réu. Tendo em vista a ausência de previsão aplicável a apenados condenados por crimes hediondos ou equiparados, mas reincidentes genéricos (condenação anterior por crime não hediondo ou equiparado), deve-se integrar a norma a partir de interpretação em benefício do réu, já que vedada a analogia in malam partem. 6. A Lei 13.964/19 (Pacote Anticrime) resultou em tratamento mais benéfico a condenados por crime hediondo, sem resultado morte, reincidentes não específicos. Nesse cenário, a norma mais benéfica deve retroagir mesmo para fatos criminosos passados. 7. Julgamento do mérito por reafirmação de jurisprudência: RHC 200.879/SC, Rel. Min. Edson Fachin, Segunda Turma, por unanimidade, DJe 14.6.2021; RHC 196.810 AgR/SC, Rel. Min. Rosa Weber, Primeira Turma, por maioria, DJe 25.6.2021; RHC 198.156 AgR/SC, Rel. Min. Rosa Weber, Primeira Turma, por maioria, DJe 25.6.2021; ARE 1.330.176/SC, Rel. Min. Edson Fachin, decisão monocrática, DJe 6.8.2021; HC 202.691/SP, Rel. Min. Nunes Marques, decisão monocrática, DJe 6.8.2021; HC 193.187/PR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, decisão monocrática, DJe 25.5.2021. 8. Agravo no recurso extraordinário provido para conhecer mas não prover o recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público Federal. 9. Fixação da tese: “Tendo em vista a legalidade e a taxatividade da norma penal (art. 5º, XXXIX, CF), a alteração promovida pela Lei 13.964/2019 no art. 112 da LEP não autoriza a incidência do percentual de 60% (inc. VII) aos condenados reincidentes não específicos para o fim de progressão de regime. Diante da omissão legislativa, impõe-se a analogia in bonam partem, para aplicação, inclusive retroativa, do inciso V do artigo 112 da LEP (lapso temporal de 40%) ao condenado por crime hediondo ou equiparado sem resultado morte reincidente não específico.” Ante o exposto, reportando-me aos termos do citado precedente do Plenário Virtual/RG desta Corte (ARE 1.327.963 RG/SP), nego seguimento ao recurso (art. 21, § 1º, do RI/STF).” (STF, Ag 1.323.046/SP, 6ª T., rel. Min. Gilmar Mendes, j. 17.9.2021).


IV - Efeitos da reincidência


1. Para o Supremo Tribunal Federal agrava-se a pena privativa de liberdade nas seguintes hipóteses normativas: “É constitucional a aplicação da reincidência como agravante da pena em processos criminais (CP, art. 61, I). Essa a conclusão do Plenário ao desprover recurso extraordinário em que alegado que o instituto configuraria bis in idem, bem como ofenderia os princípios da proporcionalidade e da individualização da pena. Registrou-se que as repercussões legais da reincidência seriam múltiplas, não restritas ao agravamento da pena. Nesse sentido, ela obstaculizaria: a) cumprimento de pena nos regimes semiaberto e aberto (CP, art. 33, § 2º, b e c); b) substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direito ou multa (CP, artigos 44, II; e 60, § 2º); c) sursis (CP, art. 77, I); d) diminuição de pena, reabilitação e prestação de fiança; e e) transação e sursis processual em juizados especiais (Lei 9.099/95, artigos 76, § 2º, I e 89). Além disso, a recidiva seria levada em conta para: a) deslinde do concurso de agravantes e atenuantes (CP, art. 67); b) efeito de lapso temporal quanto ao livramento condicional (CP, art. 83, I e II); c) interrupção da prescrição (CP, art. 117, VI); e d) revogação de sursis e livramento condicional, a impossibilitar, em alguns casos, a diminuição da pena, a reabilitação e a prestação de fiança (CP, artigos 155, § 2º; 170; 171, § 1º; 95; e CPP, art. 323, III). Consignou-se que a reincidência não contrariaria a individualização da pena. Ao contrário, levar-se-ia em conta, justamente, o perfil do condenado, ao distingui-lo daqueles que cometessem a primeira infração penal. Nesse sentido, lembrou-se que a Lei 11.343/2006 preceituaria como causa de diminuição de pena o fato de o agente ser primário e detentor de bons antecedentes (art. 33, § 4º). Do mesmo modo, a recidiva seria considerada no cômputo do requisito objetivo para progressão de regime dos condenados por crime hediondo. Nesse aspecto, a lei exigiria o implemento de 2/5 da reprimenda, se primário o agente; e 3/5, se reincidente. O instituto impediria, também, o livramento condicional aos condenados por crime hediondo, tortura e tráfico ilícito de entorpecentes (CP, art. 83, V). Figuraria, ainda, como agravante da contravenção penal prevista no art. 25 do Decreto-Lei 3.688/41. Influiria na revogação do sursis processual e do livramento condicional, assim como na reabilitação (CP, artigos 81, I e § 1º; 86; 87 e 95)” (STF, RE 453.000/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 4.4.2013). Inclui-se que a reincidência também impede o deferimento da medida penal do livramento condicional aos condenados por crime hediondo ou assemelhado, se for específica, ex vi do art. 83, V, do Código Penal, bem como aumenta-se o prazo prescricional da pretensão executória, ex vi do art. 117, VI, do Código Penal. É facultativa, na hipótese de condenação por crime culposo ou por contravenção, à pena restritiva de direitos, ex vi do art. 81, § 1º, do Código Penal. Na hipótese de reabilitação, revoga quando o agente for condenado à pena que seja que não seja de multa, ex vi do art. 95 do Código Penal.


2. Destaca-se que inocorrendo revogação do sursis ou do livramento condicional, vencido o prazo de 5 (cinco) anos, a condenação anterior não será considerada para efeitos da reincidência, configurando-se maus antecedentes (STJ, HC 108.564/SP, 5ª T., rel. Min. Felix Fischer, j. 3.2.2009). Constata-se que nossa legislação trata com extremo rigor a reincidência; daí que se procura atenuar o rigorismo legislativo limitando no percentual de 1/6 (um sexto) da pena-base, para evitar julgado que chegue ao aumento até de 1/3 (um terço), o que é totalmente desproporcional. A tendência normativa contemporânea é na direção de dar poderes ao magistrado para desconsiderar a reincidência quando o apenado já tiver cumprido a pena pelo crime anterior sendo favoráveis, diante do perfil, as condições de inserção social. Na hipótese de concorrerem circunstâncias agravantes e atenuantes, a reincidência é preponderante ao lado da personalidade do agente. A reincidência prepondera no concurso de circunstâncias sobre a confissão espontânea (STJ, REsp 1.123.841/ DF, 5ª T., rel. Min. Felix Fischer, j. 26.11.2009), embora, em sentido contrário, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça que entende possível a compensação entre ambas as circunstâncias obrigatórias (STJ, HC 121.681/MS, 6ª T., rel. Min. Paulo Gallotti, j. 17.3.2009). O Código não se referiu à habitualidade como agravante. Impede a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. A Lei nº 9.714/98 admitiu a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos em favor do reincidente desde que, diante da condenação anterior, a reincidência não se tenha operado em razão da prática do mesmo crime (específica do mesmo tipo penal), como também a aplicação de causas especiais de diminuição de pena. Ainda é mister lembrar que a prática de infração contravencional depois de um crime não configura reincidência; contudo, se o agente comete um crime e depois uma contravenção, ocorrerá reincidência em relação à contravenção. O Superior Tribunal de Justiça entende que a condenação anterior à pena de multa não afasta a reincidência (STJ, HC 95.389/SP, 5ª T., rel. Min. Napoleão Maia Nunes Filho, j. 20.10.2009). A sentença em que se concede o perdão judicial não é condenatória, não é apta a gerar reincidência (Súmula nº 18 do STJ: “A sentença concessiva do perdão judicial é declaratória da extinção da punibilidade, não substituindo qualquer efeito condenatório”). Aduza-se que, com a edição Lei nº 9.714/99, passou a permitir, em momento inovador, corretamente, ao reincidente a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos, “desde que, em face da condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não tenha operado em virtude da prática do mesmo crime, ex vi do § 3º do art. 44 do Código Penal”. A Proposta de Reforma do Código Penal (2012), na direção da modernização do ordenamento positivo, propõe que o juiz poderá desconsiderar a reincidência quando o condenado já tiver cumprido a pena pelo crime anterior e as atuais condições pessoais sejam favoráveis à ressocialização.


V - Prova da reincidência


Para o reconhecimento da reincidência é indispensável que na folha de antecedentes penais conste certificada a data do trânsito em julgado. Reitera-se que a certidão judicial de esclarecimento da folha de antecedentes criminais é o meio probatório que retira qualquer incerteza, ao passo que a mera anotação administrativa, sem fé pública, lançada colateralmente, deixa margem de risco. É a posição pacífica do Superior Tribunal de Justiça (STJ, HC 100.848/MS, 6ª T., rel.ª Min.ª Jane Silva, j. 22.4.2008).


VI - Prescrição


Não se faz a distinção entre a reincidência real e a ficta, contudo poderá ocorrer a prescrição da reincidência se, entre a data do cumprimento ou extinção da pena e o crime posterior, tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação (STJ, HC 26.400/MG, 5ª T., rel. Min. Felix Fischer, j. 9.9.2003). O limite temporal de 5 (cinco) anos aplica-se, por analogia, à transação penal e a suspensão condicional do processo (STF, HC 86.646/SP, 1ª T., rel. Min. Cezar Peluso, j. 11.4.2006). Os prazos dos benefícios do sursis e do livramento condicional são incluídos no cômputo dos cinco anos para fazer caducar a condenação anterior. A contagem no caso do sursis é a partir da audiência admonitória (art. 160 da LEP), ao passo que no livramento condicional da declaração de extinção da punibilidade sem ter havido revogação (art. 90 da LEP). A extinção da punibilidade dá-se pelo cumprimento da pena e não pelo trânsito em julgado (STJ, HC 319.708/MS, 6ª T., relª. Minª. Maria Thereza de Assis Moura, j. 5.5.2015). Deixa de existir o caráter de perpetuidade da reincidência, contando-se da data da extinção da punibilidade da pena imposta pela condenação anterior à data do cometimento do novo crime. Remete-se, por complementação, o estudo do art. 63 do Código Penal, no item IV. Recentemente (2020), o Supremo Tribunal Federal decidiu que “A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal só considera maus antecedentes condenações penais transitadas em julgado que não configurem reincidência. Trata-se, portanto, de institutos distintos, com finalidade diversa na aplicação da pena criminal. Por esse motivo, não se aplica aos maus antecedentes o prazo quinquenal de prescrição previsto para a reincidência (art. 64, I, do Código Penal). Não se pode retirar do julgador a possibilidade de aferir, no caso concreto, informações sobre a vida pregressa do agente, para fins de fixação da pena-base em observância aos princípios constitucionais da isonomia e da individualização da pena” (STF, RE 593.818/SC, Pleno, rel. Min. Roberto Barroso, j. 18.8.2020).


VII - Crime político e militar


Para efeitos de reincidência, não se consideram os ilícitos militares ou políticos.


VIII - Crimes políticos


São os ilícitos penais contra a segurança interna e externa do Estado. Define-se a “segurança interna como a garantia proporcionada à Nação contra os antagonismos e pressões, de qualquer origem, forma ou natureza, que se manifestem no âmbito interno do País”. Já a “segurança externa é garantia proporcionada à Nação para a conquista e manutenção dos objetivos nacionais, a despeito de antagonismos e pressões de qualquer forma ou natureza, que se manifestem ou possam manifestar-se no domínio das relações internacionais”. São classificados em puramente políticos, quando atentam contra os interesses políticos da nação (incitação ou propaganda subversiva), e relativamente políticos quando se referem a fatos tipificados na lei penal comum praticados com o objetivo político. A doutrina ainda apresenta outras classificações (critérios objetivo, subjetivo e eclético). A melhor posição é a eclética, que considera crime político aquele em que o atuar do agente mobilizado e finalisticamente dirigido por fato de natureza política lesiona o ordenamento da nação, colocando em risco a segurança interna ou externa do país (“il varie d’une époque et d’une civilisation à outre”), que devem ser analisados por seus ângulos psicossociais, jurídicos e judiciários, diante das diversas concepções desde o antigo greco-romano, a Idade Média e os tempos modernos. A característica que o diferencia do crime comum é o motivo político. Só os crimes puramente políticos não são considerados para efeito de reincidência. A caracterização do crime político exige que a motivação e o bem jurídico violado sejam de natureza política (STF, RE 160.841/SP, Pleno, rel. Min. Sepúlveda Pertence, voto-vista pelo Min. Celso de Mello, j. 3.8.1995). Para o Supremo Tribunal Federal, os crimes políticos são aqueles praticados por motivação política (elemento subjetivo) diante de bens jurídicos de ordem política (elemento objetivo).


IX - Crimes militares


Orozimbo Nonato dizia que “o conceito de delito militar foi sempre considerado, nos domínios da doutrina, como dos mais tormentosos”. O atual Código Penal Militar – Decreto-Lei nº 1.001/69, repetindo o Decreto-Lei nº 6.227/44, enuncia o que se considera crime militar. O que o Código Penal Militar ampara não é a pessoa do militar; o que ele protege é a função, adjetivamente considerada. Tanto o militar como o civil, se atentarem contra os interesses da ordem jurídico-militar, devem responder por crime militar. O legislador, no Decreto-Lei nº 1.001, adotou o critério ratione legis, crime militar é o que a lei obviamente considera como tal. Não define, enumera (STJ, REsp 1.203.098/MG, 5ª T., rel.ª Min.ª Laurita Vaz, j. 22.11.2011). Não quer dizer que não haja cogitado dos critérios doutrinários ratione materiae, loci, personae ou ratione numeris. Apenas não são expressos, pois o estudo do art. 9º revela que, na realidade, estão todos ali contidos. Puramente militar, essencialmente militar, exclusivamente militar e propriamente militar são as expressões com que as leis e os tratados se referem às infrações funcionais do militar. Esmeraldino Bandeira classificava o crime militar em: a) própria ou exclusivamente militar; b) imprópria ou objetivamente militar; c) propriamente comum ou civil. Daí, tem-se os denominados crimes propriamente militares ou crimes militares próprios e, de forma oposta, os crimes impropriamente militares ou acidentalmente militares. Assim, impropriamente militares seriam os praticados por civis que a lei define como militares (crime de violência contra sentinela). Os chamados crimes propriamente militares são os que o sujeito ativo é próprio (deserção, covardia, dormir em serviço). Há os impropriamente militares, por civil, mas quando o sujeito ativo for militar a lei o considera crime militar (uso de arma pertencente à corporação, mesmo não estando de serviço). Quanto aos crimes propriamente militares, há alguns como, por exemplo, os de motim ou revolta, violência contra superior ou inferior, insubordinação, deserção, abandono de posto, que não se compadecem da autoria singular civil, mas admitem a coautoria. Para de efeitos de reincidência, não se consideram os crimes militares próprios.


 

Álvaro Mayrink da Costa

Doutorado (UEG). Professor Emérito da EMERJ. Desembargador (aposentado) do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.


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