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Extradição e expulsão: a lei 13.445 de 2017



Cogita-se de ato de colaboração internacional em matéria penal que implica no plano internacional, um valor singular, quer pela perspectiva empírica como também no plano de ordem político-criminal. Salienta-se que a entrega para a sua concessão recaia sobre uma pessoa com condenação transitada em julgado ou para fins de instrução do processo penal em curso

I – Extradição


1. A realização da Justiça penal internacional encontra suas primeiras manifestações e seu mais amplo espectro de vigência no plano da extradição, que se configura em um genuíno ato de colaboração internacional em matéria penal. A extradição implica a mais efetiva valoração da vigência espacial no Direito Penal. Na aplicação da lei penal no plano internacional, ostenta um valor singular, quer na mera perspectiva empírica como também no plano da ordem político-criminal.


2. A Constituição Federal de 1988 estabelece no art. 102, I, g, que “Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: [...] g) a extradição solicitada por Estado estrangeiro”. A Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017, em seu art. 81, define a extradição (“A extradição é a medida de cooperação internacional entre o Estado brasileiro e outro Estado pela qual se concede ou solicita a entrega de pessoa sobre quem recaia condenação criminal definitiva ou para fins de instrução de processo penal em curso”). É pacífico na doutrina e pode ser definido como a entrega que um Estado faz a outro de um acusado ou condenado que buscou refúgio no território do primeiro, a fim de que o segundo possa julgá-lo ou executar a condenação. Envolvem Estados soberanos, possuindo como fundamento jurídico um tratado ou um pedido com promessa de reciprocidade.


3. É pacificado na doutrina como a entrega que um Estado (ativa) faz a outro Estado (passiva), e, a pedido deste, de um indivíduo que em seu território esteja sendo processado criminalmente ou devendo cumprir pena a que a lei pátria impôs o quantum igual ou superior a um ano, aplicada pela Justiça do Estado requerente, por ato punível de certa gravidade (pena de reclusão), e que buscou refúgio no território do Estado requerido, a fim de que o Estado requerente possa julgá-lo ou executar a condenação, ditada por sentença final (não necessariamente com trânsito em julgado).


4. A extradição é um produto da soberania do Estado e tem como base o princípio da territorialidade. Encontra seu fundamento em sua própria necessidade. A territorialidade das leis penais e a regra geral da não executariedade das sentenças estrangeiras, por um lado, e as possibilidades que gozam os delinquentes de transpor em breve tempo o espaço da soberania estatal, por outro, justificam a existência do instituto. Impera, na vida jurídica internacional, o princípio da lex loci delicti comissi, mesmo nos casos em que são estrangeiros os autores dos delitos.


5. Resek, no Direito Internacional Público, cita a doutrina do caso Biggs, em que o acórdão do então TFR decidiu que o conceito de “extradição inadmitida pela lei brasileira” é amplo e não restrito, embora reconhecido que se tratava de “extradição inadmitida pela lei brasileira”, havia legitimidade da custódia decretada pelo Ministro da Justiça com vistas à deportação (medida decorrente de procedimento administrativo que consiste na retirada compulsória de pessoa que se encontre em situação migratória irregular em território nacional). Porém, declarou que o paciente não poderia ser deportado para a Grã-Bretanha, nem para qualquer outro país onde se pudesse obter sua extradição.


II – Classes


São classes: a) extradição ativa – consiste na mera petição formal em que o Estado requerente dirige ao Estado requerido solicitando a entrega de um criminoso refugiado no território deste, ao objetivo da aplicação do ordenamento penal vigente diante da conduta delitiva do sujeito evadido, especialmente consignada na solicitação de sua extradição; b) extradição passiva – é a entrega de um criminoso efetuada por um Estado, em cujo território se encontra refugiado, a outro Estado, conforme as normas jurídicas pactuadas, o reclama (essência jurídica da extradição); c) reextradição – constitui-se em uma entrega do criminoso realizada pelo inicial Estado requerente, que a obteve, sendo agora efetuada a um terceiro Estado que por sua vez o reclama; d) extradição em trânsito – autorização de passagem do criminoso, cuja extradição ocorre por meio de acesso a algum Estado por permissão concedida por terceiros na condução por seu território.


III - Princípios informadores


1. São princípios informadores: I – quanto ao crime, são: a) princípio da legalidade; b) princípio da especialidade; c) princípio da identidade normativa; d) princípio da gravidade criminal; e) princípio dos delitos comuns; f) princípio da reciprocidade; g) princípio da prioridade jurídica; II – quanto ao criminoso, são: a) princípio da não entrega de nacional; b) princípio da não entrega de exilado; c) princípio da não entrega de criminosos suscetíveis de represálias; III – quanto à pena e à ação penal, são: a) princípio da comutação da pena de morte; b) princípio da evitação de penas corporais ou inumanas; c) princípio do respeito aos direitos fundamentais; d) princípio da jurisdicionalidade; e) princípio do ne bis in idem.


2. A extradiçãonão pode ser de ofício ou oferecida, deve ser solicitada, tendo caráter de ato bilateral, constituindo-se em pressuposto a ser requerido por governo de país estrangeiro que possua legitimidade ativa para pleiteá-la. Objetiva a cooperação internacional na repressão à criminalidade, condicionado o pedido à existência de tratado (“acordo formal concluído entre sujeitos de direito internacional público, e destinado a produzir efeitos jurídicos”) ou não existindo a promessa de reciprocidade de tratamento (trata-se de uma relação jurídica diversa da relação convencional).


3. Cabe ao Supremo Tribunal Federal a apreciação do pedido de extradição, feito por via diplomática ou por agente diplomático, sobre a sua legalidade e procedência, sendo condições: a) ter sido cometido crime no território do estado requerente ou serem aplicáveis ao extraditando as leis penais desse estado; b) existir sentença final de privação de liberdade, ou estar a prisão do extraditando autorizada pelo juiz competente do estado requerente, salvo em caso de urgência, que poderá ser decretada a sua prisão preventiva.


IV - Extradição não será concedida


1. O novo diploma de migração, Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017, reza que não se concederá a extradição quando: a) o indivíduo cuja extradição é solicitada ao Brasil for brasileiro nato; b) o fato que motivar o pedido não for considerado crime no Brasil ou no Estado requerente; c) o Brasil for competente, segundo suas leis, para julgar o crime imputado ao extraditando; d) a lei brasileira impuser ao crime pena de prisão inferior a 2 (dois) anos; e) o extraditando estiver respondendo a processo ou já houver sido condenado ou absolvido no Brasil pelo mesmo fato em que se fundar o pedido; f) a punibilidade estiver extinta pela prescrição, segundo a lei brasileira ou a do Estado requerente; g) o fato constituir crime político ou de opinião; h) o extraditando tiver de responder, no Estado requerente, perante tribunal ou juízo de exceção; ou i) o extraditando for beneficiário de refúgio, nos termos da Lei no 9.474, de 22 de julho de 1997, ou de asilo territorial. Diante da Lei de Migração que, ao recordar o Estatuto do Estrangeiro, afastou qualquer condicionante cronológica quanto ao nascimento de filhos no país, bastando a existência de descendente brasileiro que esteja sob a guarda, dependência econômica ou socioafetiva do estrangeiro para impedir a sua extradição (STF, MC no HC 150.343 MC/DF, 1ª T., rel. Min. Marco Aurélio, j. 26.3.2018).


2. A lei normatiza que a previsão constante do inciso pertinente ao crime político ou de opinião não impedirá a extradição quando o fato constituir, principalmente, infração à lei penal comum ou quando o crime comum, conexo ao delito político, constituir o fato principal. Caberá à autoridade judiciária competente a apreciação do caráter da infração. Gize-se que, para determinação da incidência em relação a brasileiro nato, será observada, nos casos de aquisição de outra nacionalidade por naturalização, a anterioridade do fato gerador da extradição.


3. O Supremo Tribunal Federal poderá deixar de considerar crime político o atentado contra chefe de Estado ou quaisquer autoridades, bem como crime contra a humanidade, crime de guerra, crime de genocídio e terrorismo. Admite-se a extradição de brasileiro naturalizado, nas hipóteses previstas na Constituição Federal. O Supremo Tribunal Federal decidiu que é possível a extradição ainda que o crime não esteja previsto no tratado bilateral, desde que multilateral, dispondo sobre hipótese de tipificação pelos ordenamentos internos tipificadores (STF, Ext 1.212/EUA, 1ª T., rel. Min. Dias Toffoli, j. 9.8.2011). O Superior Tribunal de Justiça decidiu que “é necessário a edição de lei em sentido formal para a aplicação do crime contra a humanidade, trazida no art. 7º do Estatuto de Roma, mesmo que se cuidando de tratado internacionalizado. Recorde-se que em nosso país inexiste lei que tipifique os crimes contra a humanidade, sob pena de violar o princípio da legalidade (art. 5º, XXXIX, da CF/88). Em conclusão, não é possível internacionalizar a tipificação do crime contra a humanidade trazida pelo Estatuto de Roma, pois inexiste lei em sentido formal prescrevendo a referida conduta” (STJ, REsp 1.798.903/RJ, 3ª S., rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, por maioria, j. 25.9.2019).


V - Brasileiro naturalizado


Com a declaração de nulidade da naturalização, retorna ao status quo ante de estrangeiro, podendo assim ser extraditado. A decretação da nulidade da naturalização em processo administrativo deve anteceder ao pedido de extradição. O Supremo Tribunal Federal assentou que fica vedada a extradição de cidadão naturalizado quando a legislação do país requerente não permite reciprocidade (STF, Ext 1.195/ República da Finlândia, Pleno, rel. Min. Ayres Britto, j. 12.5.2011). Nesta direção, a legislação americana, tendo brasileira que se naturalizou, perdido a cidadania brasileira respondendo pela condenação por crime de homicídio praticado em solo americano.


VI - Crime político


1. O Decreto-Lei nº 394, de 28 de abril de 1938, de acordo com o Código Bustamante, adotou a cláusula de atentado (Lei belga de 22 de março de 1856), diante de fórmula mais ampla: “Não se consideram crimes políticos os atentados contra chefes de Estado ou qualquer pessoa que exerça autoridade, nem os atos de anarquismo, terrorismo e sabotagem, ou importem propaganda de guerra ou de processos violentos, para subverter a ordem política e social”. A Carta de 1988 estatui que “não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião”. Ela repudia expressamente o terrorismo, não devendo ser abrigado pela chancela pródiga de “crime político”. A Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017, prescreve no § 4º do art. 83 que “O Supremo Tribunal Federal poderá deixar de considerar crime político o atentado contra chefe de Estado ou quaisquer autoridades, bem como crime contra a humanidade, crime de guerra, crime de genocídio e terrorismo” e no inciso VII do art. 82 que “Não se concederá a extradição quando: [...] VII - o fato constituir crime político ou de opinião”. A faculdade de não serem considerados delitos políticos os atentados contra chefes de Estado ou quaisquer autoridades, bem como os atos de anarquismo, terrorismo (“O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública”, ex vi do art. 2º da Lei nº 13.260, de 16 de março de 2016). O Supremo Tribunal Federal, no caso Cesare Battisti, entendeu que “Não configura crime político, para fim de obstar a acolhimento de pedido de extradição, homicídio praticado por membro de organização revolucionária clandestina, em plena normalidade institucional de Estado Democrático de Direito, sem nenhum propósito político imediato ou conotação de reação legítima a regime opressivo” (STF, Ext. 1.085/República Italiana, Pleno, rel. Min. Cezar Peluso, j. 16.12.2009).


2. A Corte Suprema voltou a se pronunciar sobre o tema, destacando-se que “O Presidente da República, no sistema vigente, resta vinculado à decisão do Supremo Tribunal Federal apenas quando reconhecida alguma irregularidade no processo extradicional, de modo a impedir a remessa do extraditando ao arrepio do ordenamento jurídico, nunca, contudo, para determinar semelhante remessa, porquanto, o Poder Judiciário deve ser o último guardião dos direitos fundamentais de um indivíduo, seja ele nacional ou estrangeiro, mas não dos interesses políticos de Estados alienígenas, os quais devem entabular entendimentos com o Chefe de Estado, vedada a pretensão de impor sua vontade através dos Tribunais internos” (STF, Rcl 11.243/República Italiana, Pleno, rel. p/ Acórdão Min. Luiz Fux, j. 8.6.2011). Enfim, os crimes políticos, complexos ou conexos, variam de uma época e de uma civilização para outra, presentes aspectos históricos, psicológicos, sociais, morais e jurídicos.


3. A Lei nº 13.445/2017, que trata da questão da migração, estatui no art. 82, IX, que “Não se concederá a extradição quando: [...] IX - o extraditando for beneficiário de refúgio, nos termos da Lei no 9.474, de 22 de julho de 1997, ou de asilo territorial”. O art. 3º, III, do Estatuto dos Refugiados, dita a vedação da condição de refugiado quando os indivíduos “tenham cometido crime contra a paz, crime de guerra, crime contra a humanidade, crime hediondo, participado de atos terroristas ou tráfico de drogas”. Damásio de Jesus, no Direito Penal, sustenta que a lei brasileira não adotou o sistema misto ou belga, distinguindo extradição e entrega de extraditando. A extradição, resultado de um ato jurisdicional, é da competência do Supremo Tribunal Federal; ao passo que, a entrega, ato administrativo, é da atribuição do Poder Executivo. Conclui que este não pode recusar quando o Supremo Tribunal Federal decide tratar sobre crime comum. No caso Battisti, decidiu, majoritariamente, que a entrega do extraditando ao Estado requerente dependeria ainda de decisão do Presidente da República. A Corte Maior decidiu: “Ausência de executoriedade de eventual decisão que imponha ao chefe de Estado o dever de extraditar. Princípio da separação dos poderes (art. 2º, CRFB). Extradição como ato de soberania. Identificação do crime como político, traduzida em ato igualmente político. Interpretação da cláusula do diploma internacional que permite a negativa de extradição ‘se a parte requerida tiver razões ponderáveis para supor que a pessoa reclamada será submetida a atos de perseguição’. Capacidade institucional atribuída ao chefe de estado para proceder à valoração da cláusula permissiva do diploma internacional. Vedação à intervenção do Judiciário na política externa brasileira” (STF, Rcl 11.243/Rep. Italiana, Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, rel. p/ acórdão Min. Luiz Fux, j. 8.6.2011).


VII – Formas


Há diversas formas de extradição: a) extradição de fato – teria o seu fundamento na cortesia internacional e consiste na entrega de criminosos sem que haja qualquer procedimento jurídico; b) extradição de direito – a sua denominação é um pleonasmo, vez que a extradição é na sua essência um instituto que se apresenta regulamentado pelo Direito, o que faz a expressão “extradição de fato” ser uma contradição; a extradição de direito consiste na extradição feita conforme as normas jurídicas internas e internacionais; c) extradição instrutória – quando o pedido de extradição é formulado a fim de submeter o indivíduo a processo criminal; d) extradição executória – quando o pedido de extradição é formulado a fim de obrigar o indivíduo a cumprir a pena a que foi condenado.


VIII – Fontes


São tratados, leis internas, costume e reciprocidade. Restringindo o âmbito da questão, ainda em pleno domínio do Direito Internacional Público, mais especificamente no que tange ao instituto da extradição, Mercier aponta, como suas fontes formais: a) tratados internacionais de extradição; b) declarações de reciprocidade; c) costumes internacionais; d) jurisprudência; e) leis sobre extradição.


IX - Nacionalidade do extraditando


1. Tem sido fator decisivo na apreciação do pedido extradicional. Não ocorrerá a extradição de brasileiro, salvo se a aquisição dessa nacionalidade verificar-se após o fato que motivar o pedido. A Carta dispõe que, na hipótese de brasileiro naturalizado, somente se admitirá a extradição no caso de delito comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins. Não será concedida a extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião.


2. A Súmula nº 421 do Supremo Tribunal Federal estatui que “Não impede a extradição a circunstância de ser o extraditando casado com brasileira ou de ter filho brasileiro”. Há situações a se observar: a) O extraditando é nacional do Estado requerente. Não importa o local em que o delito tenha sido praticado. A extradição deverá ser concedida se todos os requisitos intrínsecos e meramente formais que devem cercar o instituto estiverem preenchidos; b) O extraditando é nacional de um terceiro Estado. O princípio genérico da territorialidade da lei penal exige que os delitos sejam punidos no lugar em que foram praticados; c) O extraditando é nacional do Estado requerido.


3. É esse, exatamente, o ponto crucial da extradição, no que tange às pessoas suscetíveis de autorizá-la. Quando mais de um Estado requerer a extradição da mesma pessoa, pelo mesmo fato, terá preferência o pedido daquele em cujo território o crime foi cometido. Tratando-se de crimes diversos, terão preferência, sucessivamente: a) o Estado requerente em cujo território haja sido cometido o crime mais grave segundo a lei brasileira; b) o que em primeiro lugar houver pedido a entrega do extraditando, se a gravidade dos crimes for idêntica; c) o Estado de origem ou, na sua falta, o domiciliar do extraditando, se os pedidos forem simultâneos. Nos casos não previstos na lei decidirá sobre a preferência o Governo brasileiro. O preceito universal conduz ànão extradição dos próprios nacionais. No problema da nacionalidade do extraditando, ocupam situação especial os naturalizados, os apátridas e os estrangeiros domiciliados no país.


X - Sistema de efetivação


1. Quanto ao sistema pelo qual a extradição se efetiva, pode ser classificada em administrativa, judicial ou mista. A tradição mista é a forma adotada no Brasil, pois, segundo a lei nacional, a extradição passiva é processada em três fases distintas, perante os órgãos do Poder Executivo e do Poder Judiciário do país. O recebimento do pedido de extradição e o seu encaminhamento ou a recusa de seu encaminhamento ao Poder Judiciário são de competência do Governo, visto que o Presidente da República é o chefe do Poder Executivo, a ele competindo, na forma da Carta Magna, manter relações com as potências estrangeiras.


2. A extradição pode assumir, quanto à situação processual do extraditando no país requerente, dois novos aspectos - a extradição instrutória e a extradição executória: a) na primeira, pede-se a devolução daquele ao qual se atribui a autoria do crime, antes que pese sobre ele o pronunciamento da sentença judicial; b) na segunda, o extraditando já foi processado e condenado criminalmente no foro da infração. Se o Estado requerente não retirar o extraditando do território nacional no prazo de sessenta dias da data do recebimento da comunicação, será ele posto em liberdade, sem prejuízo do processo de expulsão. O Ministro da Justiça poderá permitir o trânsito, no território nacional de pessoas extraditadas por estados estrangeiros, salvo por motivo de ordem pública.


XI – Expulsão


1. A Lei nº 13.445/2017 reza no art. 3º, caput, que “A política migratória brasileira rege-se pelos seguintes princípios e diretrizes: [...] XXII - repúdio a práticas de expulsão ou de deportação coletivas”. No conceito normativo “A expulsão consiste em medida administrativa de retirada compulsória de migrante ou visitante do território nacional, conjugada com o impedimento de reingresso por prazo determinado”. A nova Lei de Migração estatui que poderá dar causa à expulsão a condenação com sentença transitada em julgado relativa à prática de: a) crime de genocídio, crime contra a humanidade, crime de guerra ou crime de agressão, nos termos definidos pelo Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, de 1998, promulgado pelo Decreto no 4.388, de 25 de setembro de 2002; ou b) crime comum doloso passível de pena privativa de liberdade, consideradas a gravidade e as possibilidades de ressocialização em território nacional. Note-se que no processamento da expulsão em caso de crime comum não prejudicará a progressão de regime, o cumprimento da pena, a suspensão condicional do processo, a comutação da pena ou a concessão de pena alternativa, de indulto coletivo ou individual, de anistia ou de quaisquer benefícios concedidos em igualdade de condições ao nacional brasileiro. Por fim, o prazo de vigência da medida de impedimento vinculada aos efeitos da expulsão será proporcional ao prazo total da pena aplicada e nunca será superior ao dobro de seu tempo.


2. A Lei nº 13.445/2017 estatui que não se procederá à expulsão quando: a) a medida configurar extradição inadmitida pela legislação brasileira; b) o expulsando: a. tiver filho brasileiro que esteja sob sua guarda ou dependência econômica ou socioafetiva ou tiver pessoa brasileira sob sua tutela; b. tiver cônjuge ou companheiro residente no Brasil, sem discriminação alguma, reconhecido judicial ou legalmente; c. tiver ingressado no Brasil até os 12 (doze) anos de idade, residindo desde então no País; d. for pessoa com mais de 70 (setenta) anos que resida no País há mais de 10 (dez) anos, considerados a gravidade e o fundamento da expulsão.


3. A expulsão é o ato político-administrativo que obriga o estrangeiro a sair do território nacional e ao qual não pode retornar. Não há como negar o poder de polícia, decorrente do princípio da self-preservation, em benefício da ordem pública e sem limitações outras que não resultarem das restrições expressas em leis ou estatutos políticos. Não depende de lei que o reconheça e, para sua efetividade, como providência administrativa, basta que a lei não proíba seu exercício. Os Estados têm posto em prática esse direito soberano sempre que a tranquilidade pública o tem reclamado, existam ou não normas reguladoras do modo de exercê-lo. E assim há de ser, visto como o direito de expulsar não pode ser renunciado ou restringido em detrimento da segurança do Estado.


4. A Corte Suprema leva em consideração o vínculo de afetividade, o afeto como valor constitucional irradiador de efeitos jurídicos (STF, HC 114.901 MC/CE, decisão monocrática, rel. Min. Celso de Mello, j. 26.11.2012). O Superior Tribunal de Justiça já flexibilizavaa interpretação do art. 65, inciso II, da Lei 6.815/80 (antigo Estatuto do Estrangeiro), para manter no país o estrangeiro que possui filho brasileiro, mesmo que nascido posteriormente à condenação penal e ao decreto expulsório, no afã de tutelar a família, a criança e o adolescente. O acolhimento desse preceito não é absoluto e se impõe que seja comprovada, no momento da impetração, a dependência econômica e a convivência socioafetiva com a prole brasileira, a fim de que o melhor interesse do menor seja atendido STJ, HC 250.026/MS, 1ª S., rel. Min. Benedito Gonçalves, j. 26.9.2012).


5. Cabe ao Presidente da República resolver sobre a conveniência e a oportunidade da expulsão ou da revogação que se fará por decreto. Desde que seja conveniente ao interesse nacional (arbítrio), a expulsão poderá efetivar-se, ainda com processo em curso ou já decretada a condenação. É efetivamente um ato político, não necessitando do trânsito em julgado de decisão para legitimar a expulsão, e tem como fundamento a nocividade social (STF, HC 101.528/PA, Pleno, rel. Min. Dias Toffoli, j. 9.12.2010). O estrangeiro, cuja prisão não se tornar necessária, ou que tenha o prazo vencido, permanecerá em liberdade vigiada, em lugar designado pelo Ministro da Justiça e aguardará as normas de comportamento que lhe forem estabelecidas.


 

Álvaro Mayrink da Costa

Doutorado (UEG). Professor Emérito da EMERJ. Desembargador (aposentado) do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.




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