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Os direitos do internado e a desospitalização dos manicômios



O término da manicomização se deve à revitalização do respeito aos direitos das pessoas portadoras de doença mental. Os hospitais para tratamento psiquiátrico do sistema penitenciário devem ser transferidos para as secretarias de saúde dos entes federados

1. A Reforma de 1984 introduziu disposição expressa relativa aos direitos do internado, estatuindo que “O internado será recolhido a estabelecimento dotado de características hospitalares e será submetido a tratamento” (art. 95 do CP), e a Lei de Execução Penal complementa que “Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei” (art. 3º da LEP), finalizando que se aplica ao submetido à medida de segurança, no que couberem, todos os direitos do preso (arts. 41 e 42 da LEP). A questão não se simplifica na internação em estabelecimento dotado de características hospitalares, pois quando a administração prisional só prioriza a disciplina carcerária, os doentes mentais ficam recolhidos às celas em regime de tranca só com direito ao banho de sol, assistidos não por enfermeiros e médicos, mas por guardas penitenciários não qualificados para a tarefa. Ficou garantida a liberdade da família do internado de contratar médico de confiança pessoal para assistir e orientar o internado submetido à medida de segurança de internação ou a tratamento ambulatorial. As divergências entre o médico oficial e o particular serão resolvidas pelo juiz da execução (art. 43 e parágrafo único da LEP). O legislador se preocupou com o recolhimento em local adequado, como garantia do inimputável diante do princípio da dignidade da pessoa humana. É dever constitucional, pois “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticos sociais e econômicos que visem à redução do risco da doença e de outros agravos e com acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação” (art. 196 da CF/88). A legislação brasileira deu um grande avanço sobre a proteção e direitos das pessoas portadoras de transtorno e deficiência mental redirecionando o modelo assistencial em saúde mental (Lei nº 10.216/2001). São assegurados os direitos e proteção contra qualquer forma de discriminação quanto à raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, opção política, nacionalidade, idade, família, recursos econômicos, grau de gravidade ou tempo de evolução de seu transtorno, ou qualquer outra (o doente mental que cumpre medida de segurança, possuindo periculosidade presumida, é duplamente discriminado). Nos direitos da pessoa portadora de transtorno e deficiência mental ressaltam o tratamento com humanidade e respeito e o interesse de beneficiar a saúde, objetivando a inserção na família, no trabalho e na comunidade. Deve ser protegida contra qualquer forma de abuso ou exploração, ter garantia do sigilo nas informações prestadas, o direito à presença médica, o acesso aos meios de comunicação disponível, receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu tratamento, realizado em ambiente terapêutico. Talvane de Moraes sustenta que a aplicação das medidas de segurança, justificada como imperativo legal diante da presunção de periculosidade dos inimputáveis, em razão da existência de transtorno mental, não mais se apresenta consentânea com a existência do tratamento psiquiátrico moderno, em razão de novos recursos terapêuticos, especialmente medicamentosos, sendo perfeitamente controlável o paciente, não mais necessitando de longas internações hospitalares.


2. São seus direitos: a) visita à família (saída terapêutica); b) contratar médico de confiança pessoal, de seus familiares ou dependentes, a fim de orientar e acompanhar o tratamento; c) os mesmos direitos do preso, salvo se a administração do estabelecimento, segundo parecer médico, entender não recomendável. No âmbito do Conjunto de Princípios para a Proteção de todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer Forma de Detenção ou Prisão das Nações Unidas, observam-se os princípios números 24, 25 e 26: a) a pessoa detida ou presa deve beneficiar-se de um exame médico adequado tão breve quanto possível e dos tratamentos médicos sempre que tal se mostre necessário a título gratuito; b) o direito de solicitar um segundo exame médico ou opinião médica; c) ao ser submetido a exame médico, saber o nome do médico e o resultado, que devem ser devidamente registrados. O acesso à sociedade através da saída terapêutica deve ser garantido em termos dos direitos da pessoa privada de liberdade: a) visita à família; b) na esfera do possível, a frequência a curso supletivo, profissionalizante, bem como de instrução do segundo grau ou superior, na comarca do juízo da execução; c) participação em atividades que concorram para o retorno e adaptação ao convívio social. Note-se que, quando a unidade não estiver aparelhada para promover a assistência médica necessária (de qualidade), poderá o condenado recebê-la em unidade médica pública ou particular. Não se poderá classificar de privilégio o condenado que possui seguro de saúde ser atendido em hospital conveniado para tratamento médico de qualidade (princípio humanitário). Em situações graves é cabível a concessão da prisão-albergue domiciliar ex vi do art. 117, II, da Lei de Execução Penal, aos submetidos à prisão aberta. O internado tem assegurados todos os seus direitos não atingidos por sentença, decisão judicial ou lei. Reitera-se que, se houver divergência em relação ao tratamento realizado por médico particular ou oficial, o juiz da execução decidirá o conflito, não com base na oficialidade do parecer, mas com patamar científico do trabalho que pode ser dado por junta médica imparcial. O tratamento será sempre realizado em estabelecimento dotado de características hospitalares. Os pacientes com longo tempo de internação em hospital de custódia, que apresentarem quadro clínico e/ou neurológico grave, com profunda dependência institucional e sem suporte sociofamiliar, deverão ser objeto de “uma política específica de alta planejada e de reabilitação psicossocial assistida”.


3. A Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001, estabelece em seu art. 2º, parágrafo único, que são direitos da pessoa portadora de transtorno mental: a) ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades; b) ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo e beneficiar sua saúde, vindo a alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade; c) ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração; d) ter garantia de sigilo nas informações prestadas; e) ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de sua hospitalização involuntária; f) ter acesso aos meios de comunicação disponíveis; g) receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu tratamento; h) ser tratado em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis; i) ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental. Desde a edição da Lei nº 10.216/2001, a internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes, visando o tratamento e, como finalidade permanente, a reinserção social do paciente em seu meio, sendo objeto de alta planejada e reabilitação psicossocial assistida, diante de responsabilidade de autoridade sanitária competente. É direito da pessoa portadora de transtorno mental “ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis”, e não em celas comuns de estabelecimentos prisionais (“prisão-hospital”).


4. A Proposta de Reforma Penal (2012) faz acrescentar “observados os direitos das pessoas com deficiência”. Na hipótese de superveniência de doença mental ao condenado, a conversão da pena priva de liberdade, que está sendo cumprida, em medida de segurança, de internação em hospital para tratamento psiquiátrico ou em tratamento ambulatorial, por ter sobrevindo doença mental, não pode ser por tempo indeterminado, respeitando o prazo da pena a cumprir (STJ, HC 130.160/SP, 5ª T., rel. Min. Arnaldo Esteves de Lima, j. 19.11.2000). No caso de transtorno mental transitório, deverá ser o condenado transferido para hospital ou casa de saúde especializada até se recuperar do quadro de surto ocorrido, retornando para o estabelecimento penal para continuar o cumprimento da pena privativa de liberdade imposta, se não tiver eclodido doença mental. A conversão da pena privativa de liberdade pelas medidas de segurança só deverá ocorrer no incidente de execução, após, por laudo de sanidade mental, ficar diagnosticada “a doença mental ou a perturbação da saúde mental” eclodida no curso do cumprimento da pena privativa de liberdade. O Projeto Alternativo (2013) propõe que “Cessado o estado de patologia mental que justificou a conversão em medida de segurança, o juiz restabelecerá a pena privativa de liberdade”. O substitutivo (2014) é no sentido de que “Na superveniência da doença mental, o condenado deverá ser recolhido ao hospital de custódia com a falta deste, a outro estabelecimento adequado para o tratamento psiquiátrico”, suprimindo, incorretamente, o texto do PL nº 236/2012, com o substitutivo Pedro Taques “pelo tempo que restava de cumprimento da pena, instaurando-se o devido procedimento para a sua aplicação”.


5. O Direito Penal ainda encontra grandes dificuldades diante da periculosidade presumida, e a constante “hospitalização da loucura”, abrigada por componentes curativos e correcionais como Foucault, referia-se que “a internação não é o primeiro esforço para uma hospitalização da loucura, sob diversos aspectos mórbidos, constitui a homologação de alienados a todas as outras causas correcionais”.


 

Álvaro Mayrink da Costa

Doutorado (UEG). Professor Emérito da EMERJ. Desembargador (aposentado) do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.


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