A característica do perdão judicial é a desnecessidade da imposição de pena diante das circunstâncias específicas previstas em certos tipos penais ou especificadas pelo legislador, constituindo-se em causa extintiva da punibilidade, afastando os efeitos secundários da condenação. A extinção da punibilidade configura o desaparecimento do ius puniendi estatal em relação a atos configurativos de injustos penais, diante da ocorrência e acontecimentos determinados por norma penal como causas extintivas da punibilidade
I – Perdão judicial
1. A característica do perdão judicial é a desnecessidade da imposição de pena diante de circunstâncias específicas previstas em certos tipos penais ou especificadas pelo legislador. O perdão judicial é causa extintiva da punibilidade, ficando, pois, afastados os efeitos secundários da condenação. Cogita-se de direito subjetivo do réu, presentes os pressupostos legais de deferimento. A natureza jurídica da sentença concessiva do perdão judicial é declaratória, conforme majoritária postura doutrinária e pretoriana (Súmula nº 18 do STJ: “A sentença concessiva do perdão judicial e declaratória da extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório”). Se o perdão está incluído entre as causas de extinção da punibilidade, torna-se desnecessário o dispositivo, apenas reforça a sua natureza de não gerar futura reincidência. O legislador brasileiro diante da contemporânea sociedade de risco, buscando reforçar a tutela da administração pública ao final do século passado e no início deste, tem utilizado o perdão judicial como estratégia de identificação de autores, coautores e partícipes e na busca da recuperação total ou parcial do produto do crime.
2. Cumpre destacar as inovações pontuais realizadas na legislação brasileira: a) o art. 13 da Lei nº 9.807/99, estabelece um conjunto de normas para a organização de programas a vítimas e às testemunhas, podendo albergar também cônjuge ou companheiro, ascendente, descendente que tenham convivência habitual, coagidas ou expostas à grave ameaça à integridade física ou psicológica, em razão de colaborarem com a investigação ou o processo criminal. Assim, os denominados “réus colaboradores” podem ter a concessão do perdão judicial com a consequente extinção da punibilidade, ou em caso de condenação, a minoração da resposta penal de um terço a dois terços, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, desde que preencham requisitos objetivos e subjetivos (arts. 13 e 14 da Lei nº 9807, de 13 de julho de 1999: “art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a conseqüente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado: I - a identificação dos demais coautores ou partícipes da ação criminosa; II - a localização da vítima com a sua integridade física preservada; III - a recuperação total ou parcial do produto do crime. Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso; Art. 14. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais coautores ou partícipes do crime, na localização da vítima com vida e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um a dois terços”). O Supremo Tribunal Federal detalha a questão: “O acórdão embargado não deixou qualquer margem para dúvida quanto ao fato de que o embargante merecia a redução da pena pela colaboração para a descoberta de outros corréus, mas não fazia jus ao perdão ou a uma diminuição de pena em maior amplitude, porque a sua colaboração não teve continuidade durante o andamento da ação penal. Pelo mesmo motivo, não faz jus à substituição da pena prevista no art. 4º da Lei 12.850/2013”(STF, AP 470 EDj-décimos sextos-ED/MG, Tribunal Pleno, rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 13.11.2013); b) o art. 1º, § 5º, da Lei nº 9.613/98, que dispõe sobre a lavagem de dinheiro ou ocultação de bens, direitos ou valores, na preservação do sistema financeiro nacional, concede ao magistrado o poder de “deixar de aplicar a pena”, ao autor, coautor ou partícipe que colaborar espontaneamente, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração dos crimes e de sua autoria ou à localização de bens, direitos ou valores, objeto do injusto penal. Quanto à possibilidade de confissão espontânea, firmou o Supremo Tribunal Federal que “A prisão em flagrante é situação que afasta a possibilidade de confissão espontânea, uma vez que esta tem como objetivo maior a colaboração para a busca da verdade real” (STF, HC 108.148/MS, 1ª T., rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 7.6.2011); c) com o art. 337-A do Código Penal, no crime de sonegação de contribuição previdenciária, pelo § 2º, faculta ao juiz “deixar de aplicar a pena” ou aplicar somente a de multa, nas seguintes condições: a. se o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente, sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais; b. ser primário e de bons antecedentes; d) ainda em relação à tutela pertinente ao crime de apropriação indireta da previdência social, o art. 168-A, § 3º, do Código Penal, faculta ao magistrado “deixar de aplicar a pena” ou aplicar somente a de multa, observadas as seguintes condições: a. o autor tiver promovido, após o início da ação fiscal e antes de recebida a denúncia, o pagamento da contribuição social previdenciária, inclusive acessórios; b. que o valor, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele que,administrativamente, estabelecido pela previdência social, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais; c. ser primário e de bons antecedentes. “A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é uníssona em reconhecer a aplicação do princípio da insignificância ao delito de apropriação indébita previdenciária, quando, na ocasião do delito, o valor do débito com a Previdência Social não ultrapassar o montante de R$ 10.000,00, descontados os juros e as multas” (STJ, REsp 1.419.836/RS, 6ª T., Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, j. 13.6.2017); e) no art. 29, § 2º, da Lei nº 9.605/98, de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, ficou inserido que na hipótese de guarda doméstica de espécie silvestre não considerada ameaçada de extinção pode o magistrado, considerando a circunstância, “deixar de aplicar a pena”. Gize-se que o Superior Tribunal de Justiça reafirmou que: “incumbe ao beneficiário simultaneamente provar, como ônus seu, o genuíno caráter de ‘guarda doméstica’ e não se tratar, ‘ainda que somente no local da infração’, de ‘espécie silvestre ameaçada de extinção’. Tirante tal hipótese, é vedado ao juiz, por vontade própria e à margem do ordenamento de tutela de bens jurídicos constitucionalizados, criar modalidade contra legem de perdão judicial” (STJ, REsp 1.686.089/MG, 2ª T., rel. Min. Herman Benjamin, j. 7.12.2017); f) o Superior Tribunal de Justiça firmou que “É possível o reconhecimento da extinção de punibilidade, mesmo após o recebimento da denúncia, quando existe prova convergente e pré-constituída no sentido da ocorrência do pagamento integral dos tributos devidos” (STJ, RHC 98.508/SP, 6ª T., rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, j. 23.10.2018) e editou a Súmula nº 560 (“A extinção da punibilidade, pelo pagamento do tributo devido, estende-se ao contrabando ou ao descaminho, por força do art. 18, § 2º, do Decreto-Lei nº 157/67”). O Superior Tribunal de Justiça decidiu que: “O art. 83, § 2º, da Lei 9.430/96, com redação determinada pela Lei 12.392/2011,ao estabelecer o recebimento da denúncia como limite temporal para o pedido de parcelamento para fins de suspensão da pretensão punitiva estatal, não se se aplica aos crimes nos quais a constituição definitiva do crédito tributários e deu até28/02/2011, data de vigência da lei posterior mais gravosa” (STJ, RHC 94.845/PR, 5ª T., rel. Min. Felix Fischer, j. 26.6.2018). A Lei nº 9.249/95, em seu art. 34, estatui que “Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia”. Pontue-se que a Lei nº 10.684, de 30 de maio de 2003, estabelece em seu art. 9º e parágrafos: “É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168A e 337A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento. § 1º. A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva. § 2º.Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios”.Não há mais que se questionar se se trata de decisão condenatória. Aduza-se que a Súmula nº 18 diz que “A sentença concessiva do perdão judicial é declaratória da extinção de punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório”. O art. 120 do Código Penal declara expressamente que o perdão judicial não gera reincidência, ficando, pois, afastados os efeitos secundários da condenação. Cogita-se de direito subjetivo do réu, presentes os pressupostos legais de deferimento. Na legislação especial, o legislador especifica expressamente situações que ensejam perdão judicial; g) a Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011, que estrutura o sistema financeiro de defesa da concorrência e dispõe sobre a repressão às infrações contra a ordem econômica, estabelece o art. 87 que: “Nos crimes contra a ordem econômica, tipificados na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos demais crimes diretamente relacionados à prática de cartel, tais como os tipificados na Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, e os tipificados no art. 288 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, a celebração de acordo de leniência, nos termos desta Lei, determina a suspensão do curso do prazo prescricional e impede o oferecimento da denúncia com relação ao agente beneficiário da leniência”; e, no parágrafo único: “Cumprido o acordo de leniência pelo agente, extingue-se automaticamente a punibilidade dos crimes a que se refere o caput deste artigo”; h) a Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013, estatui, no caput do art. 4º, que “O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:”; e, nos §§ 5º, 6º e 8º: “§ 5º Se a colaboração for posterior à sentença, a pena poderá ser reduzida até a metade ou será admitida a progressão de regime ainda que ausentes os requisitos objetivos. § 6º O juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração [...] § 8º O juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos legais, ou adequá-la ao caso concreto”
II - Da Extinção da Punibilidade
1. Conceitua-se o delito após a evolução dos sistemas clássico, neoclássico e finalista, como a ação típica e antijurídica (injusto), praticado por autor, culpável. Seus elementos analíticos componentes são a tipicidade, a ilicitude e a culpabilidade. Deve haver a adequação da ação ao tipo, descritivo e valorativo, salvo quando existam permissões legais para a realização do injusto penal, o qual deverá ser reprovável ao autor, desde que seja imputável, possua consciência potencial da ilicitude, não lhe sendo razoável conduta diversa. Assim, coloca-se a punibilidade não como requisito, mas como consequência jurídica do ilícito penal (possibilidade de imposição ou execução da sanção penal). A Exposição de Motivos do Código Penal de 1940 (E.M. nº 35 do CP) preferiu a rubrica “extinção da punibilidade” à tradicional “extinção da ação penal e da condenação”, diante de conceitos errôneos, bem como rejeitando a epígrafe adotada no Código Penal italiano “extinção do crime e da pena”, pois o que existe antes de tudo é o próprio direito de punir por parte do Estado (a doutrina alemã fala em “Wegtall des Staatlichen Staatsanspruchs”). Assim, cessa a punibilidade do ato em razão de certas contingências ou por motivos vários de conveniência ou oportunidade política. Extingue-se a pretensão punitiva impedindo a persecutio criminis, ou fazendo com que a condenação imposta se torne inexistente. Sabe-se que quando há a realização típica surge para o Estado o direito subjetivo de impor ao autor do injusto penal uma sanção específica como consequência jurídica da violação da norma penal. Porém, em determinadas situações, extingue-se a punibilidade e por consequência o Estado vê desaparecer a pretensão punitiva à punição, isto é, a possibilidade jurídica de impor uma sanção pela violação da norma penal. O injusto não desaparece como ente jurídico, visto que, extinto, ainda continua a produzir vários efeitos jurídicos. É certo que, mesmo na hipótese da novatio legis, em que desaparece o injusto penal, permanecem os efeitos civis, não deixando de ser uma causa extintiva da punibilidade. A extinção da punibilidade configura o desaparecimento do ius puniendi estatal em relação a atos configurativos de injustos penais, diante da ocorrência e acontecimentos determinados por norma legal como causas extintivas da punibilidade. Registre-se que a causa extintiva da punibilidade está locada na Parte Geral e a escusa absolutória, na Parte Especial do Código Penal.
2. Encontram-se fora do tipo de injusto e da culpabilidade, e os efeitos objetivos condicionantes da punibilidade, depois de uma graduação quanto à intensidade de sua produção, na medida do risco assumido, não permitem incidir em simples responsabilidade objetiva. A doutrina aponta como condições objetivas de punibilidade no Direito pátrio: a) a exigência de dupla punibilidade no Brasil e no exterior, para os casos praticados fora do território nacional (art. 7º, § 2º, b, CP); b) o resultado de lesões corporais graves ou morte no crime de induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio (art. 122 do CPP); c) a divulgação, sem justa causa, na divulgação de segredo (art. 153 do CP); d) a revelação, sem justa causa, no crime de segredo profissional (art. 154 do CP); e) o prejuízo no crime de introdução ou abandono de animais em propriedade alheia (art. 164 do CP); f) a sentença que decreta a falência, concede a recuperação judicial ou extrajudicial em crimes falimentares (art. 180 da Lei nº 11.101/2005). É imprescindível a construção de uma relação de causalidade entre a realização típica e os efeitos específicos que condicionam a punibilidade. Em síntese, não pertencem à tipicidade, não integrando o tipo, constituindo-se em circunstâncias externas à ação (são anexos ao tipo), não abrangidos pelo dolo, configurando-se em acontecimentos futuros e incertos. Anote-se que o dolo do autor se estende às condições objetivas que estão agrilhoadas ao injusto do fato. Quando não se refere exclusivamente, o dolo não é estendido (condições de perseguibilidade ou de procedibilidade, os impedimentos de punibilidade ou os pressupostos processuais).Na nossa legislação mais recente, encontram-se inseridas no tipo penal (art.180 da Lei nº 11.101/2005 - “a sentença declaratória de falência, concede a recuperação judicial ou concede a recuperação extrajudicial de que trata o art. 163 desta Lei, é condição objetiva a punibilidade das infrações penais descritas nesta Lei”). Na visão pretoriana, o processo administrativo que apura a existência de débito fiscal é condição objetiva de punibilidade para a ordem tributária. Nesta direção, o fragmento da decisão da Corte Suprema: “Tratando-se dos delitos contra a ordem tributária, tipificados no art. 1º da Lei nº 8.137/90, a instauração da concernente persecução penal depende da existência de decisão definitiva, proferida em sede de procedimento administrativo, na qual se haja reconhecido a exigibilidade do crédito tributário (‘an debeatur’), além de definido o respectivo valor (‘quantum debeatur’), sob pena de, em inocorrendo essa condição objetiva de punibilidade, não se legitimar, por ausência de tipicidade penal, a válida formulação de denúncia pelo Ministério Público” (STF, HC 84.092/CE, 2ª T., rel. Min. Celso de Mello, j. 22.6.2004).
3. O disposto no art. 107 do Código Penal é apenas exemplificativo, visto que se poderiam elencar ainda outras causas extintivas da punibilidade não exauridas em seu elenco, a saber: a) ressarcimento do dano no peculato culposo (art. 312, § 3º); b) pagamento da contribuição previdenciária antes do início da ação fiscal (art. 168-A, § 2º); c) desistência da queixa nos crimes contra a honra, formulada na audiência do art. 520 do CPP; d) ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro, dependendo de não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido pena (art. 7º, II, § 2º, d, CP); e) pagamento do tributo ou contribuição social, incluindo-se acessórios, antes do recebimento da denúncia (art. 34 da Lei nº 9.249/95); f) morte da vítima no crime de induzimento a erro essencial ou ocultação de impedimento matrimonial (art. 236); g) término do período de prova do sursis e do livramento condicional (arts. 82 e 90 do CP); h) decurso do prazo da suspensão condicional do processo (art. 89, § 5º, Lei nº 9.099/95); i) pagamento integral do débito fiscal empreendido em um momento anterior ao trânsito em julgado da condenação é causa de extinção da punibilidade por opção político-criminal (Lei nº 10.864/2003). Na dicção do Supremo Tribunal Federal no HC 116.828/SP, 2ª T., rel. Min. Dias Toffoli, j. 13.8.2013. Cita-se o precedente: “Ação penal. Crime tributário. Tributo. Pagamento após o recebimento da denúncia. Extinção da punibilidade. Decretação. HC concedido de ofício para tal efeito. Aplicação retroativa do art. 9º da Lei federal nº 10.684/03, cc. art. 5º, XL, da CF, e art. 61 do CPP. O pagamento do tributo, a qualquer tempo, ainda que após o recebimento da denúncia, extingue a punibilidade do crime tributário” (HC 81.929/RJ, 1ª T., rel. p/ acórdão Min. Cezar Peluso, j. 16.12.2003); j) o pagamento de cheque emitido sem provisão de fundos após o recebimento da denúncia, não obsta o prosseguimento da ação penal (Súmula nº 554 do STF). O Superior Tribunal de Justiça firmou que “Tipificada a conduta da paciente como estelionato na sua forma fundamental, o fato de ter ressarcido o do prejuízo à vítima antes do recebimento da denúncia não impede a ação penal, não havendo falar, pois, em incidência do disposto no enunciado nº 554 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, que se restringe ao estelionato na modalidade de emissão de cheques sem suficiente provisão de fundo, prevista no art. 171, § 2.º, VI, CP” (STJ, HC 280.089/SP, 5ª T., rel. Min. Jorge Mussi, j. 18.2.2014). Não se devem confundir as causas extintivas da punibilidade com as escusas absolutórias, que são causas de exclusão ou isenção de pena, ficando íntegros o injusto e a culpabilidade. Nas escusas legais absolutórias inexiste pena por política criminal. Seus efeitos são idênticos aos efeitos da extinção da punibilidade. São elencados como escusas absolutórias no art. 181, I e II (imunidade penal absoluta nos injustos patrimoniais) e no art. 348, § 2º (isenção de pena, favorecimento real). O erro sobre a escusa absolutória é erro de proibição. Na hipótese do art. 181, II, ocorre a isenção de pena quando o autor do ato atua supondo, por erro escusável de proibição, se o objeto material pertence ao seu genitor, o mesmo ocorrendo se houvesse a suposição de que a res pertencesse a um estranho.
4. As escusas legais absolutórias são circunstâncias ditadas pelo princípio da utilidade pública e possuem o escopo básico de excluir a punibilidade do autor do injusto penal, quando relacionadas: a) à sua qualidade pessoal; b) à própria atividade extratípica; c) à atividade de um terceiro; d) à situação do cometimento factual, sem que estejam vinculadas diretamente com a conduta reprovável do autor. Cogita-se de causas especiais de exclusão da pena que assinalam teologicamente um tipo comum que se funda na conduta socialmente danosa e reprovável, que deve ser reprimida pelo Estado, que perde o interesse de aplicar a pena pela ratio do interesse predominantemente específico. Em nossa legislação, cita-se o art. 181 do Código Penal (imunidades absolutas), que prevê a isenção da pena (pessoal e objetiva) relativa aos delitos patrimoniais, quando praticados em prejuízo: a) do cônjuge, na constância da sociedade conjugal; b) de ascendente ou descendente, seja o parente legítimo ou ilegítimo, civil ou natural. Deixa-se de aplicar o favor legis em duas hipóteses: a) se o injusto é do tipo de roubo ou extorsão ou, em geral, quando haja emprego de grave ameaça ou violência à pessoa; b) ao estranho que participa do delito. Ainda é prevista a relação de parentesco no favorecimento pessoal excluindo-se a pena (art. 348, § 2º, CP), cuidando-se de estratégia de política criminal.
5. As causas extintivas da punibilidade se classificam em: a) gerais e especiais, as primeiras abarcam todos os injustos penais, ao passo que, as segundas, a determinadas categorias; b) comunicáveis e incomunicáveis, conforme se comuniquem (perdão aceito, abolitio criminis, decadência, perempção, renúncia ao direito de queixa, retratação, nos casos em que a lei admite) ou não (a morte, o perdão judicial, a graça, o indulto, a anistia observado o caso, a retratação do querelado na calúnia e difamação) aos coautores ou partícipes do delito.
6. Quanto aos efeitos, variam em relação ao momento em que ocorrem. Podem acontecer antes da sentença final ou depois da sentença condenatória passada em julgado. Se ocorrer antes da sentença passada em julgado, haverá a prescrição da pretensão punitiva, ao passo que, se ocorrer depois de transitada em julgado, ocorrerá a prescrição da pretensão executória. Se a causa extintiva da punibilidade ocorre antes da sentença final, vindo a cometer novo crime, não haverá reincidência, embora portador de maus antecedentes. Contudo, se a causa ocorrer depois do trânsito em julgado do decisum condenatório, vindo o agente a cometer novo crime, será reincidente. Nas hipóteses de abolitio criminis e anistia, mesmo ocorrendo após o trânsito em julgado da condenação, há retroatividade para atingir a pretensão punitiva, visto que, por exceção, a causa resolutiva do ius puniendi apaga o ato punível e rescinde a sentença irrecorrível. A possibilidade de o Estado impor a sanção como consequência jurídica do injusto é que se denomina punibilidade.
* Álvaro Mayrink da Costa
Doutorado (UEG). Professor Emérito da EMERJ. Desembargador (aposentado) do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
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