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A imperatividade da segurança e da liberdade, garantias básicas da paz pública na preservação dos direitos fundamentais


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O autor propõe uma reflexão sobre a polêmica discussão do enfrentamento das organizações criminosas, diante da necessidade do domínio integral pelo Estado

Por Álvaro Mayrink [1]


1. A sociedade mudou, sofrendo grandes transformações sociais, políticas e econômicas, os fatos reprováveis ético-juridicamente aumentaram o catálogo de normas penais repressoras; as medidas de execução do livramento condicional vão desaparecendo devido à progressão ao regime semiaberto; o regime fechado se convolou em mais fechado e único, retirando-se o direito às individualizações do regime e da progressão; limitou-se a discussão dos incidentes processuais por via das ações mandamentais de habeas corpus e de mandados de segurança; limitou-se o indulto; criaram-se figuras fantasmagóricas para justificar a configuração de quadrilhas, quando na verdade são meras coautorias (não se confundem com crime organizado). Reviveu-se o movimento da Lei e Ordem, as populações embaladas pela mídia e com uma caixa de ressonância nos juízos e Tribunais pleiteavam condenações que, pelo tempo de pena a ser imposta, só se cumpririam se os homens se transformassem em dinossauros

 

2. O revanchismo, o ódio, o confronto, a pena de morte informal, e a irrealidade conotam tais posturas. Precisam acordar, vivenciarem a realidade do conflito. Os arautos do macartivismo ainda querem mais, ora a pena de morte, ora a prisão perpétua, pois as leis penais seriam brandas! Toda sociedade, em determinados momentos de mudança, apresenta reflexos no conflito, basta observar a Rússia e os países da extinta URSS pós-socialista (guerra contra a Ucrânia), onde os presos políticos ainda continuam habitando em prisões, onde se aguardou até cinco anos por um julgamento, onde falta oxigênio nas infectas prisões. Não há necessidade aqui de citar a África e suas condições sanitárias precaríssimas, com um alto índice de mortalidade dos presos cautelares. Os crimes de guerra devem ser julgados e punidos. A pena privativa de liberdade nunca resolveu nem resolverá, mas sim retroalimentará o sistema de violência com as taxas de reincidência sendo privilegiadas.

 

3. Assim, o que há de novo, no combate ao crime organizado, é a conscientização dos países para ajustarem suas legislações, em razão do crime se ter internacionalizado, para poderem enfrentar as Máfias e os Cartéis de criminosos em um trabalho operativo de ajuda mútua. Mudou a consciência crítica de que as Forças Armadas devem ser treinadas e preparadas para o apoio logístico das operações mais sofisticadas e planejadas no combate permanente ao crime. Merece a acolhida o tratamento diferenciado em relação à criminalidade de pequena potencialidade e de bagatela. Os magistrados não se devem impressionar com o aspecto sensacionalista da mídia irresponsável, e a população já passou a ter consciência de sua cidadania. Os menores e os adolescentes devem receber novo modelo de suporte didático-pedagógico. A corrupção dos agentes do Estado deve seu objeto de combate permanente. Ainda que assim se faça, não se pode perder de vista o social, sob todos os seus aspectos, para ter a redução das taxas de crescimento da “criminalidade convencional urbana e rural. Precisa-se planejar e se sentar à mesa para uma reflexão em plano internacional, visto que a transnacionalidade dos delitos não deixa aos países o direito ao isolamento. A luta é global.

 

4. O sopro do princípio da legalidade é sua maior marca, para barrar o excesso ou o desvio da execução. Restaura-se a dignidade e a humanidade do Direito Penal, em uma revisão de estruturas decadentes. O marco do repúdio à ideologia do tratamento conflita com a faculdade do livre-arbítrio e do direito de ser diferente. Chega-se ao século XXI e os problemas de encarceramento continuam. Constroem-se “grandes jaulas” de “segurança máxima” e a criminalidade aumenta em taxas mais agressivas. O regime progressivo e o exame criminológico (obrigatório) são burlados. Torna-se imperativo desmistificar o chamado discurso da multidão, que é superficial e vazio, gerando uma grande ilusão que conscientemente escamoteia a verdade. O grande problema ético situa-se na ilusão coletiva, impedindo um tratamento real ao thema. A busca por transformações meteorológicas, impede as profundas, as verdadeiras, que são por óbvio muito mais difíceis e doloridas. A obra tem que dizer algo novo e se destacar, atender à demanda de mercado, consumando um juízo crítico. Não se pode esquecer que as mídias criaram pela superdramatização do crime e das transgressões urbanas a cultura do pessimismo que estamos mergulhados.

 

5. A historiografia do controle da violência urbana e rural e as estratégias para garantir o bem-estar social sempre foram objeto de preocupação, porém a mobilização da opinião pública através dos meios de comunicação, de forma fetichizada e ilusória, exigindo lobisticamente condenações às penas privativas de liberdade de longa duração, criação em todo o território nacional de grandes penitenciárias de segurança máxima para encarceramento de todos os infratores da lei penal, bem como a revogação de quaisquer benefícios na execução penal. Só falta voltar às galeras e às penas corporais aflitivas. E, conforme é cediço, tais ações só implementam a retroalimentação do sistema de violência, diante da constatação da cidadania de papel, onde o cliente-alvo de nossas atuais leis penais draconianas não poderá participar do denominado mercado de direitos. Analisadas tais linhas legislativas, pode-se afirmar que não será através de um modelo penal autoritário, e utilizando-se a sanção penal como remédio indiscriminado para os males da estrutura social injusta em países de precária distribuição de renda e com bolsões de miséria absoluta, com populações vivendo em comunidades e nas ruas dos grandes centros urbanos, graçando o desemprego e a mão-de-obra não-qualificada. As políticas e as ações adotadas só contribuem para o aumento dos indícios da criminalidade das massas, tornando o crime cada vez mais organizado.

 

6. Evidencia-se que entre as finalidades político-criminais ressalta-se o princípio de respeito à dignidade humana e as garantias fundamentais do indivíduo, o que poderia causar obstáculos ao se dotar o sistema de Direito Penal (plano de deve ser) de um caráter supranacional, tendo como referência a comunidade cultural e os valores constitucionais. Destaca-se que não se pode frear na universalização a base das estruturas lógico-objetivas ou de imputação. Segundo Joachim Hruschka (1935-2017), jurista alemão da Universidade Friedrich-Alexander de Erlangen-Nuremberg, centralizar-se-ia na conformação de casos problemáticos e de estruturas de implantação, deixando as respostas para o nível secundário (valoração das estruturas de imputação). Em síntese, uma ciência penal, admitindo rasgos teológicos-valorativos, pode ser supranacional, desde que não olvide as raízes culturais, observados os condicionamentos espaço-temporais.

 

7. O Direito Penal contemporâneo é afeiçoado a colher os frutos da fachada empírica sem querer arcar com os custos respectivos: quer ser instrumento de efetiva solução de problemas, mas não admite ser questionado em sua eficiência. Em presença do maciço e notório déficit de execução que se observa nos campos mais modernos do Direito Penal, como drogas, sistema econômico, atentado contra a democracia, terrorismo e ecocídio [2],[1] resta sempre o perigo de uma eficiência puramente aparente e, portanto, simbólica. É dever das ciências penais observarem e apontar se e onde a moderna política criminal ainda é praticada para tutelar bens jurídicos sólidos, em vez de apenas difundir simbolicamente a promessa de eficácia.

 

8. A questão decisiva, porém, será de quanto de sua tradição o Direito Penal deverá abrir mão a fim de manter esse contato. Esta questão será afinal decidida politicamente, o que significa, no que nos diz respeito, sem influência significativa das ciências penais. Ainda assim, as ciências penais têm a chance (e a tarefa) de produzir ou de desenvolver alguns topoi mínimos, que sem uma observância uma decisão política não deveria ser legitimamente adotada. Entre estas bases mínimas inclui-se com destaque a difusão da atitude de ver as garantias penais e processuais penais do Estado de direito não como relíquias de um formalismo ultrapassado e, sim, como requisitos de legitimação do Direito Penal [3].



[1] Doutorado (UEG). Professor Emérito da EMERJ. Desembargador (aposentado) do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (2001-2003).


[2] Não se pode esquecer que a vida é sustentada por uma ampla rede de processos – fluxo de energia nos ecossistemas. O estudo filosófico da natureza conecta o presente ao passado. Luta-se pela humanidade. Os danos ambientais causados pela expansão urbana não podem ser ignorados.  


[3] Algumas publicações de Winfried Hassemer, traduzidas para o espanhol ou o português: Fundamentos del Derecho Penal, trad. e notas de Muñoz Conde e Arrayo Zapatero, Barcelona, Bosch, 1984, lntroducción a Ia Criminologia y al Derecho Penal, em coautoria com Muñoz Conde, Valencia (Esp.), Tirant lo Blanch, 1989, El Destino de los derechos del cidadano en un Derecho Penal “eficaz”, trad. de Muñoz Conde, revista Estudios penales y criminológicos XV, Universidad de Santiago de Compostela (Esp.), 183-198. O sistema do Direito alemão, Col. Direito comparado I, Porto Alegre, 1985, 189-209; La persecución penal: legalidad y oportunidad, in: Lecciones y ensayos, Facultad de Derecho y ciencias sociales de Ia Universidade de Buenos Aires, 1988, 13-21 e também in: Havia una nueva justicia penal, Buenos Aires, 1989, 29-38; Alternativas aI principio de culpabilidade?, in: Ciências penales, año 2, n° 3, San José (Costa Rica), 1990, 2-9.


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