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Foto do escritorÁlvaro Mayrink *

Violência arbitrária e o abuso de autoridade


(Crédito da imagem: Vox)


Violência arbitrária e o abuso de autoridade: a sociedade contemporânea tornou-se uma sociedade de riscos decorrente do surgimento diário de novos riscos. Vive-se a cultura do medo.


O autor faz uma reflexão sobre os instrumentos normativos da legislação brasileira na proteção do cidadão numa sociedade de risco (Risikogesellschaft) que, como discorre Ulrich Beck, se reproduz através do surgimento de “novos riscos” (violência policial, linchamento, violência sexual, drogas, criminalidade organizada, sequestros, homicídios etc.). Precisamos, cada vez mais, debater, prevenir e administrar os riscos produzidos

1. Nas legislações antigas, a execução arbitrária de medidas privativas de liberdade por parte de autoridades e seus agentes conduzia tão somente na obrigação de compor perdas e danos. Heleno Fragoso cita Baldo (“Judex temere capiens innocentem puniendus est, tenetur ad damna et interesse partis”).


2. O Código Napoleônico (1810), no art. 114, criminalizava o abuso de autoridade (attentato à la liberte) que configurava um crime contra a Carta Política (“Lorsqu’un fonctionnaire public, un agent ou un préposé du Gouvernement aura ordonné ou fait quelque acte arbitraire ou attentatoire soit à la liberté [...] soit à la Constitution, il sera condemné à la peine de dégradation civique”).


3. Pessina abordava o Esercizio illegale ed arbitratrio del potere como uma quarta e última modalidade de prevaricação e como os Códigos sardo e toscano, abarcando três categorias: a) do exercício abusivo de autoridade contra o interesse público; b) do exercício abusivo de autoridade contra os particulares; c) da violência e dano aos detidos.


4. O Código Rocco (1930), na seção referente aos Delitti contro la libertá personale, tipifica isoladamente: a) arresto illegale (art. 606); b) indebita limitazione di libertá personale (art. 607); c) abuso di autoritá contra arrestati o detenute (art. 608); d) perquizione e ispezione personali arbitrarie (art. 609).


5. O Direito Penal alemão também prevê sem figuras autônomas: a) verfolgung unschuldiger (§ 344 do StGB); b) vollstreckung gegen unschuldige (§ 345 do StGB).


6. O Código Penal francês (1994) ao tratar “Des abus d’autorité commis contre les particuliers”, referindo-se aos atentados à liberdade individual, prescreve no art. 432-4 (“Le fait, par une personne dépositaire de l’autorité publique ou chargée d’une mission de service public, agissant dans l’exercice ou à l’occasion de l’exercice de ses fonctions ou de sa mission, d’ordonner ou d’accomplir arbitrairement un acte attentatoire à la liberté individuelle est puni de sept ans d’emprisonnement et de 100 000 euros d’amende”) e no art. 432-6 (“Le fait, par un agent de l’administration pénitentiaire, de recevoir ou retenir une personne sans mandat, jugement ou ordre d’écrou établi conformément à la loi, ou de prolonger indûment la durée d’une détention, est puni de deux ans d’emprisonnement et 30 000 euros d’amende”).


7. O Código Penal português (1995) bem estrutura o combate ao abuso de poder ao prever nos arts. 380, sob a rubrica “Emprego de força pública contra a execução da lei ou de ordem legítima” (“O funcionário que, sendo competente para requisitar ou ordenar emprego da força pública, requisitar ou ordenar este emprego para impedir a execução de lei, mandado regular da justiça ou ordem legítima de autoridade pública, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias”), 381, sob a rubrica “Recusa de cooperação” (“O funcionário que, tendo recebido requisição legal de autoridade competente para prestar a devida cooperação à administração da justiça ou a qualquer serviço público, se recusar a prestá-la, ou sem motivo legítimo a não prestar, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias”) e 382, sob a rubrica “Abuso de poder” (“O funcionário que, fora dos casos previstos nos artigos anteriores, abusar de poderes ou violar deveres inerentes às suas funções, com intenção de obter, para si ou para terceiro, benefício ilegítimo ou causar prejuízo a outra pessoa, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”).


8. O Código Penal argentino trata do abuso de autoridade de uma forma genérica e vaga, no art. 248 (“Será reprimido con prisión de un mes a dos años e inhabilitación especial por doble tiempo, el funcionario público que dictare resoluciones u órdenes contrarias a las constituciones o leyes nacionales o provinciales o ejecutare las órdenes o resoluciones de esta clase existentes o no ejecutare las leyes cuyo cumplimiento le incumbiere”).


9. O Código Criminal do Império (1830), ora mais preciso que o Código Napoleônico (1830), bastante vago e indefinido, que já prescrevia que: a) a prisão deve ser ordenada por autoridade competente; b) quando for feita por ordem de autoridade competente, não deverá ser antes de culpa formada; c) só poderá ser feita antes de culpa formada, preenchidos os quesitos da lei (art. 13, § 2º, Lei nº 2.033, de 20 de setembro de 1871). Quem decretasse a prisão em oposição a tais princípios violaria a primeira parte do art. 181 do Código Criminal de 1830.


10. O art. 181 do Código Criminal do Império de 1830, assim previa: a)Executar a prisão sem ordem legal escripta de legitima autoridade; exceptuados os militares, ou Officiaes de Justiça, que incumbidos da prisão dos malfeitores, prenderem algum individuo suspeito, para o apresentarem directamente ao Juiz e exceptuado tambem o caso de flagrante delicto”; b)Mandar qualquer Juiz prender alguem fóra dos casos permittidos nas leis, ou mandar que, depois de preso, esteja incommunicavel além do tempo, que a Lei marcar”; c)Mandar metter em prisão, ou não mandar soltar della o réo, que der fiança legal nos cases, em que a lei a admitte”; d)Receber o Carcereiro algum preso sem ordem escripta da competente autoridade, não sendo nos casos acima exceptuados, quando não fôr possivel a apresentação ao Juiz”; e)Ter o Carcereiro, sem ordem escripta de competente Autoridade, algum preso incommunicavel; ou tel-o em diversa prisão da destinada pelo Juiz”; f)Occultar o Juiz, ou o Carcereiro, algum preso á autoridade, que tiver direito de exigir a sua apresentação”; g)Demorar o Juiz o processo do réo preso, ou afiançado além dos prazos legaes; ou faltar aos actos do seu livramento”.


11. O Código Penal de 1890, nos arts. 207, 9º, e 207, 14º, adotou critério diverso incluindo no rol dos Crimes contra a boa ordem e a Administração Pública, como forma de prevaricação (“Ordenar a prisão de qualquer pessoa, sem ter para isso causa ou competência legal, ou tendo-a, conservar alguém incomunicável por mais de 48 horas, ou retêl-o em cárcere privado ou em casa destinada à prisão” e “Executar a prisão de alguém sem ordem legal, escripta, de autoridade legítima; ou receber, sem essa formalidade, algum preso, salvo o caso de flagrante delicto, ou de impossibilidade absoluta da apresentação da ordem”).


12. O nosso Código Penal de 1940, por influência do Código Rocco, dispõe no Capítulo III (“Dos crimes contra a Administração da Justiça”), no art. 350, caput e parágrafo único, sob a rubrica lateral “Exercício arbitrário ou abuso de poder” (“Ordenar ou executar medida privativa de liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder”, cominando a pena de detenção, de um mês a um ano. “Na mesma pena incorre o funcionário que: I – ilegalmente recebe e recolhe alguém a prisão, ou a estabelecimento destinado a execução de pena privativa de liberdade ou de medida de segurança; II – prolonga a execução de pena ou de medida de segurança, deixando de expedir em tempo oportuno ou de executar imediatamente a ordem de liberdade; III – submete pessoa que está sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei; IV – efetua, com abuso de poder, qualquer diligência”).


13. O Código Penal de 1969, no art. 390, repete o texto de 1940.


14. No anteprojeto de 1984, não consta a figura penal e no anteprojeto de 1999, no art. 328, consta sob o nomen iuris de abuso de autoridade, no exercício de função ou a pretexto de exercê-la aumentando o elenco casuístico: “I – Ordenando ou executando medida privativa de liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder; II – submetendo pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado; III – deixando de comunicar, imediatamente, ao juiz competente a prisão de qualquer pessoa; IV – deixando o juiz de ordenar o relaxamento de prisão ilegal que lhe seja comunicada; V – deixando de comunicar ao juiz competente a transferência de pessoa presa ou submetida a medida de segurança para outro estabelecimento ou local diverso daquele no qual estava originalmente custodiada; VI – sonegando à autoridade judiciária informação acerca de pessoa presa; VII – levando à prisão e nela detendo quem se ponha a prestar fiança em lei”; cominando pena de detenção, de seis a dois anos, e multa, além da pena correspondente à violência, se não constitui crime mais grave.


15. O texto do anteprojeto de 1999 retrata as violações praticadas pelas autoridades e seus agentes contra os direitos humanos de presos, condenados e internados em hospitais de custódia para tratamento psiquiátrico no Brasil, que passa a serem atenuados através dos “mutirões carcerários”, institucionalizados através de revisão periódica das prisões provisórias e definitivas, das medidas de segurança e das internações de adolescentes, no sentido de “zelar pelo cumprimento dos princípios constitucionais da razoável duração do processo e da legalidade estrita da prisão” (Conselho Nacional de Justiça, Resolução nº 89, de 16 de setembro de 2009).


16. Com a edição da Lei nº 4.898, de 9 de dezembro de 1965, ficaram especificados os Crimes de Abuso de Autoridade, diante dos arts. (“Constitui abuso de autoridade qualquer atentado: a) à liberdade de locomoção; b) à inviolabilidade do domicílio; c) ao sigilo da correspondência; d) à liberdade de consciência e de crença; e) ao livre exercício do culto religioso; f) à liberdade de associação; g) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício do voto; h) ao direito de reunião; i) à incolumidade física do indivíduo; j) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional”) e (“Constitui também abuso de autoridade: a) ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder; b) submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei; c) deixar de comunicar, imediatamente, ao juiz competente a prisão ou detenção de qualquer pessoa; d) deixar o Juiz de ordenar o relaxamento de prisão ou detenção ilegal que lhe seja comunicada; e) levar à prisão e nela deter quem quer que se proponha a prestar fiança, permitida em lei; f) cobrar o carcereiro ou agente de autoridade policial carceragem, custas, emolumentos ou qualquer outra despesa, desde que a cobrança não tenha apoio em lei, quer quanto à espécie quer quanto ao seu valor; g) recusar o carcereiro ou agente de autoridade policial recibo de importância recebida a título de carceragem, custas, emolumentos ou de qualquer outra despesa; h) o ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal; i) prolongar a execução de prisão temporária, de pena ou de medida de segurança, deixando de expedir em tempo oportuno ou de cumprir imediatamente ordem de liberdade”).


17. Pode-se aduzir na Lei de Execução Penal os arts. 105 (“Transitando em julgado a sentença que aplicar a pena privativa de liberdade, se o réu estiver ou vier a ser preso, o juiz ordenará a expedição de guia de recolhimento para execução”), 109 (“Cumprida ou extinta a pena, o condenado será posto em liberdade, mediante alvará do juiz, se por outro motivo não estiver preso”), 136 (“Concedido o benefício, será expedida a carta de livramento...”), 171 (“Transitada em julgado a sentença que aplicar medida de segurança, será ordenada a expedição de guia para a execução”) e 179 (“Transitada em julgado a sentença, o juiz expedirá ordem de desinternação ou liberação”). Aplicava-se as hipóteses à decisão do Supremo Tribunal Federal no julgamento conjunto das MC na ADC 43 e MC na ADC 44, julgadas em 5 de outubro de 2016, que manteve por maioria (6 votos a 5), com repercussão geral (STF, REAg 964.246/SP, rel. Min. Teori Zavascki, j. 10.11.2016), a decisão de permitir a prisão de condenados em decisão de segunda instância, sem o trânsito em julgado, em nome da efetividade da sentença sobre o princípio da presunção de inocência (art. 5º, LVIII, CF/88). Repita-se o texto da Carta Política: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”; e art. 283 do CPP: “Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou preventiva”.


18. Registre-se, que a condenação em segunda instância com a expedição de mandado de prisão, como execução provisória da pena, incorre em ilegalidade, diante da jurisprudência atual da Suprema Corte (2022). Não é possível ter o início da execução da pena condenatória após o acórdão condenatório em segundo grau, uma vez que ninguém poderia ser considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença, por força do que dispõe o art. 5º, LVII, da Carta Republicana/88, diante do princípio da presunção de inocência ou da própria não culpabilidade. Assim, na direção do Superior Tribunal de Justiça, há necessidade do esgotamento de todas as possibilidades de recurso para o início do cumprimento da pena, isto é, o trânsito em julgado da sentença condenatória (STJ, AgRg no REsp 937.267/BA, 6ª T., rel. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 26.5.2020).


19. Finalmente, na nossa Constituição Federativa de 1988 registrem-se: o art. 5º, inciso III (“Ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”); o inciso XLV (“Nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executados, até o limite do valor do patrimônio transferido”); o inciso XLVIII (“A pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado”); o inciso XLIX (“É assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”); o inciso LVI (“São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”); o inciso LVIII (“Possivelmente identificado, não será submetido à identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei”); o inciso LXI (“Ninguém será preso se não em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definido em lei”); o inciso LXII (“A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada”); o inciso LXIII (“O preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e do advogado”); o inciso LXIV (“O preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial”); o inciso LXV (“A prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária”); o inciso LXVI (“Ninguém será levado à prisão ou nela mantido quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”); o inciso LXVII (“Não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel”); o inciso LXVIII (“Conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”).


20. Houve profunda divergência doutrinária, resumindo-se em três posições: a) ab-rogação com revogação completa do art. 350 do Código Penal pelos arts. 3º e 4º da Lei nº 4.898/65; b) derrogação com revogação do art. 350, caput, e inciso III do parágrafo único (“submete pessoa que está sob sua guarda ou custódia a vexame ou constrangimento não autorizado por lei”) pelo art. 4º, alíneas a e b, da Lei nº 4.898/65; c) o art. 350 e parágrafo único do Código Penal foi absorvido pela Lei nº 4.898/65; d) os incisos I (“ilegalmente recebe e recolhe alguém à prisão, ou estabelecimento destinado à execução da pena privativa de liberdade ou de medida de segurança”) e IV (“efetua, com abuso de poder, qualquer diligência”) não estão revogados. O art. 234 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (ECA), derroga o art. 350, parágrafo único, II, pelo critério da especialidade. A Lei nº 4.898/65, pelos arts. 3º e 4º, revogou tacitamente o art. 350 do Código Penal, registrando-se que os incisos II e III e o parágrafo único do art. 350 do Código Penal foram reproduzidos integralmente pelas alíneas a, b e i do art. 4º da Lei nº 4.898/65, sendo que os demais incisos do art. 350 (I e IV) houve grande discordância na doutrina.


21. A Lei nº 13.869/2019 (abuso de autoridade) prescreve no art. 18: “Submeter o preso a interrogatório policial durante o período de repouso noturno, salvo se capturado em flagrante delito, ou se ele, devidamente assistido, consentir emprestar declarações. Pena. Detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa”. O novo edito fixou o conceito noturno de 21h a 5h, que não se confunde com noite. A Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas e Degradantes, em seu art. 1º, fornece o conceito de tortura: “qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de uma terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por funcionário público ou pessoa no exercício de função pública, ou por sua instigação ou com seu consentimento ou aquiescência”. A Lei nº 9.455, de 7 de abril de 1997, que define os crimes de tortura, dispõe no art. 1º, II (“submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de medida de caráter preventivo”), cominando a pena de reclusão, de dois a oito anos; e, no § 1º (“Na mesma pena, incorre quem submete pessoa presa ou sujeita à medida de segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal”), observado o princípio da especialidade. A Lei nº 13.869/2019 (abuso de autoridade) prescreve no art. 18 “Submeter o preso a interrogatório policial durante o período de repouso noturno, salvo se capturado em flagrante delito, ou se ele, devidamente assistido, consentir em prestar declarações. Pena. Detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa”. O novo edito fixou o conceito noturno de 21 horas às 5 horas, que não se confunde com a noite. A Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes, em seu art. 1º, fornece o conceito de tortura: “Qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa, a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la ou, por atos cometidos, intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou, por qualquer motivo, baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por funcionário público ou por outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação ou com o seu consentimento ou aquiescência. Não se considerará como tortura as dores ou sofrimentos consequência unicamente de sanções legítimas ou que sejam inerentes a tais sanções ou delas decorram”. Vige o princípio da dignidade da pessoa humana. Na tortura, o dolo é com especial fim de agir (sofrimento físico e moral). A nova lei de abuso de autoridade é um leão sem dentes.


22. O Projeto de Lei do Senado nº 280 de 2016, que teve a relevante participação e colaboração por parte do Comitê Gestor do II Pacto Republicano, com efetiva colaboração do Judiciário, e ouvido o Ministério da Justiça, passa a definir 39 tipos de crimes de abuso de autoridade, no capítulo VI, cometidos por membro do poder ou agente da Administração Pública, servidor público ou não, da União, Estados, Distrito Federal e Municípios que, no exercício de suas funções, ou a pretexto de exercê-las, abusa do poder que lhe foi conferido. O Projeto de Lei nº 4.850-C/2016, que estabelece medidas de combate à impunidade, à corrupção, altera e revoga dispositivos do Código Penal e de Processo Penal e uma gama de leis e dá outras providências. Há que se observar que a onda criminalizatória para consagrar novas figuras penais, adotando um critério maximalista, abarca violações meramente disciplinares transladadas em crimes e por absurdo incluindo divergências doutrinárias e jurisprudenciais na interpretação da lei durante a avaliação concreta de fatos e provas, tornando qualquer irregularidade em ato de improbidade.


23. A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, por unanimidade, aprovou o substitutivo do senador Roberto Requião (PMDB-PR) ao projeto que trata dos crimes de abuso de autoridade, após a retirada do texto, do chamado “crime de hermenêutica”. O texto aprovado foi produzido a partir de duas proposições que tramitavam no Senado: o PLS 280/2016, que era o objeto original dos debates sobre esse tema no Senado, do senador Renan Calheiros (PMDB-AL); e o PLS 85/2017, apresentado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que se originou de uma série de sugestões elaboradas pelo Ministério Público Federal.


24. Com a edição da Lei nº 13.869, de 5 de setembro de 2019, que dispõe sobre os crimes de abuso de autoridade, e altera a Lei nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989, a Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996, a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, e a Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994; e revoga a Lei nº 4.898, de 9 de dezembro de 1965, e dispositivos do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal). Em breve síntese, destaca-se, no caput do art. 1º do novel diploma: “Esta lei define os crimes de abuso de autoridade cometidos por parte do agente público, servidor ou não, que, no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las, abusa do poder que lhe tenha sido atribuído”. Como foi dito acerca da análise ampliada do conceito de funcionário público e servidor público, o conceito de agente público é exemplificativo – servidores públicos civis e militares, a eles equiparados, membros dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, do Ministério Público e dos tribunais ou conselhos de contas. Repete-se que os agentes públicos só podem agir na esfera de limites do estrito cumprimento do dever legal. Não resta dúvida que o quadro normativo revela a prática de atos mais gravosos à dignidade da pessoa humana e aos direitos humanos que a simples reprimenda administrativa no âmbito disciplinar, civil ou moral, se torna um estímulo de atuares altamente reprováveis.


25. Entende-se revogado o art. 322 do Código Penal pela Lei nº 4.898/65, a qual foi revogada expressamente pela Lei nº 13.869, de 5 de setembro de 2019 (crimes de abuso de autoridade - “cometidos por agente público, servidor ou não, que, no exercício de suas funções ou prevalecendo de exercê-las, abuse do poder que lhe tenha sido atribuído”), que revogou expressamente o art. 350 do Código Penal.


26. Assim, observa-se a evolução das propostas legislativas de reforma do texto em vigor.


27. O abuso de autoridade constitui uma forma de preocupação constante na reflexão do penalista na ótica jurídica. Seu conceito no Direito Penal incide na função sociopolítica da norma penal que não se limita à satisfação de uma abstrata exigência sistemática. No crime de abuso de poder, também chamado de abuso de autoridade, há uma lesão ao prestígio da instituição pública e ao direito de liberdade individual. A correspondência entre o desvalor do ato e a pena implica a necessidade que o fato previsto a título de crime deva realizar-se com uma lesão relevante ao bem protegido. Há a contrariedade de um bem constitucional relevante em um ato típico do próprio ofício que supera os limites de tolerabilidade estabelecidos do princípio de taxatividade que domina a matéria penal. No desenho constitucional, impõe-se o princípio da clareza e a determinação de norma restritivas em uma vedação das leis restritivas de conteúdo casuístico ou discriminatório, na esteira de Gilmar Mendes, Direitos Fundamentais e Controle da Constitucionalidade, que conclui: “Cumpre indagar, também, se as avaliações impostas pelo legislador não revelam incompatíveis com os princípios da razoabilidade ou da proporcionalidade (adequação, necessidade e razoabilidade)”.


28. Embora o Brasil viva em um Estado Democrático de Direito, com a imprensa livre e as manifestações populares, em plena democracia, está presente a violência arbitrária dos agentes do Estado, diante da população pobre, favelada e negra, invadindo domicílios, prendendo e interrogando suspeitos para “averiguações”, em nome da segurança pública, ou no caso do crime do colarinho branco, a invasão de escritórios de advocacia, à noite, para filmagem e busca de documentos (transformados em “locais de crime”), ou a condução coercitiva de pessoas sem intimação prévia (“prisão para averiguações”), em operações policiais que se caracterizam pela espetacularidade midiática que alimenta a pauta dos grandes grupos jornalísticos, sob o “fundamento” do “combate à impunidade”, além de prisões temporárias e preventivas alongadas, objetivando a obtenção da “colaboração premiada” com a violação da garantia constitucional de não produzir provas contra si. Não se admite a fratura do devido processo legal. Quando se defende um direito penal eficaz não significa olvidar a exigibilidade do cumprimento estrito das garantias fundamentais em um Estado Democrático de Direito. Não se pode desconstruir as normas processuais e o devido processo legal, sob o argumento “justiceiro”, alimentado pela publicidade midiática através de discursos “moralizantes”.


29. Tudo isso foi dito para afirmar que, a nosso juízo, o texto normativo deixa de atingir as finalidades a que se propõe perdendo efetividade na prática e tornando-se apenas simbólico. Cita-se Gilmar Mendes, Direitos Fundamentais e Controle da Constitucionalidade, quando pontua que: “Os direitos fundamentais não contêm apenas uma norma de proibição de intervenção (Eingriffsverbote), expressando também um postulado de proteção (Schutzgebote). Haveria, assim, para utilizar uma expressão de Canaris, não apenas uma proibição de excesso (Übermassverbot), mas também uma proteção de omissão (Untermassverbot)”. As figuras pecam por serem vagas, diante do princípio da legalidade, aduzindo-se que os elementos subjetivos do tipo são específicos (prejudicar outrem, beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou ainda por mero capricho ou satisfação pessoal), o que não ocorria na Lei nº 4.898/65, ora revogada, o que dificulta a prova diante da ação penal incondicionada. De outro lado, parte das penas privativas de liberdade cominadas são igual ou inferior a um ano, possibilitando a aplicação do art. 9º da Lei nº 9.099/95 (suspensão condicional da pena) e, de outro, a cominada, fica no marco de quatro anos, o que possibilita a substituição da pena privativa de liberdade (quando não houver violência ou grave ameaça à pessoa) por restritiva de direitos, fora possibilitar a prescrição intercorrente (na hipótese de prerrogativa de foro) ou superveniente. Ainda tem-se a hipótese da possibilidade de acordo de não persecução penal. O contexto já contém garantias previstas no Código Penal e na Constituição Federal. Reproduz-se o texto da Lei nº 13.869/2019, promulgado e os vetos para uma visão ampla, diante do princípio da especialidade. A simples leitura do texto normativo não exige uma análise mais específica.


30. Aduza-se manifestação da Corte Suprema, na hipótese do uso das algemas: “Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado” (STF, Súmula Vinculante nº 11, Sessão Plenária 13.8.2008, DJ 22.8.2008). Depois, reiterada, diante de Reclamação interposta: “Súmula Vinculante nº 11. Uso de algemas no réu durante audiência de interrogatório sem devida fundamentação. Tribunal de origem anulou o feito desde a referida audiência. Aplicação adequada do enunciado sumular” (STF, Rcl 16.178 AgR/RS, 2ª T., rel. Min. Gilmar Mendes, j. 28.10.2014). Aduza-se o Decreto nº 8.858, de 26 de setembro de 2016, que regulamenta o art. 199 da Lei de Execução Penal (“O emprego de algemas será disciplinado por decreto federal”), dispondo sobre a proteção e promoção da dignidade da pessoa humana presa e a proibição de submissão do tratamento desumano, degradante e especial das mulheres, em condição de vulnerabilidade. Assim, tem-se: a)“É permitido o emprego de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, causado pelo preso ou por terceiros, justificada a sua excepcionalidade por escrito”;b) “É vedado o emprego de algemas em mulheres presas em qualquer unidade do sistema penitenciário nacional durante o trabalho de parto, no trajeto da parturiente entre a unidade prisional e a unidade hospitalar e após o parto, durante o período em que se encontre hospitalizada”.


31. Registre-se que os presos em midiáticas operações policiais são obrigados a caminhar observados pelos holofotes das TVs com os braços virados para as costas, simulando estarem algemados, ou quando algemados nas mãos e nos pés, violando a Carta Política.


32. Pontuando o relevante thema da dignidade da pessoa humana em um Estado Democrático de Direito, reporto-me à passagem da sentença que prolatei no “Caso Aézio”, em 24 de outubro de 1979, na 7ª Vara Criminal da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, pertinente à questão de fundo:

Democracia é um complexo de valores, não se podendo defini-la à luz de critérios isolados, de natureza pluralista; é um produto da cultura ocidental, possibilitando um maior bem-estar pela maior mobilidade nas relações intra e inter grupos. O fundamento político-jurídico está na garantia dos direitos individuais e das liberdades públicas, asseguradas nas ações de um judiciário liberto de limitações para a plenitude da imparcialidade dos julgamentos. A liberdade da vida humana é sempre a liberdade social, é o modo de expressar que a dignidade da vida depende de cada um de nós. Dizia Kelsen que: ‘A liberdade do indivíduo, que fundamentalmente é impossível, perde pouco a pouco a importância diante da comunidade social’; todavia, funda-se a liberdade nas prerrogativas da natureza humana. O estado de direito não funciona no vácuo, e não é esta a hora da liberdade entendida como um capricho individual; há um novo endereço que á a sua encarnação na sociedade justa. O grande problema das democracias ocidentais é conciliar a liberdade, imprescindível à dignidade do homem, com as exigências de segurança cada vez mais complexas. O descrédito da normalidade jurídica suscita desconfiança na opinião pública a respeito da continuidade e permanência da política legislativa do Estado. O Direito é ontologicamente a projeção do homem na sociedade mediante o exercício de sua liberdade social, traçando os limites através da conduta jurídica. Numa democracia, a sociedade nacional busca viver sob o império da lei. A falta de segurança jurídica, com o mínimo de certeza e de direitos garantidos aos indivíduos, incorre na arbitrariedade e no despotismo. A negação do mínimo de segurança relativa aos direitos fundamentais é uma negativa da própria justiça para com os cidadãos. Os valores supremos da democracia, tais como a liberdade e a justiça, seriam vazios de conteúdo se não fossem desenvolvidos num clima de segurança jurídico-social. A justiça sem segurança seria um programa teórico, e a segurança sem justiça seria o domínio do arbitrário. É no sistema de equilíbrio entre as liberdades individuais e a ordem sociopolítica, que se inspira o bem comum, que se preserva institucionalmente os preceitos de direito, salvaguardando-se mediante a atuação de sanções na medida em que resultem vulnerados através de procedimento legal. A autoridade não pode jamais coartar a liberdade no sentido de opor-se à sua expansão e destruí-la. A autoridade não é senão uma forma de exercício da liberdade. A autoridade justa não pode aniquilar a criatura humana nem subordiná-la aos fins que não estão à altura do homem.

A crise de nossa época é a crise da fé na liberdade, e a vida diária nos grandes centros urbanos traduz-se em desordem, desassossego, num estado de insatisfação que nem sempre encontra o complemento dialético da satisfação, desembocando às vezes, por isso, na neurose. O humanismo atual encontra-se frente a um homem massificado, despojado de sua personalidade, convertendo-se em órgão de um processo suprapessoal e coletivo, dentro de um regime de massa dominado pelo Estado. As desigualdades de renda, educação, as perspectivas de emprego e as probabilidades de vida, entre indivíduos e grupos sociais, caracterizam nossa sociedade. O enorme recrudescimento na extensão das divisões de trabalho, proporcionada com a industrialização, acarreta padrões altamente complexos de desigualdade relacionados com a educação e o emprego. Quando se analisa as desigualdades, acodem-nos à mente questões tais como os direitos políticos e jurídicos, proventos merecidos e imerecidos, poder, vantagens, distinções e status e acesso às oportunidades educacionais, ao lado dos obstáculos discriminatórios enfrentados por todos que estruturam as desigualdades sociais. A criminalidade deve ser encarada como um fator sóciopolítico, e como tal deve ser tratada. Os grupos de indivíduos mais expostos às pressões geradas pelas formas de desorganização social apresentam logicamente maiores probabilidades de ignorar ou impingir as normas sociais. Vivemos num conflito cultural, numa sociedade consumista em que o homem busca a qualquer preço a aquisição de status e, nesta perseguição, viola todos os preceitos ético-jurídicos”.


33. Foi revogado o art. 350 do Código Penal pela Lei nº 4.898/65, que foi revogado expressamente pela Lei nº 13.869, de 5 de setembro de 2019 (crime de abuso de autoridade), “cometidos por agente público, servidor ou não, que, no exercício de suas funções ou prevalecendo de exercê-las, abuse do poder que lhe tenha sido atribuído”), que revogou expressamente o art. 350 do Código Penal.


34. Assim, observa-se a evolução das propostas legislativas de reforma do texto em vigor.


LEI Nº 13.869, DE 5 DE SETEMBRO DE 2019


Dispõe sobre os crimes de abuso de autoridade; altera a Lei nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989, a Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996, a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, e a Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994; e revoga a Lei nº 4.898, de 9 de dezembro de 1965, e dispositivos do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal).

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:


CAPÍTULO I DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 1º Esta Lei define os crimes de abuso de autoridade, cometidos por agente público, servidor ou não, que, no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las, abuse do poder que lhe tenha sido atribuído. § 1º As condutas descritas nesta Lei constituem crime de abuso de autoridade quando praticadas pelo agente com a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal.

§ 2º A divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não configura abuso de autoridade.

CAPÍTULO II DOS SUJEITOS DO CRIME

Art. 2º É sujeito ativo do crime de abuso de autoridade qualquer agente público, servidor ou não, da administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de Território, compreendendo, mas não se limitando a:

I - servidores públicos e militares ou pessoas a eles equiparadas;

II - membros do Poder Legislativo;

III - membros do Poder Executivo;

IV - membros do Poder Judiciário;

V - membros do Ministério Público;

VI - membros dos tribunais ou conselhos de contas.

Parágrafo único. Reputa-se agente público, para os efeitos desta Lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função em órgão ou entidade abrangidos pelo caput deste artigo.


CAPÍTULO III DA AÇÃO PENAL

Art. 3º (VETADO).


CAPÍTULO IV DOS EFEITOS DA CONDENAÇÃO E DAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS


Seção I

Dos Efeitos da Condenação

Art. 4º São efeitos da condenação:

I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime, devendo o juiz, a requerimento do ofendido, fixar na sentença o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos por ele sofridos;

II - a inabilitação para o exercício de cargo, mandato ou função pública, pelo período de 1 (um) a 5 (cinco) anos;

III - a perda do cargo, do mandato ou da função pública.

Parágrafo único. Os efeitos previstos nos incisos II e III do caput deste artigo são condicionados à ocorrência de reincidência em crime de abuso de autoridade e não são automáticos, devendo ser declarados motivadamente na sentença.


Seção II

Das Penas Restritivas de Direitos

Art. 5º As penas restritivas de direitos substitutivas das privativas de liberdade previstas nesta Lei são:

I - prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas;

II - suspensão do exercício do cargo, da função ou do mandato, pelo prazo de 1 (um) a 6 (seis) meses, com a perda dos vencimentos e das vantagens;

III - (VETADO).

Parágrafo único. As penas restritivas de direitos podem ser aplicadas autônoma ou cumulativamente.

CAPÍTULO V DAS SANÇÕES DE NATUREZA CIVIL E ADMINISTRATIVA

Art. 6º As penas previstas nesta Lei serão aplicadas independentemente das sanções de natureza civil ou administrativa cabíveis.

Parágrafo único. As notícias de crimes previstos nesta Lei que descreverem falta funcional serão informadas à autoridade competente com vistas à apuração.

Art. 7º As responsabilidades civil e administrativa são independentes da criminal, não se podendo mais questionar sobre a existência ou a autoria do fato quando essas questões tenham sido decididas no juízo criminal. Art. 8º Faz coisa julgada em âmbito cível, assim como no administrativo-disciplinar, a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.


CAPÍTULO VI DOS CRIMES E DAS PENAS

Art. 9º (VETADO).

Art. 10. Decretar a condução coercitiva de testemunha ou investigado manifestamente descabida ou sem prévia intimação de comparecimento ao juízo:

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Art. 11. (VETADO).

Art. 12. Deixar injustificadamente de comunicar prisão em flagrante à autoridade judiciária no prazo legal:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem:

I - deixa de comunicar, imediatamente, a execução de prisão temporária ou preventiva à autoridade judiciária que a decretou;

II - deixa de comunicar, imediatamente, a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontra à sua família ou à pessoa por ela indicada;

III - deixa de entregar ao preso, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, a nota de culpa, assinada pela autoridade, com o motivo da prisão e os nomes do condutor e das testemunhas;

IV - prolonga a execução de pena privativa de liberdade, de prisão temporária, de prisão preventiva, de medida de segurança ou de internação, deixando, sem motivo justo e excepcionalíssimo, de executar o alvará de soltura imediatamente após recebido ou de promover a soltura do preso quando esgotado o prazo judicial ou legal.

Art. 13. Constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, a:

I - exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade pública;

II - submeter-se a situação vexatória ou a constrangimento não autorizado em lei;

III - (VETADO).

Art. 14. (VETADO).

Art. 15. Constranger a depor, sob ameaça de prisão, pessoa que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, deva guardar segredo ou resguardar sigilo:

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único. (VETADO).

Art. 16. (VETADO).

Art. 17. (VETADO).

Art. 18. Submeter o preso a interrogatório policial durante o período de repouso noturno, salvo se capturado em flagrante delito ou se ele, devidamente assistido, consentir em prestar declarações:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Art. 19. Impedir ou retardar, injustificadamente, o envio de pleito de preso à autoridade judiciária competente para a apreciação da legalidade de sua prisão ou das circunstâncias de sua custódia:

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena o magistrado que, ciente do impedimento ou da demora, deixa de tomar as providências tendentes a saná-lo ou, não sendo competente para decidir sobre a prisão, deixa de enviar o pedido à autoridade judiciária que o seja.

Art. 20. (VETADO).

Art. 21. Manter presos de ambos os sexos na mesma cela ou espaço de confinamento:

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem mantém, na mesma cela, criança ou adolescente na companhia de maior de idade ou em ambiente inadequado, observado o disposto na Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente).

Art. 22. Invadir ou adentrar, clandestina ou astuciosamente, ou à revelia da vontade do ocupante, imóvel alheio ou suas dependências, ou nele permanecer nas mesmas condições, sem determinação judicial ou fora das condições estabelecidas em lei:

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

§ 1º Incorre na mesma pena, na forma prevista no caput deste artigo, quem:

I - coage alguém, mediante violência ou grave ameaça, a franquear-lhe o acesso a imóvel ou suas dependências; II - (VETADO);

III - cumpre mandado de busca e apreensão domiciliar após as 21h (vinte e uma horas) ou antes das 5h (cinco horas).

§ 2º Não haverá crime se o ingresso for para prestar socorro, ou quando houver fundados indícios que indiquem a necessidade do ingresso em razão de situação de flagrante delito ou de desastre.

Art. 23. Inovar artificiosamente, no curso de diligência, de investigação ou de processo, o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de eximir-se de responsabilidade ou de responsabilizar criminalmente alguém ou agravar-lhe a responsabilidade:

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem pratica a conduta com o intuito de:

I - eximir-se de responsabilidade civil ou administrativa por excesso praticado no curso de diligência;

II - omitir dados ou informações ou divulgar dados ou informações incompletos para desviar o curso da investigação, da diligência ou do processo.

Art. 24. Constranger, sob violência ou grave ameaça, funcionário ou empregado de instituição hospitalar pública ou privada a admitir para tratamento pessoa cujo óbito já tenha ocorrido, com o fim de alterar local ou momento de crime, prejudicando sua apuração:

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, além da pena correspondente à violência. Art. 25. Proceder à obtenção de prova, em procedimento de investigação ou fiscalização, por meio manifestamente ilícito:

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem faz uso de prova, em desfavor do investigado ou fiscalizado, com prévio conhecimento de sua ilicitude.



NOTA: O art. 9º-A inserido pela Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019, razão pela qual permanece a redação: “Os condenados por crime praticado dolosamente, com violência de natureza grave contra pessoa, ou por qualquer dos crimes previstos no art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, serão submetidos, obrigatoriamente, à identificação de perfil genético, mediante extração do DNA – ácido desoxirribonucléico –, por técnica adequada. § 1º. A identificação do perfil genético será armazenada em banco de dados sigilosos, conforme regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo (garantias mínimas de proteção de dados genéticos). A identificação dar-se-á por ocasião do ingresso ou durante no estabelecimento prisional em que o condenado deverá cumprir a pena. A recusa constitui falta grave” (grifos nossos).


Art. 26. (VETADO).

Art. 27. Requisitar instauração ou instaurar procedimento investigatório de infração penal ou administrativa, em desfavor de alguém, à falta de qualquer indício da prática de crime, de ilícito funcional ou de infração administrativa:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Parágrafo único. Não há crime quando se tratar de sindicância ou investigação preliminar sumária, devidamente justificada.

Art. 28. Divulgar gravação ou trecho de gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada ou ferindo a honra ou a imagem do investigado ou acusado:

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Art. 29. Prestar informação falsa sobre procedimento judicial, policial, fiscal ou administrativo com o fim de prejudicar interesse de investigado:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Parágrafo único. (VETADO).

Art. 30. (VETADO).


Art. 31. Estender injustificadamente a investigação, procrastinando-a em prejuízo do investigado ou fiscalizado:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, inexistindo prazo para execução ou conclusão de procedimento, o estende de forma imotivada, procrastinando-o em prejuízo do investigado ou do fiscalizado. Art. 32. (VETADO).

Art. 33. Exigir informação ou cumprimento de obrigação, inclusive o dever de fazer ou de não fazer, sem expresso amparo legal:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem se utiliza de cargo ou função pública ou invoca a condição de agente público para se eximir de obrigação legal ou para obter vantagem ou privilégio indevido. Art. 34. (VETADO).

Art. 35. (VETADO).

Art. 36. Decretar, em processo judicial, a indisponibilidade de ativos financeiros em quantia que extrapole exacerbadamente o valor estimado para a satisfação da dívida da parte e, ante a demonstração, pela parte, da excessividade da medida, deixar de corrigi-la:

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Art. 37. Demorar demasiada e injustificadamente no exame de processo de que tenha requerido vista em órgão colegiado, com o intuito de procrastinar seu andamento ou retardar o julgamento:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Art. 38. (VETADO).


CAPÍTULO VII DO PROCEDIMENTO

Art. 39. Aplicam-se ao processo e ao julgamento dos delitos previstos nesta Lei, no que couber, as disposições do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), e da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.


CAPÍTULO VIII DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 40. O art. 2º da Lei nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989, passa a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 2º ............................................................................................................. .........................................................................................................................

§ 4º-A O mandado de prisão conterá necessariamente o período de duração da prisão temporária estabelecido no caput deste artigo, bem como o dia em que o preso deverá ser libertado. ......................................................................................................................... § 7º Decorrido o prazo contido no mandado de prisão, a autoridade responsável pela custódia deverá, independentemente de nova ordem da autoridade judicial, pôr imediatamente o preso em liberdade, salvo se já tiver sido comunicada da prorrogação da prisão temporária ou da decretação da prisão preventiva. § 8º Inclui-se o dia do cumprimento do mandado de prisão no cômputo do prazo de prisão temporária." (NR)

Art. 41. O art. 10 da Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996, passa a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 10. Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, promover escuta ambiental ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena a autoridade judicial que determina a execução de conduta prevista no caput deste artigo com objetivo não autorizado em lei." (NR)

Art. 42. A Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), passa a vigorar acrescida do seguinte art. 227-A:


"Art. 227-A. Os efeitos da condenação prevista no inciso I do caput do art. 92 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para os crimes previstos nesta Lei, praticados por servidores públicos com abuso de autoridade, são condicionados à ocorrência de reincidência. Parágrafo único. A perda do cargo, do mandato ou da função, nesse caso, independerá da pena aplicada na reincidência."

Art. 43. (VETADO).

Art. 44. Revogam-se a Lei nº 4.898, de 9 de dezembro de 1965, e o § 2º do art. 150 e o art. 350, ambos do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal).

(grifos e nota nossos)



 

Álvaro Mayrink da Costa

Doutorado (UEG). Professor Emérito da EMERJ. Desembargador (aposentado) do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.




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